Como é que se sente a beleza? Como é que a percecionamos? E porque nos rodeamos de coisas belas? As respostas seguem dentro de momentos… Pele perfeita, lábios carnudos vermelhos e cabelo preto sedoso. A Branca de Neve continua a ser um símbolo de beleza. Tal como a voluptuosa ruiva de «Quem tramou Roger Rabbit?» é um símbolo de sensualidade. As principais referências de beleza são-nos incutidas em pequenas, seja através de desenhos animados ou por imitação das nossas mães.

«Para uma criança, há algo de mágico na beleza», escreve a autora canadiana Margaret Atwood no artigo «Truth and Beauty», publicado na revista Harper’s Bazaar. De facto, quem não gostava de experimentar os batons e os sapatos altos da mãe, da tia e até da avó? E quantas mulheres passaram pelo programa «Say Yes to the Dress» do canal TLC a quererem parecer a Jessica Rabbit, no dia do casamento? Talvez por isso procuremos conservar a beleza da nossa juventude, já que o tempo não passa pelas fontes de inspiração do nosso imaginário infantil.

A idade que as mulheres queriam ter sempre

Ter um aspeto envelhecido é a maior preocupação da geração Y, segundo a Wakefield Research. A consultora realizou um estudo de mercado a pedido da marca de cosmética Elizabeth Arden e focou-se apenas nas pessoas nascidas entre 1980 e 2000. Se pudessem ter a mesma aparência que tinham numa determinada idade, em média, as mulheres escolhiam os 24 anos. Parecer 10 anos mais velha é pior do que ganhar cinco quilos, disseram 62% das entrevistadas. E 44% confessaram que se sentem stressadas devido à sua imagem.

Contudo, a pesquisa também revelou que a geração Y não faz muito por manter o aspeto jovem. Na falta de soluções rápidas, baixar os braços é a opção de muitas mulheres. Assim, 24% das entrevistadas disseram estar preocupadas com rugas e apenas 17% receiam os efeitos nocivos que a luz solar pode ter na pele. Mas há resultados mais surpreendentes. Elizabeth Arden questionou mulheres online e 21% disseram que estariam dispostas a não fazer sexo durante um ano se isso as fizesse parecer mais jovens. Era capaz de fazer esse sacrifício?

A importância das diferentes perceções de beleza

Mais do que uma ideia, a beleza é uma necessidade. Não só nos atrai, como dá conforto e traz felicidade. Numa perspetiva consumista, compramos um perfume porque a fragrância nos agrada e o frasco onde vem é belo. Do mesmo modo, avaliamos a textura e o aroma antes de testarmos a eficácia de um creme. A beleza, enquanto produto, emprega milhares de pessoas e move milhares de milhões em lucros.

Enquanto conceito, é testada em laboratórios por cientistas de diversas especialidades, e continua a ser objeto de estudo e de debate entre filósofos. Para os académicos, a noção de beleza está condicionada pela cultura de quem a vê. Contudo, há quem defenda que a beleza, com a sua intensidade e prazer emocionais, é um valor universal. Daí que seja um desafio tentar perceber o que é, verdadeiramente, a experiência de beleza.

O que é o globalmente belo

O tema é complexo e não reúne consenso, porque as coisas que descrevemos como sendo belas são muito diferentes entre si. Desde seres humanos a paisagens naturais, a expressões artísticas, a objetos e a produtos de cosmética. Por exemplo, no Japão há uma preferência pela assimetria, face à prevalência da simetria no ocidente. Contudo, isso não se aplica à beleza do rosto. Nos quatro cantos do mundo, as caras consideradas mais belas são as mais simétricas. A importância da beleza atinge tais proporções que chega a influenciar os salários. Isto porque as pessoas mais atraentes também parecem ser mais competentes e bem-sucedidas.

Um estudo provou que os indivíduos cujas feições são simétricas recebem até mais 6,1% do que os que são vistos como sendo normais. E que as pessoas consideradas feias podem ser penalizadas até 13% face ao salário base. Mais. De acordo com Catherine A. Sanderson, autora de «Social Psychology», o grau de atratividade de um sujeito contribui para que o veredicto em tribunal seja mais favorável. Há duas explicações possíveis para este fenómeno. Ou as pessoas mais bonitas não cometem tantos crimes sérios como as menos atraentes ou a sociedade acredita que a beleza exterior é um indicador de caráter.

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O tipo de beleza que todo o mundo aprecia

Também parece existir alguma uniformidade do gosto, visto que há prazeres e valores estéticos que são universais e transculturais. Em todo o mundo, as pessoas gostam de coisas bem pensadas e elaboradas. Denis Dutton, filósofo norte-americano, comentou, em 2010, que atualmente apreciamos a criação de «mundos imaginários em ficção e filmes, a expressão de emoções intensas em música, pintura e dança». Uma opinião partilhada por Richard Seymour, designer industrial britânico. Para este criativo, a beleza é percepcionada através dos órgãos dos sentidos e dos sentimentos. Lembra-se quando a BMW introduziu uma luz que se desligava gradualmente?

Provavelmente nem reparou. Antes, assim que fechávamos a porta do carro a luz desligava de imediato. Esta diferença acrescentou uma sensação de relaxamento misturada com um sentimento de antecipação à experiência de conduzir os carros daquela marca alemã. Consegue adivinhar a fonte de inspiração? Pois é, o cinema e o teatro, onde existem seis segundos que avisam que o espectáculo vai começar. Outra criação igualmente subtil é a garrafa de água desenhada pelo designer Ross Lovegrove, que se aproxima muito da beleza intrínseca. Basta saber como é a água para se poder desfrutar deste objeto.

Beleza intrínseca ou extrínseca?

