Através da leitura dos rótulos dos cosméticos, obtém-se informação relativa à sua composição e fabrico. Mas afinal que tipo de conteúdo deve ter um rótulo? Os produtos cosméticos, a par dos fármacos, são os que mais estão sujeitos a legislações rigorosas entre os produtos de grande consumo. No entanto, coexistem no mercado produtos que estão total ou parcialmente "à margem" destas legislações.

É necessário que, enquanto consumidores, estejamos atentos às questões relacionadas com a segurança, qualidade e ainda a credibilidade das promessas quanto aos efeitos a obter com a aplicação dos mesmos. É importante informar os consumidores, os quais estão sempre entre os melhores promotores da qualidade pela sua atitude seletiva.

A leitura do rótulo é um dos meios de que dispomos para avaliar um cosmético. Grande parte do cumprimento da legislação europeia é, com forte probabilidade, "detetável" no rótulo mas, para o lermos, devemos estar atentos a muitos detalhes, nem sempre imediatamente evidentes.

Cosméticos e a legislação Europeia
A indústria cosmética entrou, há cerca de 20 anos, numa fase caracterizada pelo rigor científico que passou a fundamentar o seu desenvolvimento recente. A sua investigação aplicada é muitas vezes partilhada pela indústria farmacêutica.

Muitas "substâncias ativas" mal conhecidas ou ineficazes, nas quais se baseavam, no passado, cremes que prometiam rápidos e milagrosos rejuvenescimentos da pele, deram lugar a moléculas e sistemas de atuação sujeitos a rigorosos testes que comprovam não só a sua atuação, como a sua inocuidade.

Mas, como referimos, é necessário algum cuidado na escolha dos cosméticos, já que subsistem alguns produtos cuja composição e fabrico são duvidosos ou baseados em mitos do passado. Por exemplo, ainda existem cremes que dizem conter colagénio e elastina, normalmente de origem bovina, destinados a reparar ou a substituir as nossas próprias fibras de colagénio e elastina dérmicas... (para além do tamanho destas fibras as impedir de atravessar a epiderme, seriam obviamente rejeitadas caso o conseguissem).

A única função destas substâncias seria a proteção antidesidratante, mas isso consegue-se com substâncias muito mais baratas. Quanto às importantes fibras estruturantes da derme, a cosmética em que podemos confiar deverá atuar na sua boa manutenção e/ou promover a génese de novas fibras a partir do incremento e desenvolvimento dos fibroblastos (células especializadas da derme), ou ainda através da adição de percursores da síntese daquelas fibras.

Na leitura do folheto informativo ou da publicidade destes cremes, faz toda a diferença afirmar que "contém colagénio" ou que "contém percursores do colagénio" e, obviamente, estes deverão ser minimamente identificados. A regulamentação destes produtos tem evoluído muito deste os anos 70.

A atual legislação europeia (transcrita, na nossa legislação pelo DL.142/2005 de 24/08), entre muitas exigências, determina que cada fabricante ou importador tenha um responsável técnico com formação superior especializada e, por cada lote fabricado, estejam constituídos dossiers que incluam dados sobre a fórmula, as matérias- primas utilizadas, o método de fabrico, os boletins de análise, avaliações toxicológicas, reações adversas, provas dos efeitos reivindicados e ainda se ocorreram testes em animais.

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 A grande maioria dos cosméticos já não são testados em animais e, tendencialmente, a legislação europeia proibirá qualquer teste em animais. Atualmente, já são proibidos estes testes quando existem métodos alternativos aprovados pela CE ou pela OCDE. Nos Anexos do DL142/2005, atualizados pelos DL 84/2006 e 27/2007, constam listas de substâncias interditas, só utilizáveis com determinadas restrições (concentração máxima, menção obrigatória no rótulo, etc.) e ainda as listas de corantes, conservantes e filtros antiultravioletas aprovados.

Ou seja, nestes casos só é possível utilizar substâncias incluídas nessas listas. A presença de conservantes, desde que autorizados, não são prejudiciais à saúde, garantem que o produto está mais protegido e que a sua utilização, após abertura da embalagem, é mais segura e duradoura.

