Há muito que comer deixou de ser apenas a satisfação de uma necessidade primária, tornando-se num prazer social. Porém, a comida atingiu o topo e atualmente tem estatuto de estrela ao transformar-se num festim para os olhos.  «Chefs are the new rockstars», proclamam vários jornalistas e opinion makers. Os chefs de cozinha são as novas estrelas de rock. São os ídolos do momento, celebridades reconhecidas em todos os cantos do mundo com direito a programas de televisão, concursos de culinária, livros e uma quantidade alargada de produtos de merchandising. Veja-se o caso de Gordon Ramsay, Jamie Oliver, Rachel Ray, Wolfgang Puck, que em pouco tempo se tornaram personalidades influentes.

A revista Forbes chegou mesmo a publicar a lista dos 10 chefs mais bem pagos do mundo, em 2012, encabeçada pelo próprio Gordon Ramsay, com valores que se situavam, de forma decrescente, entre os 38 milhões de dólares e os 8 milhões. «Já passámos pela era das estrelas de cinema, pela era das estrelas de rock, e agora estamos na era dos chefs de cozinha», refere, a propósito, Raul Lufinha, criador do blogue Mesa do Chef, um dos mais conceituados a nível nacional. Tudo porque a comida, sobretudo o food design, entrou definitivamente na ordem do dia.

Depois de se ter instalado nas mais variadas áreas das sociedades modernas, como a moda, decoração e indústria, o design chegou em força à alimentação. Apesar de não ser um fenómeno propriamente novo, uma vez que a nouvelle cuisine surgiu na década de 70 do século passado, foi nos últimos cinco anos que explodiu mundialmente. Com a proliferação de cursos de cozinha e pastelaria, bem como os de chefs, oferecidos pelas escolas de turismo e hotelaria, e sobretudo com o boom de blogues dedicados à culinária, o design da comida democratizou-se. Para isso, em muito contribuíram os concursos e reality shows que proliferam nas cadeias internacionais de televisão.

A vontade de querer imitar os chefs

«MasterChef» com versões em todo o mundo, «Hell's Kitchen», «Top Chef», «Chef’s Academy» e «Cake Boss», entre muitos outros, são apenas alguns dos exemplos. E, em casa, cada um de nós sonha usar a faca com a mesma perícia dos chefs famosos e empratar com a mesma rapidez e beleza. Até as crianças começam a descobrir os prazeres da cozinha. No entanto, não basta saber cozinhar e seguir uma receita na perfeição, há que saber apresentá-la com esmero e sedução. E, porque os olhos também comem, surgem pastelarias cheias de obras de arte, restaurantes que apresentam o seu menu como se de uma instalação artística se tratasse.

E trata-se, sem dúvida! E não se fica por aqui. Nas lojas gourmet, onde a embalagem tem o papel principal, tal também sucede. O food design cruza diferentes áreas, desde chefs de cozinha e pastelaria, designers, cientistas, que se preocupam com todos os aspectos relacionados com os alimentos, passando pelo design de produto, de embalagem, chegando ao design de interiores e utensílios de cozinha. As cozinhas transformaram-se em palcos de teatro, os utensílios estilizaram-se e a comida inspira até objetos de decoração e do dia a dia.

O styling da comida influencia as nossas escolhas?

Estará então o design a influenciar a forma como comemos e até aquilo que comemos, é a pergunta que urge colocar. A forma do prato ou da embalagem, a cor, a disposição dos alimentos e a maneira como estes estão apresentados, pode influenciar a vontade de comer em maior ou menor quantidade. «Uma imagem apelativa, com mais cor, mais brilho, mais bonita, facilmente estimula o desenvolvimento de emoções positivas. Assim, existe uma sensação de bem-estar associado ao consumo alimentar», explica Diana Baião, nutricionista que colabora com o Instituto Profª Teresa Branco.

«Desta forma, muitas vezes acabamos por seleccionar alimentos pela sua embalagem ou apresentação e não tanto pela sua qualidade nutricional. Contudo, um bom exemplo de um prato muito colorido e saudável são as saladas. Quanto mais coloridas mais nutrientes contêm», acrescenta ainda a especialista. Já Teresa Rebelo, redatora publicitária freelancer, que se diz viciada em livros de culinária e criadora do blogue Lume Brando, defende que a par com a maior aposta na imagem do que comemos «também se nota um esforço nas famílias e nas escolas para a alimentação saudável, para o regresso às origens e para a aposta nos produtos sem imagem, que vêm diretamente do produtor», afirma.

Com ela concorda o conceituado chef Leonel Pereira, responsável pela cozinha do S. Gabriel, restaurante na Quinta do Lago, no Algarve, e que tem uma extensa carreira em cadeias de hotéis de luxo. Este cozinheiro, como ele próprio se apresenta, defende que não basta ser bonito, tem de ser bom, ter sabor e qualidade. «A imagem não pode induzir as pessoas em erro. O prato tem de corresponder às expectativas», diz.

