Mudar a fralda, dar banho e de comer ou preparar o filho para a escola são rotinas que já fazem parte da vida de muitos homens. Com a ajuda de pais e de investigadores, tentámos perceber o que mudou nas famílias portuguesas nos últimos anos. «Não li aqueles livros grossos sobre a maternidade que a Rute queria que lesse» confessa Nuno, pai de Luísa de 12 anos e de Marta de oito [nomes fictícios].

«No hospital, deram-me um guia com os cuidados principais, com o banho, a fralda e os cremes, e fiquei à vontade. Agora, elas virem ter comigo quando precisam de algo é o normal do dia a dia», comenta este consultor para quem ser pai é participar ativamente na vida familiar. «No segundo mês de vida da Luísa, tinha tanto trabalho que vinha a casa praticamente para dormir», diz.

«Isso fez-me perceber o que estava a perder», acrescenta. Quando a segunda filha tinha 18 meses, o desafio da paternidade intensificou-se. A profissão levou Rute, a mulher de Nuno a ir viver para o Porto, regressando a Lisboa no final da semana. «Uma senhora ficava em casa com a Marta, eu chegava da escola com a Luísa e tratava dos banhos, do jantar, de deitar as duas e só depois é que jantava», recorda.

«Para não me esquecer de nada, fazia listas infindáveis de tarefas (organizar roupas, a casa, preparar a marmita, a roupa para a ginástica, só para citar algumas), que antes eram organizadas pela Rute», recorda. A experiência durou quase dois anos e, embora exigente, aproximou-o ainda mais das filhas.

Os novos pais

É um facto. O papel do pai está a mudar, a tornar-se mais rico, diversificado, democrático até. De acordo com Sofia Marinho, socióloga e investigadora na área da família, coparentalidade e relações de género no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, «houve uma mudança cultural. A forma de pensar a família, as relações familiares e a importância da criança mudou».

«Por outro lado, o trabalho da mulher veio criar pressão para que o pai fosse chamado a uma maior participação», acrescenta ainda esta especialista. Mas como é que pais, mães e filhos vivem e sentem estas mudanças? Que impacto tem na sua vida e na sua felicidade? Fomos à procura destas respostas. Tudo indica que o pai como símbolo da disciplina e distante de afetos pertence ao passado.

«Os homens viram colocado em causa o papel de ganha-pão, do pai autoritário, ausente. Eles próprios questionam esta ideia e, portanto, as expetativas daquilo que é ser pai ficaram muito mais abertas à negociação no seio do casal e no trabalho», ilustra Sofia Marinho. Hoje em dia, não há um só modelo. «O perfil atual é muito diversificado. Por um lado, há a recusa geracional muito marcada do pai chefe de família autoritário, por outro, a entrada da figura paterna tolerante, próxima da criança e baseada nos afetos», explica.

A (nova) proximidade entre pais e filhos

Para a investigadora, a proximidade entre pai e filho não passa necessariamente pelo trabalho doméstico ou pelos cuidados da criança. «Alguns pais querem ter a experiência completa, outros investem na relação próxima com os filhos e veem-se como ajudantes das mães. Isso ainda está muito enraizado», refere. Este é o pai companheiro que está presente e participa.

«Mantém-se a separação entre as práticas femininas e masculinas. Isso faz-se pela retórica da ajuda, reproduzida por ambos. Muitas mulheres dizem que o marido é ótimo, porque as ajuda imenso, quando se referem a tarefas que são dos dois», exemplifica. Nos casais que dividem tarefas e responsabilidades, verifica-se já uma perspetiva de igualdade.

«Muitos homens que sentem os mesmos níveis de stresse e dilemas na conciliação entre família e trabalho do que as mulheres», frisa. Ainda assim, dentro e fora de portas, a igualdade entre géneros está longe de ser uma batalha ganha, como continuam a defender a apresentadora de televisão Catarina Furtado e Sara Falcão Casaca, investigadora e ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género.

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Sozinhos em casa

Pedro Lopes, engenheiro de software, de 30 anos e pai de Guilherme (21meses), não hesitou em usufruir dos direitos que a legislação prevê. «Tirei os dez dias quando ele nasceu e os outros dez durante a licença de parto. Depois dividimos a licença, quando ela voltou ao trabalho eu fiquei um mês em casa com o Guilherme. Na minha perspetiva, não era possível fazer de outra forma», diz.

«Acho que é importante para os pais (homens) poderem estar com os filhos, ter essas rotinas, dar um pouco de liberdade à mãe para voltar ao trabalho. Por mais que queiramos dizer que os pais têm uma ligação igual à das mães, é mentira e esse mês em que estivemos a maior parte do tempo a dois foi muito importante para criar laços mais fortes», recorda. Para este pai, o pior não foi mudar a fralda.

