Preto no branco. Tudo parecia condizer naquela manhã, num hotel em Lisboa.

A decoração marcada pelo contraste entre o preto e o branco, o vestido da entrevistada conjugava ambas as cores e, sobretudo, a conversa que teríamos iria pôr preto no branco uma das questões mais abordadas da educação infantil.

É correto usar a palavra «não»? Partindo da experiência de Asha Phillips, psicoterapeuta infantil, e do seu livro «Um bom pai diz não», tentámos pôr fim aos principais dilemas dos pais e identificar os erros comuns para que possa, da infância à adolescência, dar uma educação positiva ao seu filho.

Dizer «não» é importante para o desenvolvimento de uma criança?

Sim, porque dá-lhe uma sensação de proteção e segurança. Ela percebe onde está a fronteira. É como se tivesse o seu braço à volta dela. Ela sabe o que é seguro e o que não é, o que é certo e o que não é. Se não há limites, isso torna-se assustador para a própria criança. O «não» é, na realidade, sinónimo de segurança.

Quando podem os pais dizê-lo pela primeira vez?

Pode começar a dizer «não», de uma forma subtil e delicada, desde o nascimento. Se deixa um intervalo entre a altura em que o bebé pede algo e o momento em que chega (por exemplo deixando o bebé chorar por um minuto ou dois) é como se já estivesse a dizer «não». É aí que começa a mostrar a fronteira e, lentamente, o bebé percebe que ele é uma pessoa e a mãe é outra.

Quais são os erros mais comuns que os pais cometem na educação dos filhos?

O mais comum é não estabelecer limites. Muitas vezes, evitamos fazê-lo porque nós próprios não gostamos, é algo que nos deixa desconfortáveis. Outro erro que muitos pais cometem é negociar em demasia.

Falam sobre um assunto e negoceiam pois estão a tentar que a criança concorde com o que dizem, mas ela não o fará. Os pais podem explicar uma vez, duas mas depois não devem continuar a tentar.

Quando é que uma criança começa a perceber as explicações dos pais?

Bastante cedo, se as adaptar à idade da criança. Ela percebe muito cedo o significado de «não» e aos dois anos é uma das suas palavras favoritas.

Mesmo as mais novas, que ainda não falam, percebem o significado, por exemplo quando nos provocam segurando um objeto e nos observam antes de o deitar ao chão. É como se elas estivessem a perguntar «não vais
impedir-me?».

Porque é que os pais têm dificuldade em dizer «não»?

Porque sentem que estão a fazer uma maldade. Eu própria tenho dificuldades em dizê-lo. É uma das coisas mais difíceis no mundo. O que tento mostrar com o livro é que é algo importante que temos que fazer pela criança, mesmo que nos faça sentir mal. Mas não precisa de dizê-lo a toda a hora, deve definir limites e ser firme em relação a eles.

Nas famílias em que há filhos de relações anteriores, como devem os pais definir as regras?

Nas famílias compostas, as crianças podem ter regras distintas quando estão em casa da mãe ou do pai. Quando estão numa família devem todos respeitar as mesmas regras, caso contrário a madrasta ou o padrasto será visto como o mau da fita.

O pior erro é pensar que é a mãe ou o pai biológico que deve definir as regras. Quando a criança é muito pequena pode revelar-se difícil, mas ela tem de aprender que existem regras diferentes e que, por exemplo, quando está em casa dos avós as regras podem não ser idênticas às que tem em sua casa.

A experiência do nascimento pode determinar o comportamento futuro da criança?

Todas as experiências têm um impacto mas devemos lembrar-nos que somos seres flexíveis. Um parto difícil pode, provavelmente, ter um ligeiro impacto porque a mãe pode estar mais exausta nos primeiros dias e menos recetiva. O mesmo se passa em relação à gravidez. Se há muita ansiedade isso pode passar para o bebé. Mas não são situações importantes que sejam difíceis de superar.

Que situações podem ser traumatizantes?

O que sabemos que é muito prejudicial para as crianças pequenas é a violência, ser vítima ou testemunha de violência em casa. Isso tem um impacto muito grande no cérebro dos bebés e nem sempre é recuperável. Todas as outras experiências, como nascer prematuro, estar hospitalizado são bastante difíceis mas podem ser corrigidas.

Afirma que o bebé pode assemelhar-se a um parasita. Porquê?

O ser humano em bebé é muito dependente e como mães sentimos que se não cuidamos dele a toda a hora ele vai morrer.