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A cozinha é o novo palco da ação

Leonel Pereira é vanguardista no que elabora, gosta de estar à frente da sua época e de aliar o design da comida com o da loiça e dos talheres que utiliza. «Mas cansei-me de loiça de design, agora procuro algo mais rústico, mais próximo das origens», explica ainda o chef. Apesar de toda a experiência internacional que teve, investe numa cozinha de sabores regionais, próximos das raízes algarvias, que são também as suas. Por todos estes motivos as cozinhas são hoje o centro das atenções, o palco onde tudo acontece.

Deixou de ser o espaço da mulher e passou a ser partilhada pelo casal e filhos. Philippe Starck, o famoso designer, diz a propósito que a cozinha passou a ser a nova sala de estar. O design das modernas cozinhas incluem sofás, grandes ecrãs de televisão, estantes de livros, discos compactos e até brinquedos. E, atualmente, tudo o que as envolve está repleto de design, incluindo eletrodomésticos, loiças, móveis, bancadas.  Tal como nos outros países, também em Portugal houve um boom de chefs de culinária.

Teresa Vivas, com formação na área agrícola, cedo percebeu a crescente importância da cozinha no mundo atual e desenhou um projeto que aliasse agricultura e gastronomia, em parceria com Patrícia Dias, especialista em comunicação. Surgiu assim a Chefs Agency, em 2008, a primeira agência nacional dedicada à comunicação e marketing gastronómico. «Trabalhamos junto de produtores de várias áreas da gastronomia e com os chefs de cozinha. Ajudamos ao seu posicionamento no mercado», refere Teresa Vivas. Criaram a Chefs Abroad, uma plataforma de internacionalização de gastronomia e chefs nacionais e que pretende criar condições para que os players locais se deem a conhecer noutros mercados.

Os olhos também comem

David Costa, nascido em Santarém, passou pelo restaurante do Ritz, pelo Rio, pelo Eleven, pelo Assinatura e é hoje responsável pela cozinha do Kook Chiado, um espaço dedicado ao sushi e aos petiscos. Afirma que o mais importante é conjugar imagem e sabor e, quando o tempo falta, mais vale optar pelo sabor. «O impacto visual é muito importante, pois os olhos são os primeiros a comer, mas o essencial é a qualidade. Até uma simples travessa de cozido à portuguesa apela aos nossos sentidos», diz.

Já Michel Laffan, chef no restaurante L’And, instalado no resort de luxo alentejano L’And Vineyards em Montemor-o-Novo, considera que um prato só está completo se obedecer a um conjunto de factores, aroma, sabor, textura visual e paladar. «A apresentação é, de facto, muito importante. O prato tem de ser desenhado com alma, com uma filosofia de entretenimento», explica o chef que arrecadou a primeira estrela Michelin do Alentejo. Porém, a qualidade do produto tem de estar em primeiro plano, pois, há que ser, acima de tudo, honesto com o cliente, explica.

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Cake design ou as delícias da arte comestível

Teresa Henriques é hoje uma das mais reconhecidas profissionais de cake design em Portugal e além-fronteiras. Quando iniciou o seu percurso nesta área, há cerca de 15 anos, tudo era difícil, mas nos últimos anos a sua vida tornou-se mais fácil. «A internet abriu muitas portas», diz. É acreditada pela Escola de Hotelaria e Turismo de Portugal, pela Cake Decorating School of London e pela The Wilton School e no seu currículo somam-se inúmeros wokshops. Foi a primeira portuguesa a ser convidada para fazer parte de um júri de um concurso internacional no Kremlin, na Rússia, em 2013.

Esta artista abriu, com a colaboração do marido e da filha, a primeira Academia Profissional de Cake Design, a única na península ibérica a dar formação qualificada e certificada na área. Foi também ela que fundou a Associação Nacional de Cake Design, da qual é presidente, sedeada em Óbidos. Transmite aos seus alunos que a imagem do bolo é importante, mas a qualidade está acima de tudo. Teresa Henriques preocupa-se até com a questão nutricional e até oferece a possibilidade de fazer bolos adaptados às intolerâncias alimentares. Um dos flops que o design pode trazer, nomeadamente aos bolos, é o facto de a imagem não corresponder ao produto.

O fenómenos da redes sociais

A internet foi a grande responsável pelo fenómeno da difusão mundial da cozinha. Atualmente qualquer um faz fotografias de comida e as publica nas redes sociais. Às redes sociais aliou-se outro fenómeno recente, o crescente número de blogues dedicados à comida. La Tartine Gourmande, Americano, Lume Brando, Cinco Quartos de Laranja e Mesa do Chef, portugueses, são alguns dos que podemos ler na internet, mas a lista é extensa. Béatrice Peltre vive em Boston e é fotógrafa, food stylist e escreve sobre comida. Iniciou o blogue La Tartine Gourmande em 2005 para divulgar o seu trabalho como profissional e lançou já o primeiro livro de culinária, «La Tartine Gourmande: Receitas Para Uma Vida Inspirada».