As fórmulas de todos os produtos cosméticos regulares estão depositadas numa entidade oficial que permite informar consumidores e médicos em casos de alergia, intoxicação por ingestão ou outra utilização indevida.

Em Portugal, este organismo é o CIAV (Centro de Informação Antivenenos, Tel.: 808 250 143), um centro médico de informação toxicológica ligado ao INEM. A entidade reguladora e fiscalizadora dos produtos cosméticos e de higiene corporal, em Portugal, compete ao INFARMED.

Informações do rótulo
Vejamos então as informações a que devemos prestar atenção num rótulo de um cosmético comercializado em Portugal. Antes de mais. deverá verificar se existe um texto em português. Podem coexistir informações em várias línguas, mas é obrigatória a inclusão do português.

1. A função do produto
É obrigatório indicar claramente a função do produto em português (por exemplo, lápis para os olhos, loção para bebé, depilatório) sempre que não seja óbvia. Nalguns casos convém prestar atenção, já que é frequente a confusão entre vários cremes (hidratantes, antirrugas, para o rosto, para o corpo), "eau de toilette" e loção "aftershave" (as embalagens são, normalmente, idênticas), lápis para os olhos, para as unhas ou para o contorno dos lábios, entre outros.

2. A validade
Atualmente é obrigatória a afixação de uma validade "após a abertura da embalagem", desde que as embalagens nunca abertas e armazenadas corretamente tenham uma validade superior a 30 meses. Ou seja, nestes casos o consumidor só se deverá preocupar com o prazo após a primeira utilização.

Em cosméticos mais frágeis (por exemplo, depilatórios ou oxidantes/aclaradores) cuja validade absoluta é inferior a 30 meses, deverá vir indicada uma data, como acontece nos fármacos ou nos produtos alimentares, a seguir à menção "a utilizar de preferência antes de...". No caso mais comum, dentro do símbolo "após abertura", virá indicado um número seguido da letra M ou A (meses ou anos).

Em complemento, o fabricante poderá ainda indicar - através de uma menção no rótulo - que aqueles prazos são válidos desde que o cosmético esteja guardado num lugar fresco (abaixo de 35 ºC) e seco.

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3. A composição
É talvez a informação mais importante embora de difícil leitura para o consumidor comum. Todos os ingredientes devem estar identificados e ordenados por ordem decrescente quanto à concentração, sempre identificados por uma designação internacional INCI (International Nomenclature Cosmetic Ingredients).

Os produtos de maquilhagem apresentam, muitas vezes, os códigos dos corantes precedidos dos sinais +/- (por exemplo +/- CI 75100, CI77000, ...). Isto significa que cada nuance colorida (por exemplo, cada cor de um batom) pode conter alguns desses corantes.

Para evitar um rótulo diferente para cada cor, a legislação permite que, num rótulo único, estejam todos os corantes dessa gama de produtos. Os corantes são identificados por um número de CI (Color Índex), que consta do Anexo IV do DL142/2005 (lista dos corantes autorizados em cosméticos).

Apesar de o consumidor comum não ter conhecimentos químicos suficientes para avaliar toda a lista de ingredientes, esta informação permite a técnicos e autoridades identificar irregularidades, mesmo antes de uma eventual análise química.

Esta lista também evita eventuais confusões entre sinónimos nos produtos que os anunciem como se fossem substâncias ativas diferentes. Por exemplo a vitamina E também pode ser designada por tocoferol, alfa-tocoferol ou ainda por outras complexas designações. No entanto, na tal lista obrigatória de ingredientes deverá ser sempre designada por tocopherol.

Ao contrário de um preconceito ainda generalizado, na cosmética, o produto mais caro pode não ser o melhor. O atual desenvolvimento das sínteses, das tecnologias biotecnológicas e de sofisticados processos de fabrico permitem obter substâncias ativas e vetores de transporte (por exemplo, liposomas artificiais) de alta qualidade, seguros e de preço baixo ou moderado.