Na Antiguidade Clássica, para alguém ou algo preencher os requisitos do cânone de beleza tinha de reunir dois aspectos fundamentais, proporção e harmonia. Devia apenas regalar o espírito e o olhar. Foi neste contexto que nasceu a estética, uma vertente da Filosofia que ainda hoje reflete sobre questões como o que são um juízo estético (depende apenas do agrado ou desagrado do sujeito) e uma experiência estética (requer que estejam conjugadas emoções e racionalidade). Seguindo esta escola de pensamento, Platão, um filósofo grego que viveu no século IV da era anterior à cristã, defendia o objetivismo estético, sustentando que a beleza é intrínseca aos objetos e universalmente percetível.

Contrariamente, no século XVIII, o subjectivismo estético passou a estar em voga entre os estudiosos desta teoria do conhecimento sensível, como foi caracterizada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten. Entre eles estava Immanuel Kant, também um filósofo alemão. Este pensador defendia que a experiência estética depende apenas das propriedades extrínsecas dos objetos. Que a beleza está nos olhos de quem a vê.

No fundo, apesar do conceito ser estudado e debatido desde o início dos tempos, o importante é que os produtos, culturais ou não, nos façam sentir a sua beleza. É mais relevante que a história da Branca de Neve a comova pessoalmente, do que tentar aproximar a sua beleza física à de um desenho animado. E, dado que as exigências atuais são outras, hoje é mais difícil dissociarmos a beleza da funcionalidade. Não queremos apenas contemplar um objeto. Queremos que a experiência estética seja completa.

Neuroestética

Ao contrário do que se pensava na antiguidade, as experiências estéticas podem ser quantificadas. Comprovou-o Semir Zeki, um neurocientista da University College London que se interessa pela neuroestética, o estudo da relação entre atividade cerebral e experiência estética, que normalmente envolve alguma forma de criatividade artística. Semir Zeki demonstrou que as mesmas áreas do cérebro são activadas quando estamos perante uma experiência estética ou um matemático observa uma fórmula. Para chegar a esta conclusão, o investigador britânico analisou, através da técnica de ressonância magnética, os cérebros de quinze matemáticos enquanto  olhavam para equações.

Semir Zeki afirma que a beleza é definida pela zona do cérebro que associa os estímulos à recompensa. Quando contemplamos algo belo acciona-se a mesma área que quando olhamos para o nosso companheiro, os nossos filhos, os nossos pais. Embora a noção de beleza seja abstrata, Zeki verificou que julgamos alguém ou algo belo pela sua «simplicidade, simetria, elegância», ou pelo «facto que exprime uma verdade imutável».

E, quando as pessoas sentem que uma obra de arte ou música é bela, Semir Zeki diz que o córtex pré-frontal orbital mediano (parte do sistema límbico) fica ativado. Esta é a área do cérebro responsável por regular a informação sensorial e emocional. Resta saber qual o mecanismo que os nossos sentidos usam para percecionarmos uma experiência ou um objeto como belos. O estudo foi publicado em fevereiro de 2014 na revista Frontiers in Human Neuroscience.

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Por detrás dos olhos de quem vê a beleza

A beleza também está no cérebro. Uma equipa de cientistas do California Institute of Technology, Caltech, nos EUA, descobriu que as pessoas parecem mais atraentes se o nosso cérebro for estimulado eletricamente. Vikram Chib, o investigador que liderou a experiência, usou uma técnica não invasiva para manipular regiões profundas do cérebro. Os elétrodos são colados à cabeça e transmitem uma corrente elétrica muito baixa (2 miliamperes). «Algumas pessoas nem sentem a corrente elétrica», explica Vikram Chib, pois é 10 mil vezes menos intensa do que os 20 amperes disponíveis nas tomadas domésticas.

Julgar os rostos de outras pessoas e detetar emoções faz ativar o sistema de recompensa do cérebro, e permite avaliar se o sujeito sofre de algum distúrbio neuropsiquiátrico. Por isso, além de tornar os rostos de outros indivíduos mais belos aos olhos de quem faz esta terapia cerebral não-invasiva, a técnica poderá vir a ser utilizada no tratamento da doença de Parkinson e da esquizofrenia.

Da teoria para a realidade

Na obra «A Origem das Espécies», de 1859, o naturalista e biólogo Charles Darwin explica que os gostos estéticos e artísticos fixaram-se nas nossas mentes na pré-história, há cerca de 100 mil anos. Coincidentemente, foi quando nos tornámos humanos que começámos a desenvolver capacidades artísticas. Dessa época foram encontrados colares de conchas e uma tinta corporal de cor ocre, que terá sido a primeira base feminina. Denis Dutton, filósofo norte-americano especializado em arte e estética, afirmou numa conferência TED que existem vestígios de que os primeiros seres humanos se entretinham mutuamente a fazer penteados.

E Dutton, autor de «The Art Instinct: Beauty, Pleasure, & Human Evolution», conclui que a beleza «é um dom, passado pelas habilidades inteligentes e as vidas emocionalmente ricas dos nossos antepassados mais longínquos». Neste sentido, a teoria de beleza de Darwin parece oferecer a resposta mais acertada, pois, de acordo com o filósofo norte-americano, «pessoas de culturas muito diferentes têm tendência para gostar de um tipo particular de paisagem», refere.

Espaços abertos de vegetação e árvores, com presença de água, indícios de animais, e com um caminho convidando-nos a segui-lo.  Foi neste ambiente, semelhante às savanas do Pleistoceno (entre 2,6 milhões e 11,700 de anos atrás), que evoluímos de Homo Erectus para Homo Sapiens. E, de acordo com o biólogo britânico do século XIX, também foi graças à beleza que a espécie humana se preservou. Os nossos filhos e companheiros foram sempre belos aos nossos olhos.

Texto: Filipa Basílio da Silva