Usa os seus pratos para criar fotos apetitosas, com textura, mas acredita que é possível combinar imagem e qualidade nutricional. Também Isabel Zibaia Rafael iniciou o seu blogue, Cinco Quartos de Laranja, inspirado no livro de Joanne Harris com o mesmo nome, na mesma época, em 2006, tendo já publicado dois livros, «Cozinha para Dias Felizes» e «Delicioso Piquenique». As suas receitas inspiram-se em tudo, na família, no dia a dia, nas experiências pessoais, nas viagens, nos livros e nas revistas. «A imagem da comida é importante, os alimentos contam histórias. Há inúmeros sentimentos associados à comida», diz.

Raul Lufinha iniciou o seu percurso na blogosfera para registar tudo o que comia. Fazia fichas com a respetiva imagem e o blogue pareceu-lhe a melhor solução para as arrumar. Para ele o cliente «não come um prato pela imagem, até que por vezes, quando escolhe nem sabe como se apresenta. O que interessa é mesmo a comida», refere. Mas o design, claro, não deixa de ser importante. «No restaurante Ferrugem, em Vila Nova da Famalicão inicia-se a refeição com uma caixa de Pasta Medicinal Couto, com uma embalagem tipo pasta dentífrica. Lá dentro tem manteiga de azeite. O design está em todo o lado», diz.

Tendências para o futuro

O futuro do food design está no passado, dizem os especialistas nesta matéria. «Há uma procura gigantesca pelo que é nosso, pelas raízes da nossa alimentação. Isto é aliás, um fenómeno mundial, que passa por ir buscar o que é autêntico. Devido à crescente globalização, o que nos distingue são os produtos locais, e é nisso que temos de apostar», afirma Teresa Vivas. Também no cake design a tendência é ir buscar o antigo e envolvê-lo de modernidade, explica Teresa Henriques. Para Raul Lufinha, a grande tendência é cozinhar com um lado lúdico, a busca de experiências que ultrapassem o simples ato de nos alimentar.

Há em Portugal um bom exemplo nesta área, o Hotel Cooking and Nature, em pleno Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros, que alia emoções à cozinha. Mas afinal que fenómeno é este que coloca a comida num lugar de destaque? E será que é apenas uma moda passageira? «Julgo que se trata de redescobrir a importância da comida nas nossas vidas. Da comida feita por nós e bem confecionada. Saber cozinhar e receber os amigos e a família em casa, voltou a ser valorizado", afirma Teresa Rebelo.

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A ciência ao serviço da alimentação

O outro lado mais esquecido pelo consumidor é a parte científica, o chamado food structure design. Trata-se da investigação centrada na microestrutura alimentar que se preocupa com a forma como os nutrientes são absorvidos pelo nosso corpo. Cristina Silva, docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Porto, foi corresponsável, com António Vicente, da Universidade do Minho, pela organização do primeiro congresso de Food Structure Design, resultado do projeto COST - European Cooperation in Science and Technology, que ocorreu em outubro de 2013, no Porto.

Esta responsável explica que a investigação,realizada em parceria com diversas universidades europeias e em várias áreas do conhecimento, se destina a obter produtos mais apetecíveis, com diferentes estruturas, mas mais saudáveis e com boa conservação. Através da nanotecnologia já é possível, criar pão com preocupações gastrointestinais. E as potencialidades de inovações como a já famosa cozinha molecular, que tem desenvolvido especialidades como caviar de menta ou chocolate derretido frito, não se ficam por aqui.

Boa Boca gourmet com visão

António João Policarpo, licenciado em publicidade e designer gráfico, em parceria com Inês Varejão, engenheira agrónoma, decidiram unir-se nos negócios, tal como já estavam na vida pessoal. Criaram em 2004 um projeto que aliava as duas áreas do saber, a gastronomia e o design, a que chamaram de Boa Boca. A loja gourmet de Évora começou por estabelecer uma parceria com pequenos produtores de biscoitos, bolachas, chocolates, compotas, vinhos, licores, produtos de alta qualidade aos quais bastava apenas serem amarrados pelo design.

«Aplicámos o packaging design aos produtos e estes começaram a destacar-se», recorda António João Policarpo. Foi através do estilo simples que a empresa tem vindo a arrecadar prémios e menções honrosas, dos quais se destacam os Red Dot Design Awards e o Prémio Sena da Silva. A nova loja online anunciada para o primeiro semestre de 2015 promete complementar a atual possibilidade de aquisição por e-mail e vender para todo o país e para vários países do mundo especialidades requintadas como azeite aromatizado com tomilho e alecrim, licor de medonho e mel e chocolate de São Tomé com açúcar em cristais.

Texto: Helena C. Peralta