«O mais complicado foi tentar encaixar a falta de sono, de tempo e tentar manter uma vida». Também David, 39 anos, viu a sua vida mudar com a chegada de João. «No início da gravidez, apanhámos um susto, quando a médica disse que as esperanças de sobrevivência eram pequenas. Ficámos muito apreensivos e a expetativa era de que ele nascesse bem», recorda.

Um período difícil

Nos meses seguintes, a realidade superou as expetativas. «Tinha a ideia de que a vida ia mudar, fazer tarefas e atividades diferentes, mas só me apercebi disso no dia em que ele nasceu», acrescenta ainda. David participou desde o início. «Mudava a fralda e das primeiras coisas que fiz em casa foi dar-lhe banho e o biberão», afiança. Um problema grave de saúde levou à hospitalização da mãe, tinha o João apenas três meses.

«Nesse período, fazia tudo», assegura. «À noite, tratava dele, dava banho, o biberão de três em três horas, de manhã, arranjava-o, levava-o a casa dos meus pais», prossegue. «À tarde, ia ao hospital. A seguir, levava-o à casa dos pais da Rita. Depois, ia para casa com ele», conta ainda o engenheiro de software.

Licença para meninos

Não há pais modernos sem mães modernas. «É a mulher que cria espaço ou não para o homem entrar nesta esfera. A maternidade está muito ligada à identidade feminina e para os homens que querem ter uma participação mais completa pode ser preciso negociar e criar esse espaço, quase que forçar», refere.

«Outras vezes, são as circunstâncias da vida que acabam por abrir as portas», afirma ainda. Nos estudos que realizou, Sofia Marinho constatou que, para além de situações como os horários de trabalho da mãe desadequados ao da creche, as mulheres e até as crianças podem impulsionar o homem a intervir.

A legislação tem vindo a acompanhar estas mudanças, conferindo ao pai direitos cada vez mais equiparados aos das mães. Na função pública, «torna-se mais fácil terem acesso aos seus direitos. Os que são pioneiros no seu local de trabalho podem enfrentar estranheza por parte dos colegas, mas uma vez havendo um caso torna-se algo natural», explica a socióloga.

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Emprego ou família?

Com um papel cada vez mais vasto, quase que se pode afirmar que os pais de hoje acumulam funções. «Apesar do duplo emprego [em Portugal a taxa feminina a tempo inteiro é superior à maioria dos países europeus], eles ainda se veem como o ganha-pão, faz parte da sua paternidade obter recursos para a família e dar estabilidade financeira», descreve a investigadora e aponta um dos principais obstáculos à paternidade plena… O equilíbrio trabalho/família!

Os estudos mostram que «falta nas empresas a consciência de que o homem tem de ir buscar os filhos à escola e que não devem ser marcadas reuniões para as 17h30», defende. Sofia Marinho reconhece que ainda há muito por fazer na cultura empresarial. «Por um lado, há uma aceitação de que o homem deve participar mais na vida familiar, por outro, isso é ignorado», sublinha.

No período em que esteve sozinho a cuidar das filhas, Nuno Silva deparou-se com opiniões divergentes. «Sentia-me honrado por saber que a Rute confiava em mim, mas ouvi comentários negativos», desabafa. Uns perguntavam-lhe «Vais sair a esta hora?», recorda «Outros diziam que elas deviam ter ficado com a mãe. Curiosamente, estes comentários vinham mais de mulheres. Acho que era mais no sentido de criticar a Rute», diz.

Parentalidade no masculino

A adesão à licença parental partilhada subiu de 0,5% para 28,3% entre 2005 e 2013. A legislação atualmente em vigor [primeiro trimestre de 2016] prevê os seguintes apoios:

- Licença parental obrigatória

Uma paragem de 10 dias, cinco dos quais logo após o nascimento e os restantes durante o primeiro mês de vida da crianças.

- Licença parental facultativa

Uma paragem de 10 dias, consecutivos ou não, durante o período da licença parental inicial da mãe.

- Licença parental inicial

Atribuída por um período até 120 ou 150 dias seguidos, de acordo com a opção dos pais, sem prejuízo dos direitos da mãe. O período entre os 120 dias e os 150 dias pode ser gozado em simultâneo pelo pai e pela mãe. Podem ainda ser acrescidos 30 dias, nas situações de partilha da licença, se cada um dos pais gozar, em exclusivo, um período de 30 dias seguidos ou dois períodos de 15 dias seguidos, após o período obrigatório da mãe, que é de 42 dias.

Texto: Manuela Vasconcelos