“Comemos três vezes por dia, é algo muito poderoso”, define o autor de “Happy, Hyper, Heavy” e especialista em alimentação ayurvédica. O Sabores foi ao seu encontro para saber mais sobre esta filosofia de vida.

Wayne Featherstone, responsável pela alimentação durante o recente evento de meditação com o guru Sri Sri Ravi Shankar em Portugal, no solistício de verão, está em Portugal até 1 de julho.

 

- Explique-nos o conceito do livro “Happy, Hyper, Heavy”. Implica mudanças no nosso estilo de vida, na forma como estamos habituados a alimentar-nos?

- É precisamente essa a questão. Estamos habituados a um certa maneira, em tudo o que fazemos: a que horas vamos dormir, a que horas acordamos, quantas vezes por dia tomamos banho... A mesma coisa acontece com hábitos alimentares. Um exemplo: uma vez tive um curso aqui em Portugal e estavam 24ºC. No dia seguinte, estava a dar workshops na Finlândia e estavam 4ºC. Eram 20ºC de diferença. Num dia estava com saladas e produtos da natureza sazonais, de verão; no outro estava com batatas e alimentos mais pesados e quentes, pesados no sentido de nos deixar mais cheios; saladas no sentido de nos deixar mais leves. Por aí se pode ver como escolhemos a comida em função da estação.

Mas não só de acordo com a estação, mas também em função dos efeitos da comida. Porque é que no verão escolhemos a salada e não a comida mais pesada? Porque no tempo de verão queremos essa frescura, essa leveza; no inverno queremos estar quentes, o nosso aquecimento funciona mais.

 

- Defende uma forma muito natural de alimentação. Devemos comer aquilo que o corpo pede?

-Sim, de acordo com a natureza. Se olharmos para as categorias “Happy, Hyper, Heavy”, a comida deve saber bem, mas o gosto não é tudo. A comida tem um efeito em nós. Se for a um almoço de negócios, porque é que se sente sonolento à tarde, quando ainda tem de se manter concentrado, focado no trabalho, produtivo? Porque ao almoço talvez tenha comido alguma carne, queijo, natas, talvez algum vinho… é a categoria “heavy”. Os alimentos “happy” estão ligados à clarividência da mente. A segunda categoria, “hyper”, está ligada a hiperactividade, como um expresso duplo e um pedaço de chocolate. Não se pode estar quieto depois disto, está-se desassossegado, quer-se mexer.

 

- Viaja por todo o mundo para cozinhar e ensinar estes princípios…

- Sim, faço workshops, dou entrevistas como esta… Faz parte do nosso negócio. É nossa missão, no Art of Living, divulgar os efeitos da comida no estado de espírito. Isto é determinante na nossa qualidade de vida. Se tivermos sentimentos de depressão ou peso, como é que podemos pensar clareza e ter energia? Pela comida, em parte, podemos controlar isto.

 

- Pode dar-nos exemplos? Agora vamos começar o verão, com longos dias longos de calor.

- No inverno procuramos coisas que nos aqueçam, no verão procuramos alimentos que refresquem. Por exemplo, o que torna a comida tailandesa interessante? São os valores opostos: gengibre, malaguetas, caril (quentes) e por outro lado o coentro, o coco (frios), todos no mesmo prato. É assim que podemos equilibrar a refeição, temos as especiarias e a frescura.

O mesmo quando olhamos para as estações. No verão queremos fruta fresca, sumos, vegetais, mas não num guisado, porque o guisado cozinha os alimentos muito tempo. E nós queremos preservar os nutrientes da comida. É melhor cozer a vapor, saltear, quando os vegetais ainda estão um bocadinho crocantes. O óleo de coco arrefece; o óleo de sésamo aquece. Na cozinha que nós usamos é tudo baseado em princípios ayurvédicos. Aqui explicamos o que é quente e o que é frio, como criar o equilíbrio entre os cinco elementos.

