Será que preciso mesmo disto? A pergunta acontece, na maioria das vezes, dentro do minúsculo, sufocante e claustrofóbico provador. Noutras, dentro da loja ou quando namoramos a montra que tem exactamente aquele casaco que, apesar de sabermos que seria apenas mais um, nos iria deixar tão momentaneamente (e não mais que isso) satisfeitas. Se formos a avaliar, a resposta é (quase) sempre negativa.

Felizmente, a grande questão que coloca na balança aquilo que compramos porque precisamos e aquilo que compramos só porque achamos que precisamos, é feita com cada vez mais frequência. Infelizmente, pelos motivos menos positivos. A crise, e tudo o que acarreta, traz na bagagem, a par de todos os males, um bem necessário, a consciencialização no ato da compra. Algo que, graças à veloz ciclicidade das tendências, estava esquecido no fundo mais profundo da nossa consciência.

Comprar tornou-se, com o passar dos anos, um vício (em muitos casos), uma distracção (em milhares de outros), uma compulsão (nos mais graves) ou, simplesmente, uma necessidade autoimposta de ter de acompanhar as tendências. É aqui que o monstro da crise se torna útil contrariando o lado fútil da moda. O facto de aprendermos a comprar de forma inteligente, para além de positivo para a carteira, torna- nos mais adultos e conscientes, e menos deslumbradas com a moda.

Claro que comprar com esta atitude requer alguma inteligência. Apesar de atualmente o regresso aos básicos e à compra inteligente ser um reflexo dos tempos, nem sempre foi assim. São inúmeros os criadores que, ao longo dos tempos, mantiveram a unicidade das suas coleções baseadas em peças simples, fáceis de usar e, acima de tudo, intemporais. Peças que vivessem para além do devaneio da temporada, como sempre fez o americano Calvin Klein, por exemplo.

Mas a questão do smart shopping não se fica por aqui. Existe o outro lado da moeda que incide nas peças inteligentes em si mesmas. Não é quem compra que está a ser inteligente (não deixando obviamente de estar), mas a própria peça tem, nos arredores da sua simplicidade, pequenos detalhes que fazem toda a diferença e, por não se tratar de uma gritante tendência e pela sua diferença ser tão minuciosa, acaba por se tornar em algo único e intemporal.

Smart shopping é uma questão de inteligência

Num artigo da revista online do site Net-a-porter.com acerca do tema, a jornalista Christa D'Souza relembra os anos da década de 1980 e a primeira loja da casa japonesa Comme Des Garçons, de Rei Kawakuba, em Nova Iorque. «De repente, tudo girava em volta do preto, azul marinho, branco ou vermelho, e parecíamos todos membros de um culto intelectual desconstrutivo», refere.

«Tenho saudades dos tempos em que não sabia muito bem qual era a frente e qual o verso de um top, tinha mesmo de extrair um conjunto de instruções no provador para não me esquecer de como o colocar quando estivesse em casa», acrescenta ainda. Era a supremacia do corte e dos pequenos detalhes, acima de qualquer miscelânea de tendências. A par disso, os tons neutros e os materiais de excelência, tudo em prol da durabilidade e da já referida intemporalidade.

Outro nome que não podemos deixar de lado na ótica do smart shopping é Victoria Beckham. A ex-Spice Girl, espantou tudo e todos quando resolveu mostrar ao mundo a sua veia de designer. De natureza exuberante e personalidade aparentemente extrovertida, as peças da posh girl primam precisamente pela discrição. Na sua coleção de outono/inverno 2014/15, ao contrário do que aconteceu no ano anterior onde o estilo andrógino dominou a passerelle, a designer ajustou a silhueta alongando-a e acrescentou-lhe toques femininos.

O resultado foi uma coleção estruturada, bem cortada, rígida até, mas que manteve distintamente a classe que a (super) mulher dos nossos tempos merece vestir. É claro que não queremos fazer com isto um ataque à moda e aos seus acessos mais fora da caixa, para usar uma expressão anglo-saxónica.

Mas a verdade é que são cada vez mais as revistas da área que incluem, edição após edição, mulheres com M maiúsculo, mães, esposas e profissionais de sucesso que, quando confrontadas com a clássica pergunta do que têm no guarda-roupa, as respostas vão quase sempre ao encontro do smart dressing.

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Os básicos (não tão básicos) de Alexander Wang

Nem sempre (aliás, quase nunca) os motivos (destas mulheres, pelo menos) estão ligados às finanças. Digamos que o smart dressing, o power dressing e o smart shopping andam de mãos dadas. E, na maioria das vezes, com uma mulher inteligente. Alexander Wang, o menino de ouro nova iorquino que em pouco menos de uma década conquistou o mundo da moda com o seu estilo effortless e desportivo, disse um dia que «todas as pessoas conseguem arranjar-se de forma glamorosa e aprumada, o modo como as pessoas se vestem no dia a dia é que me intriga».

Partindo desta premissa, o designer de origem chinesa que alcançou a ribalta através dos seus básicos, acabou por ser também um dos propulsores do atual movimento liderado pelas peças mais simples da história da moda. Para além das coleções que apresenta na semana da moda de Nova iorque em seu nome e em Paris como diretor criativo da balenciaga, a marca Wang conta com uma linha de básicos que produz anualmente, onde se podem encontrar t-shirts, tank-tops ou vestidos de linhas direitas e tons neutros. A diferença centra-se nos materiais utilizados, com um principal objectivo, a durabilidade.

Texto: Pureza Fleming