É um reflexo natural e a mãe pode sentir que o bebé lhe retira toda a energia.

Ela precisa de espaço e não apenas físico. Emocionalmente também tem de manter o sentido de individualidade, respeitarse pois se não o fizer a criança não aprenderá a
respeitá-la. Muitas vezes, é preciso a ajuda do parceiro ou da avó da criança para estabelecer esta distância.

Que princípios deve seguir uma recém-mãe?

Observar o bebé e ter calma, evitando o sentimento de urgência para encontrar a solução. Fazê-lo esperar é dar-lhe uma oportunidade para sentir o mundo, criar as suas próprias estratégias. Deve ainda aprender a gerir como o bebé a faz sentir.

A linguagem do bebé transfere as emoções. Se ele chora, aflige-nos. Podemos perceber que é assim que ele se sente mas devemos agir como se não acreditássemos, mantermo-nos calmos e tranquilizá-lo.

Como se pode identificar as necessidades do bebé?

Os pais pensam sempre que quando o bebé chora é porque tem uma necessidade física (mudar a fralda, sono, fome...) e, muitas vezes, ele quer apenas companhia. Os bebés estão desejosos de interação e as pessoas esquecem-se disso.

Quais são os maiores desafios na educação entre os dois e os cinco anos?

Esse período é fantástico porque as crianças sentem-se parte do mundo que as rodeia. Aprenderam a andar, a falar e sentem-se fortes. É importante conceder-lhes espaço, respeitar a sua identidade mas também explicar-lhes que não podem fazer tudo.

Qual a melhor reação quando a criança faz birra?

Permanecer como um adulto e reagir como tal. Em alguns casos, pode esperar que a crise passe, noutros é pegar-lhe e acalmá-la. Quando a criança está a ter uma crise não consegue gerir as emoções e entra em colapso, tanto físico como emocional.

Se estiver num local público não dê importância aos olhares. A maioria das pessoas, se já foi pai, sabe o que isso é. Mantenha-se o mais calma e firme que puder.

Na escola, muitos pais comparam os filhos. O que pensa sobre isso?

Primeiro, deve perceber que o modo como a criança se comporta ou aprende não é sempre um ref lexo dos pais. Se ela tem um bom desempenho não significa que seja um bom pai. É preciso saber distinguir o que é certo para a criança, o seu ritmo de aprendizagem e respeitar as diferenças.

Em segundo lugar, deve ajudá-la a gerir a relação com os colegas. É correto transmitir a ideia à criança de que não tem de fazer tudo tal como eles, pode fazer de outra forma, desde que não faça tudo diferente.

Se uma criança tem regras rigorosas corre o risco de ser excluída pelos colegas?

Cada família tem a sua própria cultura. Por exemplo, domingo é o dia da visita dos avós e o seu filho pode dizer que não é justo ficar em casa quando os outros vão brincar, mas deve explicar-lhe que em sua casa é assim. É importante porque mostra que pode ser diferente mas amigo dos outros, uma noção que, na adolescência, irá a ajudá-lo a lidar com a pressão.

As experiências da infância determinam a adolescência?

Acho que sim, pois a criança sabe que a família está lá para o que precisar mas também por ser um modelo do que é dizer «não», do que é viver uma situação de conf lito e recuperar.

Nessa fase, os pais receiam afastar os filhos se dizem «não». Como devem agir?

É um período difícil, tanto para os pais como para os filhos. Os jovens tentam descobrir quem são e fazem coisas de que os pais não gostam. Atrevo-me a dizer que numa adolescência normal é preciso correr riscos.

Os pais têm de confiar no que já lhes transmitiram e que a estabilidade que lhes deram lhes servirá de algo. Devem dizer «não», mesmo correndo o risco de ouvir «odeio-te».

Não acredito que se possa ter uma atitude sempre cuidadosa para evitar conflitos. Tem de deixá-los voar, mas ao mesmo tempo ficar por perto, manter-se firme nos seus princípios e esperar que tudo corra bem.

Quem é Asha Phillips

Psicoterapeuta infantil britânica, com formação na Clínica Tavistock, desenvolveu o seu percurso profissional em serviços hospitalares de pediatria e de cuidados especiais neonatais.

Atualmente, exerce a sua especialidade a nível particular e participa como conferencista em iniciativas em vários países. Escreveu o livro «Um bom pai diz não», editado em Portugal pela Lua de Papel. É casada, tem duas filhas e vive em Londres.

Texto: Manuela Vasconcelos
Foto: João/Pinedrifts