Os sapatos fabricados no nosso país são dos mais caros e dos melhores do mundo. Contudo, os criadores nacionais defendem ser preciso criar mais marcas próprias para alcançar o mesmo prestígio do bem-sucedido calçado italiano. Sabia que parte da coleção de sapatos das italianas Moschino e Prada, das francesas Louis Vuitton e Isabel Marant e de multinacionais como a sueca H&M é produzida em fábricas localizadas no norte de Portugal? Provavelmente desconhecia este facto.

A indústria portuguesa de calçado é considerada uma das melhores do mundo, mas não tem ainda o mesmo reconhecimento mundial (e nacional) que têm, por exemplo, as marcas com o selo Made in Italy, o maior produtor global de sapatos de couro para o segmento médio e alto. «O problema é que Portugal não vende marcas, vende um produto», critica Miguel Vieira, criador de moda com uma carreira de mais de 25 anos.

«Os estrangeiros procuram a nossa indústria, porque tem uma mão-de-obra qualificada e relativamente económica, e porque as empresas são credíveis no cumprimento de prazos e nas entregas. A indústria está bem, as marcas, não. Conheço apenas uma mão-cheia de empresas portuguesas que vendem a sua própria marca no mercado internacional. Muitas outras chegam a Vigo e esbarram». Veja a galeria de imagens de calçado made in Portugal.

A(s) diferença(s) entre Portugal e Itália

O preço médio de um artigo de calçado produzido em Portugal é o segundo mais elevado do mundo, só abaixo do mercado Made in Italy. Itália ocupa a terceira posição no top de exportadores mundiais (a China lidera), mas é o primeiro país no mercado de sapatos de pele e de luxo. Portugal é o 12.º exportador mundial de calçado, atrás de países como a França, Espanha, Bélgica, Indonésia e Alemanha. O nosso país vendeu em 2014 para o exterior cerca de 89 milhões de pares de calçado, com um valor de 2.231 milhões de euros.

Itália movimenta o quíntuplo deste montante, segundo as últimas estatísticas do Centro de Comércio Internacional (ITC). Dora Guimarães, jovem designer da Póvoa de Varzim, que lançou, em 2013, a sua marca própria de calçado, a My Maria Guimarães, alerta para os perigos de uma estratégia empresarial centrada exclusivamente na produção. «As empresas precisam de sobreviver e é compreensível que produzam para marcas internacionais», afirma.

«Mas deviam aproveitar os lucros para criarem a sua própria etiqueta», sublinha ainda. «Já vi muitas empresas passarem por dificuldades porque tinham toda  a linha de produção preenchida com marcas estrangeiras, que se deslocaram depois para outros países. Infelizmente, estas empresas nacionais não lançaram a sua marca própria quando o deviam ter feito e perderam a oportunidade de abrir as portas para o mundo», refere.

Veja na página seguinte: O desafio de lançar uma marca (de calçado) própria

O desafio de lançar uma marca (de calçado) própria

Lançar uma marca não é tarefa fácil e comporta muitos riscos, sobretudo nos primeiros anos. «É desgastante e os custos são muito elevados», salienta Miguel Vieira, que mantém o seu atelier e a produção das suas linhas de calçado na cidade onde nasceu e cresceu, São João da Madeira. «Uma marca exige um investimento contínuo. É preciso registar os produtos  e a marca em vários países», refere.

«É preciso pensar nos desfiles, nas coleções, nos catálogos, nas campanhas de publicidade. Uma fábrica que produz private label [marcas de outras empresas] não tem de se preocupar com nada disto», sublinha. Para o estilista, «Portugal não vai evoluir sem marcas» e arrisca-se a ser eternamente visto como «a China da Europa», o país que produz para os outros, mas que não aposta na inovação, nem em criações próprias.

«Há algum comodismo, apesar de termos bons designers e boas condições para crescermos. Luto há muitos anos para que Portugal seja um país com tradição de moda, tal como acontece em Paris, Nova Iorque, Milão. E, por isso, fico muito feliz sempre que aparece uma nova marca em Portugal», acrescenta ainda Miguel Vieira.

O objetivo de superar os italianos

Apesar da contenção no lançamento de produtos assinados e originais, a indústria nacional está bem e recomenda-se, e os criativos acreditam que é possível chegar aos calcanhares (ou aos sapatos) das casas italianas. Luís Onofre, designer que se tornou famoso em Portugal depois de calçar Letizia, a atual rainha de Espanha, salienta que, «Itália tem uma tradição de séculos na produção de sapatos de luxo, de design e de qualidade».

Portugal está «no caminho certo» e, «na última década, deu passos largos para igualar os italianos». «Em algumas variantes, como nos desportivos e no sapato mais prático, acredito que já fazemos melhor. Mas a qualidade não é o único fator determinante. É preciso investir no marketing e em boas campanhas e as marcas portuguesas não têm dinheiro suficiente, mesmo com os incentivos que vão recebendo», continua o criativo que tem a sua fábrica em Oliveira de Azeméis e uma loja própria na Avenida da Liberdade, em Lisboa.

