A linha que separa o retoque pontual da adição aos tratamentos de estética é muito ténue e, por isso, os especialistas já falam de uma nova classe de dependentes, os estéticaólicos. Descubra se a sua relação com a estética é saudável ou se está em vias de se tornar viciada. «Aos seis anos, os meus pais deram-me uma Barbie, que serviu para me imaginar numa vida cheia de glamour e num lugar distante da quinta onde vivia», recorda Cindy Jackson.

«Quando, anos depois, recebi uma pequena herança, comecei a submeter-me a tratamentos de estética com os quais acabei por tornar realidade as minhas fantasias infantis», prossegue. Estas são as credenciais que fizeram com que a norte-americana Cindy Jackson exibisse, a dada altura, um recorde do Guiness por ser a mulher que se submeteu a mais intervenções estéticas em todo o mundo. Nada mais nada menos do que 47!

Na verdade, trata-se de uma mulher que se reconstruiu a si mesma, que fez disso não só um estilo de vida como também um modo de promoção: tanto o seu livro Living Doll, como o seu site, no qual se pode até encontrar um esquema corporal em que se especificam todas as intervenções a que se submeteu, transformaram-se em pontos de peregrinação de milhares e milhares de pessoas que desejam mudar a sua vida através do bisturi.

Os sintomas do vício 

Quer sempre mais no que se refere a tratamentos estéticos? Nunca fica satisfeito depois dos retoques ou intervenções realizados? Sente muita ansiedade quando os resultados da intervenção começam a retroceder, por exemplo, no caso do botox, ou quando o cirurgião a aconselha a não continuar a submeter-se a mais intervenções? Quer submeter-se a todo o custo a operações complicadas apesar de conhecer o risco que implicam para a sua saúde?

Se a sua resposta a todas estas questões é positiva, saiba que está viciado em cirurgias estéticas. Tem alterações no estado de ânimo por não conseguir alcançar os seus objectivos físicos depois de seguir as recomendações do cirurgião? Quer parecer-se fisicamente com alguém e pede ao cirurgião que copie os traços dessa pessoa? Baseia o valor pessoal de uma pessoa apenas na parte física? Se sim, não resta qualquer margem para dúvidas.

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A era dos estéticaólicos

Exagero ou realidade? De momento, é uma tendência em crescimento, tanto que acabou por impor uma nova designação, a de estéticaólicos ou viciados em estética. Alguns especialistas já falam de uma nova patologia que afeta fundamentalmente mulheres, apesar do número de homens ter vindo a aumentar consideravelmente. O alarme foi dado pelos próprios cirurgiões plásticos. Muitos destes especialistas afirmam que cerca de 40% dos pacientes se operam para resolver complexos causados por problemas emocionais.

A obsessão em não envelhecer está a transformar-se em algo fundamental para algumas pessoas e numa espécie de moda a nível mundial que faz com que a maior parte da população esteja mais preocupada com o seu físico do que em aprender coisas interessantes, ser feliz ou encontrar um bom trabalho. Estes circunscrevem a sua sensação de felicidade ao grau de beleza fictícia percebida após as múltiplas operações ou retoques, através dos quais acreditam travar a passagem do tempo.

Os dois perfis do estéticaólico:

- Homens e mulheres entre os 18 e os 25 anos

São geralmente pessoas com alguma preocupação do tipo peito pequeno, nariz proeminente... Têm baixa autoestima, poucas habilidades sociais para se relacionar com as pessoas por causa do complexo que têm, possuem poucas relações interpessoais e apresentam traços de carácter obsessivo, com tendência para ver as coisas a preto e branco.

- Mulheres entre os 35 e os 50 anos

Mulheres que estejam a atravessar ou tenham passado por uma crise vital, com um nível de exigência muito elevado, um estilo de pensamento rígido, muito perfeccionistas, geralmente muito competentes no seu trabalho e com um poder de compra médio-alto. São bem sucedidas socialmente, mas vivem com uma grande obsessão, a de travar a passagem dos anos.

Vício ou afeição?

De acordo com Fernando Magahães, psicólogo, «muitas pessoas têm uma preocupação saudável com o corpo e com a sua aparência, mas há outras que não conseguem deixar de pensar obsessivamente nestas questões». As características do viciado em estética são de várias origens. Se um paciente já foi operado em várias ocasiões, sobretudo, num curto espaço de tempo, insiste em aperfeiçoar o tratamento ou intervenção que realizou, mesmo que esteja bem, pode ser suspeito de adição à cirurgia.

No caso dos tratamentos estéticos não invasivos (como o botox), os indícios são menos evidentes, já que têm um efeito limitado no tempo e precisam mesmo de renovação periódica. A adição surge quando, depois de uma operação, a pessoa não se sente satisfeita com o retoque ou a intervenção e quer mais, porque o problema não está no plano físico, mas sim no plano emocional.

As pessoas viciadas em estética não têm travão, nunca ficam contentes depois da intervenção. Perante a recusa dos cirurgiões em continuar a operá-las, começam a mentir para conseguir alcançar os seus objectivos, pelo que acabam por ter um aspeto artificial que as transformam em alguém que acaba por ser rejeitado. Veja-se o caso de Michael Jackson e de muitos dos anónimos que quiseram fazer cirurgias para se assemelhar aos seus ídolos.

Veja na página seguinte: O que acontece quando o cirurgião se recusa a operar

Quando o especialista se recusa

O cirurgião plástico tem um papel muito importante e deve advertir os casos em que os indícios de adição são muito evidentes, e recusar-se a realizar a intervenção, mesmo que seja delicado dizer a um paciente, que provavelmente conhece por já o ter operado, que não o vai tratar mais e que o melhor que tem a fazer é procurar a ajuda especializada de um psicólogo ou de um psiquiatra.

Quanto a tratamentos para esta situação, segundo Lima Magalhães, a terapia cognitivo-comportamental tem proporcionado bons resultados. «O primeiro passo da terapia consiste no reconhecimento, por parte do paciente, de que se trata de um transtorno e que há tratamentos que o curam», explica o psicólogo. «Então, o paciente é educado sobre o TDC e sobre a influência das crenças nas emoções e comportamentos», prossegue.

Essa educação é feita, «identificando os erros de pensamento e a veracidade das autoavaliações acerca da sua aparência», acrescenta. Na etapa seguinte, ensina-se o paciente a lidar com o embaraço, a culpa e a vergonha, modificando as formas automáticas de pensar as situações sociais e as avaliações das outras pessoas e de si próprio», refere ainda o especialista.

«Nesta fase, são testadas as crenças das pessoas», elucida Lima Magalhães. «À medida que estas crenças são modificadas, o indivíduo é gradualmente exposto a situações socialmente embaraçantes e aprende técnicas de prevenção de resposta e de relaxamento, para diminuir os seus comportamentos obsessivos», acrescenta ainda o psicólogo.

Eles também... mas menos!

Apesar do problema incidir mais sobre mulheres, já se começam a registar casos de adição masculina. É necessário ter em conta que a pressão mediática para se ser belo e magro ainda continua a ser muito maior para as mulheres do que para os homens. «Uma variação deste transtorno, nos homens, é a dismorfofobia muscular, uma preocupação com o tamanho do corpo», diz Lima Magalhães.

«Alguns homens, sendo na realidade muito mais fortes e musculados do que a média, vêem-se fracos e magros, sentindo vergonha do seu aspeto», comenta ainda o psicólogo. Veja também a galeria de imagens com as celebridades com quem eles e elas mais gostavam de se parecer e o antes e o depois de um tratamento de rejuvenescimento facial.

Texto: Madalena Alçada Baptista