 

- Esses cinco elementos baseiam-se na filosofia ayurvédica, que fala em três doshas, pitta, kapha e vata. Resumidamente, o que significam estas palavras para quem não sabe nada de Ayurveda?

- Para simplificar, tudo à nossa volta consiste em cinco elementos: o espaço – o planeta Terra está no espaço e nós vivemos no planeta Terra, por isso definitivamente o espaço é parte do nosso ser. A comida também tem o elemento espaço. Depois há o ar que respiramos: os pulmões respiram ar, alimentos como pipocas têm muito ar. Temos o fogo, o calor corporal, a digestão, o sol. Depois há o elemento água: urina, sangue, suor;  e mais uma vez todos os alimentos têm água. E o elemento terra, as partículas de pó…

Ao nascer, temos uma proporção entre os diferentes elementos. A relação entre o espaço e o ar é chamada pata; o fogo e a água é pitta, a água e a terra juntos é o kappa. Os cinco elementos são parte de nós em diferentes proporções.

Por exemplo, o tipo pitta (fogo) é muito agitado. Não pode ter muito sol de uma vez porque o calor já uma parte muito forte dessa pessoa, e com mais extra calor “explode”, torna-se demasiado para o sistema, fica desequilibrado. O tipo pitta deve usar os alimentos refrescantes.

 

- Mas sempre excluindo alimentos de origem animal?

- Na verdade, o ayurveda não exclui nada. O que o ayurveda faz, por exemplo, é dizer se o ovo é fácil ou difícil de digerir, se nos vai fazer sentir feliz, pesado ou excitado. O ovo está na segunda e terceira categoria: faz-nos sentir desassossegados e pesados. Ao pequeno-almoço, com uns ovos mexidos com umas torradas e um pouco de manteiga, ficamos com energia e calorias, mas sentimo-nos um pouco sonolentos, não tão brilhantes a nível mental, não tão leves.

 

- O mesmo acontece com carne e peixe?

- Exatamente. O que posso dizer, da minha experiência, é que deixar de comer ovos, peixe e carne faz-me sentir mais leve, mais esperto, mais eficaz. De uma forma simples, faz-me sentir mais feliz. Não digo a ninguém: não comas a carne. Mas explico o efeito das diferentes categorias de alimentos. E as pessoas vão perceber como controlar a felicidade na sua vida.

 

-O que vai ensinar nestes cursos em Lisboa?

- Basicamente isto: as pessoas devem ter uma percepção melhor da sua própria constituição. Baseados nestes cinco elementos, toda a gente é diferente, uns têm mais fogo, como os empresários, aqueles que agarram nos projetos e os executam, os que procuram ação. Outros são do tipo água, calmos, estáveis, fáceis de conviver. Depois há um terceiro tipo ligado ao ar, são os criativos, os que estão sempre a apanhar ideias. Têm uma melhor percepção da sua própria constituição e também de como encontrar os alimentos ideais. É algo que fazemos três vezes por dia, por isso é uma ferramenta muito poderosa. Três vezes por dia, podemos encher o depósito de alimentos positivos.

 

- A Ayurveda diz também que a comida é uma forma de prevenir doenças. Estamos a assistir ao aumento de doenças relacionadas com a obesidade, cancro, diabetes. Como é que a alimentação pode combater isto?

- Um dos princípios da Ayurveda é que ao nascer todos temos uma proporção dos três diferentes elementos, os doshas. Se formos verificar agora, talvez haja algum desequilíbrio. Por causa de alguma situação stressante, um relacionamento, competição no trabalho, ou até calor a mais. Ou seja, aconteceu alguma coisa que não é o nosso equilíbrio natural. Na ayurveda o que fazemos é conseguir uma combinação perfeita do equilíbrio natural e o equilíbrio de agora. Se por exemplo, está demasiado pressionado pela família em casa, não tem tempo para cozinhar, tem de levar as crianças à escola, depois chega a casa e a refeição tem de estar pronta em dois minutos, como é que pode tomar conta de si próprio nesta situação? Talvez se esteja a mexer demasiado, a comer o que não é adequado. Então a Ayurveda vai guiá-lo na aplicação de alguns princípios no seu estilo de vida, através da dieta, para criar o equilíbrio na sua saúde e no seu dia-a-dia. O objectivo não é só curar as doenças, mas prevenir que venham a ocorrer no futuro.

