“Espelho meu, espelho meu, há alguém mais bela do que eu?”, repetia frente ao espelho, em 1937, a rainha má do filme da Disney “Branca de Neve e os Sete Anões”. Oitenta anos volvidos, a narcisista frase tornou-se icónica e universal. Adaptemos, então, a mesma expressão ao quotidiano de uma inveterada adoradora de pitéus gulosos, que casa duas paixões, a doçaria e a comunicação. Daqui resulta um blogue que nos obriga a uma rendição incondicional ao mundo dos bolos, pudins, cremes, tartes, gelados, tudo o mais que possamos matutar. Para Mafalda Agante o blogue “Há Alguém Mais Gulosa do Que Eu?” nascia em dezembro de 2013 de forma natural, depois de um percurso de vida à volta da cozinha com gosto a doce.

Isso mesmo nos conta esta conimbricense, licenciada em jornalismo e com percurso em diferentes canais de televisão. Conversamos ao sabor de um lanche num ambiente óbvio para dois gulosos (a Mafalda e o jornalista), uma pastelaria. Entrevista marcada de antemão na Sacolinha, em pleno Chiado. “Tem de experimentar a Bola de Berlim com doce de leite”, sugere Mafalda, conhecedora de muitos dos meandros que preenchem as vitrinas das pastelarias nacionais.

Por que razão não resistimos aos doces da Mafalda Agante?

Prova-se a dita Bola de Berlim. Excelente. Massa fofa e um creme espesso, com aquele caramelizado que associamos à Baba de Camelo. Um doce simples, bem ao jeito das criações da Mafalda, mentora de receitas ao alcance do comum mortal. Criações que valem a esta autodidata da pastelaria, colaborações na rádio, a publicação de um livro e a promessa futura de estreia de um programa de televisão. Mas já lá vamos, até porque nestas coisas da vocação há que deslindar as origens.

“Em criança ia à pastelaria com os meus pais e colava-me às montras. Disse-me mais tarde a minha mãe que eu provava sempre algo novo. O mesmo se passava quando viajava para algum sítio, ia sempre perguntar aos habitantes locais onde ficava a melhor pastelaria”, conta-nos na primeira pessoa Mafalda Agante. Do provar ao confecionar foi um pequeno passo para a bloguer. Em breve Mafalda via-se na cozinha frente ao forno, às formas e batedeira. “Comecei aos dez, doze anos a fazer doces por iniciativa própria. Os meus doces preferidos eram, nessa época, as delícias de leite, assim como um bolo com massa de pão-de-ló, recheado com chantilly e com cobertura do mesmo”. Os pais não se opunham a estas incursões na cozinha, embora “estabelecessem limites” aos bolos que a menina comia. Isto porque dar liberdade a uma gulosa inveterada pode levar a alguns recordes pouco recomendáveis. “O número máximo de sobremesas que ingeri, já em adulta, foi 14 num hotel. Confesso que não correu muito bem”, confidencia Mafalda entre risos.

As voltas que a nossa doçaria dá:

Em jeito de roteiro gastronómico nacional, perguntamos a Mafalda quais as especialidades que a fazem correr umas boas dezenas de quilómetros. Está aberta a caixa de pandora. Ou, preferindo, aplicando o velho adágio, “a conversa é como as cerejas” e Mafalda leva-nos num périplo pela doçaria regional e conventual. Até porque, como diz, “o açúcar faz muito bem à alma”. Neste âmbito, a lista é extensa: “Em Braga sugiro o pudim Abade de Priscos; Porto, as Glórias, semelhantes a umas argolas com cobertura de doce de ovos que há em Lisboa. Não percam os Pastéis de Vouzela e, em Viseu, os Viriatos. É claro que não podemos esquecer os Ovos-Moles de Aveiro, o Pão-de-Ló de Ovar; as Cornucópias de Alcobaça; o Pastel de Santa Clara e o Arroz Doce à Moda de Coimbra. Na capital, o Pastel de Nata e, no Alentejo, a Sericaia, a Encharcada, Pão de Rala (Évora). No Algarve, os Dom Rodrigo”.

“A nossa doçaria conventual é riquíssima. Com ingredientes simples, como os ovos e o açúcar, criámos uma diversidade espantosa”, acrescenta Mafalda.

Por isso o especial carinho da autora por estes doces, alguns deles já produzidos e fotografados para o blogue. No departamento imagem a Mafalda conta com um apoio importante, o do irmão Diogo Agante. É ele, também um autodidata, o olho atrás da objetiva e a mão criadora do blogue e de toda a conceção gráfica da página.