4. Índice de proteção
Nos cremes "de dia" (para o rosto), nos sticks para os lábios e, obviamente, nos protetores solares, é muito importante verificar o índice de proteção. Estes índices são representados por números proporcionais à capacidade de proteção. As substâncias filtrantes da radiação ultravioleta (anti-UV) constam de uma "lista positiva" (Anexo VII do DL142/2005), ou seja, só as substâncias constantes dessa lista e nas concentrações também indicadas podem ser utilizadas nos cosméticos.

Não há riscos na utilização de produtos com proteção anti-UV e, entre os "cremes de dia", por exemplo, devem ser preferidos os que oferecem esta importante proteção. Os produtos de maquilhagem coloridos, através dos corantes inorgânicos que integram, fornecem sempre alguma proteção refletora anti-UV, mesmo que não a indiquem.

5. O conteúdo
Deverá estar indicado em gramas ou mililitros e, como sabemos, é importante para avaliar o número de aplicações e para comparar preços (por ml ou g) entre produtos de várias marcas com a mesma função. Claro que o preço depende também da composição, qualidade das substâncias ativas, excipiente e dos resultados expectáveis ou já confirmados.

Só as embalagens com menos de 5 ml ou 5g (monodoses, amostras, etc.) estão dispensadas desta menção. Os conteúdos são muito variáveis e, normalmente, devem ser proporcionais à superfície a cuidar. Um boião ou bisnaga de um creme para o contorno de olhos tem normalmente 15 a 20 ml enquanto que uma loção corporal deverá ter, pelo menos, dez vezes mais.

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6. O número de lote
É muito importante verificar se existe um nº de lote já que, em caso de alergia, produto em mau estado, ou outro tipo de reclamação, é possível, com este código e junto do fabricante, esclarecer anomalias. Esta indicação é obrigatória e, na sede do fabricante ou importador este nº corresponde a um boletim de análise e a registos de fabrico que, entre outros elementos, permite verificar o controlo microbiológico, índices físico-químicos, identificar os lotes de matérias-primas utilizadas, etc.

Quanto ao controlo microbiológico, há exigências mais restritas para produtos de bebé ou em produtos para aplicar nos olhos. Só algumas classes de cosméticos (sabonetes, desodorizantes, sais de banho, tintas capilares, permanentes, vernizes para as unhas, perfumes e loções com mais 30º de grau alcoólico) estão isentas de controlo microbiológico devido à sua natureza química (são já microbicidas).

7. Símbolo "ponto verde"
É um símbolo que pertence à Sociedade Ponto Verde, que reúne diversos acionistas (embaladores/ importadores, distribuidores, autarquias, fabricantes de embalagens e de materiais de embalagem) e tem como objetivo dar cumprimento às obrigações ambientais e legais através da organização e gestão de um circuito que garante a retoma, valorização e reciclagem de resíduos de embalagens não reutilizáveis, denominado Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE).

A presença deste símbolo significa que o fabricante ou o importador/distribuidor pagam uma taxa a esta Sociedade proporcional ao peso das embalagens, à sua qualidade (vidro, plástico, cartão, etc.) e é destinada a subsidiar a sua reciclagem.

8. Menções especiais obrigatórias
Para além de eventuais menções informativas ou promocionais há menções obrigatórias ligadas à composição. Por exemplo, muitos corantes e substâncias ativas de tintas capilares, permanentes, loções capilares, protetores solares ou produtos com filtros solares obrigam a menções especiais quanto à composição (por exemplo, contém diaminofenois, contém resorcina, contém sais do ácido tioglicólico, contém amoníaco, contém água oxigenada, contém oxibenzona, etc.).

Estas menções constituem uma informação simples e imediata para efeitos clínicos em caso de alergia ou outros acidentes, mesmo existindo a informação completa sobre a fórmula completa no CIAV. No entanto, em condições normais de utilização e para a generalidade dos consumidores, não constituem qualquer perigo para a saúde. Por vezes são também obrigatórias menções do tipo: reservado aos profissionais, evitar a inalação, evitar o contacto com os olhos, usar luvas apropriadas, manter fora do alcance das crianças, que fazem parte das condições normais de utilização.