 

- Actualmente fala-se tanto sobre comida, chefes e restaurantes; há programas de cozinha na televisão, revistas e livros… Nunca se deu tanta atenção à alimentação, mas acha que estamos a comer melhor do que os nossos avós?

-Depende de como olhamos para isto. De um lado da história os nossos antepassados estavam mais em contacto com a natureza. Como o meu avô, que tem 95 anos, continua a ir para a cama às 8 ou 9 da noite e a levantar-se às 4 da manhã. Vive em Trinidad e tem a sua própria horta. E o que é que ele come? O que colhe da sua própria terra. E faz exercício. Com 95 anos, ainda dirige a sua empresa com 9 ou 10 empregados e está lá todas as manhãs às 7h. A chave é ligar-nos melhor à natureza, porque fazemos parte dela.

 

-Quem viaja muito, fica em hotéis e tem de comer em restaurantes, o que pode fazer?

- Mudar o emprego! Estou meio a brincar, mas até pode ser o melhor a fazer. Porque talvez depois possa escolher um emprego que esteja mais de acordo com a sua natureza em vez de um emprego que nos causa indigestão, dores de cabeça, insónias, perda de peso. Mas nem sempre temos essa opção. Então como aguentar? Ayrveda pode dar-nos alguns princípios para encontrar o equilíbrio. Por exemplo, se viaja muito de avião ou carro, tem mais elemento ar. O ar é seco, então deve aplicar óleo na pele ou acrescentar mais azeite ou ghee na comida.

 

- Então, que tipo de comida nos pode fazer feliz? Dê-nos alguns exemplos.

- No curso, se fizesse esta pergunta, as pessoas iam responder batatas fritas, gelado, alguém diria saladas... É tudo bom, no sentido em que nos faz sentir bem. Mas como é que se vai sentir depois do segundo gelado, ou do terceiro gelado? Até nas saladas, se come demasiada salada, ou demasiado azeite a temperar a salada. Tudo depende da pessoa, da sua constituição e a que categoria pertence. A comida que o vai fazer feliz é a que é fresca - grãos, sementes, verduras, arroz, fruta, vegetais que não sejam tão cozinhados até que toda a vida lhes seja extraída. Na comida congelada, requentada do dia anterior, a energia vital já não está lá.

 

- Já que falamos em alimentos não cozinhados, podemos incluir o crudivorismo?

- O crudivorismo é muito bom, mas não é recomendável comer só alimentos crus. A comida sempre crua é difícil de digerir – vai-lhe dar muito prana (energia vital) mas vai sobrecarregar o sistema digestivo, provavelmente terá complicações. Então, pelo menos 20% da refeição deve ser cozinhada. A comida crua deve fazer parte da alimentação diária, mais uma vez tendo em conta a constituição individual de cada um. É essencial ter esse conhecimento de nos próprios.

A boa notícia é que está nas nossas mãos. O grau de felicidade nas nossas vidas não depende de situações e elementos fora de nós. Em grande parte, temos o controlo da felicidade nas nossas vidas. Mesmo que haja crise não quer dizer que nos devemos sentir mal. Claro que temos responsabilidades e temos de pensar nelas mas não temos de nos sentir mal. Porque podemos mudar as coisas através de algumas alterações no estilo de vida e numa dieta mais feliz, mais leve.

Veja a receita de Couscous com cubos de beterraba e cenoura a vapor de Wayne Featherstone.

 

Ana César Costa