Por que razão não resistimos aos doces da Mafalda Agante?

Podemos perguntar a uma apaixonada pela doçaria o que a faz torcer o nariz neste capítulo? Sim. Espanto, a Mafalda tem a resposta pronta. “não gosto de aletria, não obstante desde miúda adorar arroz-doce, especialmente ainda quente”. Como se percebe, a bloguer passa rapidamente dos desamores para os amores.

Leia na próxima página quais as figuras que inspiram Mafalda Agante

Inspirações e solidariedade:

No que respeita a figuras inspiradoras no seu percurso doceiro, Mafalda responde de forma diplomática. “Prefiro não indicar figuras nacionais para não ferir sensibilidades”. A autora do “Há Alguém Mais Gulosa do Que Eu?” envereda pelo panteão além-fronteiras: Jordi Roca (o catalão na cozinha do premiado restaurante El Celler de Can Roca”; a norte americana Martha Stweart, a australiana Donna Hay e o francês Pierre Hermé”.

“Mafalda, se conhecesse estas figuras pessoalmente que bolo ou sobremesa lhes pediria?”. “Essa é uma pergunta difícil”, avança Mafalda, “cada um tem a sua especialidade. Os irmãos Roca trabalham muito com aromas. O Pierre Hermé, dedica-se muito ao chocolate, logo iria pedir-lhe um bolo. À Martha e à Donna, encomendava um bolo de fruta. Depois convidava-os a provar a nossa doçaria”.

Por que razão não resistimos aos doces da Mafalda Agante?

Mafalda Agante viu recentemente as suas receitas migrarem do digital para o papel. Com a chancela da Oficina do Livro, chegou aos escaparates o livro com título homónimo do blogue. “Quis colocar nas livrarias o livro que não encontrava em Portugal. São 70 receitas muito acessíveis, algumas produzidas em cinco minutos e com recurso a ferramentas por vezes esquecidas, como o micro ondas. A fotografia ficou a cargo do meu irmão”. Para a autora, este tem sido uma experiência que lhe permite chegar de forma diferente aos leitores, “enviam-me fotografias depois de produzirem em casas as receitas do livro. Dizem-me `são simples de fazer e deliciosas`”.

Um protagonismo que Mafalda não restringe ao blogue e papel. Quem sintoniza a estação de rádio RFM, sabe que abre a semana com uma perdição de açúcar com assinatura “Há Alguém Mais Gulosa do Que Eu?”. As “Segundas-feiras Doces com o Café da Manhã”, chegam sempre servidas com uma sugestão de música a acompanhar.

Para Mafalda não há separadores na sua vida profissional. “A ideia é entroncar com a doçaria todas as áreas do blogue, seja a visita a um hotel ou a um restaurante, a sugestão de um livro, os eventos”. Uma atividade que a bloguer e autora estende à solidariedade social.“Sou Dream Maker, da Associação Terra dos Sonhos. Realizo os sonhos de crianças e jovens carenciados, com doenças crónicas, graves e em fase terminal”. Um dos sonhos mais pedidos passa por conhecer Cristiano Ronaldo. Segue-se a família Carreira. “É uma atividade gratificante. Olhar para a coragem destas crianças e a força que transmitem”. Uma dimensão da vida de Mafalda que já lhe permitiu exercer a sua veia profissional. Entrevistou 60 figuras públicas no âmbito do movimento “O Maior Sorriso do Mundo”.

Uma conversa onde não falta o sorriso e que não escapa a algumas confidências. Para breve pode estar um programa no pequeno ecrã. “Tenho propostas de algumas produtoras para tornar o blogue em formato programa de televisão. Espero que se concretize”. Ainda na agenda de futuros da Mafalda está a inscrição no ginásio, “tenho de arranjar motivação”. Até porque o espelho (aqui está ele, uma vez mais) lhe devolve uma figura elegante. O segredo? uma genética e o metabolismo (muito) acelerado e moderação na dieta alimentar. “Adoro doces mas tenho controlo sobre as refeições. Fazer uma alimentação saudável é uma opção, para equilibrar a quantidade de açúcar que ingiro".

Veja, também, no SAPO Lifestyle algumas das receitas de Mafalda Agante

As regras para um bolo perfeito da autora do blogue “Há Alguém Mais Gulosa do Que Eu?”