Muitas destas menções são apenas obrigatórias nos folhetos informativos, pelo que estes também devem ser sempre consultados. Em alguns casos especiais a pequena dimensão do produto cosmético não permite a inserção de qualquer menção e o consumidor deve ser alertado de que estas constam no folheto informativo através de uma indicação abreviada ou dum símbolo aprovado, que deve figurar no recipiente e na embalagem exterior.

9. Fabricante ou Importador
É obrigatória a identificação da entidade responsável pela colocação no mercado do produto (nome e endereço na CE), bem como o país de origem dos cosméticos no caso de não pertencer à CE.

10. Código de barras
Não é obrigatório, mas é de uso muito generalizado. Normalmente são usados os códigos EAN13 (European Article Numbering), com 13 dígitos significativos. Os primeiros 3 identificam o país fabricante ou responsável pela distribuição na CE. Em Portugal, este código é 560. Os 4 dígitos seguintes identificam a empresa fabricante ou distribuidora. Os 6 dígitos restantes referem-se ao produto e a uma ordem sequencial.

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Como sabemos as lojas associam cada código de barras a um preço e outras informações para gestão de stocks, vendas, etc. Para o consumidor este código facilita a consulta, na loja, de preços antes, durante ou após a compra. É provável que, a médio prazo, o sistema de código de barras seja substituído por etiquetas com mini-chips eletrónicos que reúnam mais informação e utilidades.

11. Instruções de utilização
Se o rótulo não dispuser de espaço suficiente estas instruções também são remetidas para o folheto informativo. Devem ser claras pelo menos quanto às doses, frequência e locais de aplicação.

12. Menções não autorizadas
De acordo com a legislação alguns termos ou expressões que referiram efeitos terapêuticos, medicamentosos e/ou biocidas - mesmo que eles existam - consideram-se inaceitáveis na rotulagem dos cosméticos.

Exemplos de expressões não autorizadas: "acalma, ativa a circulação sanguínea, antialérgico, antiinflamatório, antibacteriano, antisstress, bactericida, calmante, cicatrizante, curativo, desinfetante, faz crescer o cabelo, fungicida, insensibilizante, medicinal, tratamento antiacne, tratamento anticaspa, tratamento da pele, tratamento da queda do cabelo, tratamento regenerador, vasoconstritor, vasodilatador".

Registe-se ainda que um cosmético, por definição, não pode ser ingerido. Qualquer produto que reclame efeitos na pele, por aplicação via oral, cai na classificação de suplemento alimentar, com outra regulamentação.

13. Preço
A afixação do preço na própria embalagem não é obrigatória. No entanto, nos expositores, prateleiras ou montras das lojas os preços devem estar claramente afixados junto dos produtos respetivos. Além disso, ainda é possível revelar ou confirmar os preços através do código de barras.

Deveremos desconfiar de qualquer produto que omita uma menção obrigatória comum (fabricante ou importador, nº de lote, composição, função do produto em português, etc.) e preferir um cosmético regular, ou seja, cumpridor da legislação. Isso constitui, só por si, uma garantia de qualidade e as informações do rótulo e do folheto informativo ajudam-nos muito nessa avaliação.

Exigir qualidade

Álvaro Santos, bioquímico, investigador na Clínica Universitária de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, recomenda que deveremos desconfiar de qualquer produto que omita uma menção obrigatória comum (fabricante ou importador, número de lote, composição, função do produto em português, etc.) e preferir um cosmético regular, ou seja, cumpridor da legislação. Isso constitui, só por si, uma garantia de qualidade e as informações do rótulo e do folheto informativo ajudam-nos muito nessa avaliação.

Agradecimentos: Álvaro M. P. dos Santos, bioquímico, investigador na Clínica Universitária de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Lisboa