«Algumas casas italianas, como a Gucci, fazem filmes de campanha quase ao nível da Sétima Arte. Temos de pensar da mesma forma que eles ou, pelo menos, criar campanhas muito bem feitas para atrair mais clientes», acrescenta. A criadora da My Maria Guimarães segue a mesma linha de pensamento. «Os italianos têm uma história antiga ligada à arte, nós temos a indústria, mas atrevo-me a dizer que somos tão bons quanto o mercado Made in Italy até porque vêm cá fazer a sua produção», afiança.

Veja na página seguinte: O que falta aos empresários da indústria do calçado nacionais

O que falta aos empresários da indústria do calçado nacionais

A criadora da My Maria Guimarães tem uma opinião acerca do assunto. «Falta aos nossos empresários mais arrojo, mais vontade em apostar nos designers portugueses», atira Dora Guimarães. A Associação dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS ) tem feito um esforço para recuperar terreno, lançando a campanha Portuguese Shoes, que aumentou a visibilidade do sapato com o selo Made in Portugal.

Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da associação, diz claramente que o «objetivo é ultrapassar os italianos». A nova campanha e o esforço do tecido empresarial, localizado, sobretudo, a norte do país, contribuíram para resultados históricos no setor. Nos últimos cinco anos, entre 2010 e 2015, a indústria de calçado nacional teve, num quadro de crise, um crescimento de dez por cento ao ano, exportando 95 por cento da sua produção para 150 países nos cinco continentes.

Cerca de 38 mil pessoas trabalham na produção de calçado e componentes,  e, se se mantiver a tendência de crescimento dos últimos anos, mais famílias serão beneficiadas com a abertura e a expansão de polos industriais em localidades do interior do país. Tudo isto são detalhes a ter em conta no momento em que comprar um novo par de sapatos. Já alguma vez tinha pensado nisso?

Sapatos personalizados na Farfetch

À semelhança da Undandy, lançada em 2015, também a Farfetch, a primeira startup portuguesa a valer mil milhões de dólares, criada, em 2008, pelo empreendedor português José Neves e presente em 180 países, lançou um serviço de personalização de calçado desportivo. A plataforma de venda de roupa e acessórios de luxo desafia os seus clientes a criar o seu próprio modelo de ténis com base nos modelos da Swear, marca londrina que é também propriedade do CEO da Farfetch.

O projeto chama-se My Swear e permite a seleção entre 16 modelos diferentes e uma combinação de 80 cores e materiais (couro, sintético, metálico e camurças).  Os consumidores podem ainda acrescentar um monograma com as suas iniciais. Os sapatos são produzidos e personalizados em Portugal, tal como sucede com os comercializados pela Undandy, empresa que, através do seu site, também permite inúmeras customizações.

Portuguesas procuram conforto e audácia

Conforto é a primeira qualidade que as portuguesas procuram num sapato. Esta foi sem exceção a característica referida por todos os fabricantes de calçados contactados pela Saber Viver. António Alves, da Fly London, marca nacional presente em 57 países, considera que as portuguesas procuram no sapato «uma extensão da sua personalidade».  «A Fly [London] diferencia-se da fast fashion (Zara, Mango, H&M, etc.), porque não segue as tendências. Dita-as!», assegura.

«A personalidade original, a irreverência e os materiais e cores diferentes são os fatores que atraem as nossas consumidoras», acrescenta ainda. Já a Eureka, empresa de Vizela que tem 29 lojas em todo o País, destaca a valorização por parte das clientes da relação preço-qualidade. Catarina Pires, assistente de marketing  na empresa, refere também o design e a qualidade  dos materiais 100 por cento em pele como dois dos atrativos da marca, que se destaca pelas suas linhas urbanas e modernas.

Sílvia Teixeira, da Aldo, empresa canadiana que é uma das maiores redes de lojas de calçado do mundo (está em 82 países) e que fabrica em Portugal a maior parte das suas coleções, diz que os sapatos são «um objeto de desejo e muito mais do que um simples acessório». «A maioria das  mulheres tem uma paixão por sapatos. A mulher portuguesa não é exceção», assegura a responsável.

«As portuguesas que podem abrir os cordões à bolsa e comprar um sapato de designer procuram os modelos que aparecem nos desfiles e nos editoriais, refere Miguel vieira. Luís Onofre, por seu lado, destaca o estilo e o vanguardismo.  «As portuguesas gostam de um bom salto, gostam de se sentir altas», assegura. Já Dora Guimarães, da My Maria Guimarães, acredita que as portuguesas preferem ter menos opções, mas de qualidade.

Texto: Rita Vaz da Silva