Imagine-se durante 9 meses num espaço confinado, e cada vez mais apertado, onde a temperatura é amena e constante, embalado por um som ritmado e contínuo e sem sentir fome, sede, frio ou desconforto. Imagine-se, agora, a sair para um espaço infinito, onde a temperatura varia e nem sempre é agradável, onde sente fome, sede, dores, cansaço, desconforto. Tudo lhe é desconhecido, exceto um colo cujo cheiro e som conhece desde sempre. Onde precisaria de estar?

Desde que é concebido, o bebé vive num ambiente aquático, onde a temperatura é amena e constante, progressivamente mais contido e com um som de fundo ritmado e ininterrupto: o do coração da mãe. De repente, sai deste espaço tão acolhedor para um mundo imenso, onde não tem um contacto físico permanente, sente fome, sede, frio, cansaço, dor. A diferença é abismal e o bebé, tão imaturo, precisa de ajuda para sobreviver e para regular o seu estado emocional.

Os pais – e em particular a mãe, cuja ligação ao bebé é orgânica, quase visceral, que alimenta com o seu próprio corpo e habitualmente fica encarregue de cuidar do bebé durante os primeiros meses – têm a dupla função de identificar as necessidades do bebé (que podem ser físicas ou emocionais) e dar-lhes respostas coerentes e consistentes.

Esta resposta dá-se inicialmente através das rotinas, que vão permitindo ao bebé organizar os seus ciclos de sono, alimentação, cuidados, etc. É esta rotina que permite o primeiro passo para a auto regulação: inicialmente é a mãe que acalma o bebé, que o ajuda a adormecer, que responde às suas necessidades, mas com o passar do tempo o bebé começa a ser capaz de esperar e de se acalmar, porque sabe que a resposta vai surgir. Aprende que depois de brincar vem o banho, depois o jantar, a seguir dormir. Já não chora tanto quando tem fome, porque já sabe que a comida vai chegar.
Muitas vezes os pais sentem-se perdidos e incompetentes por não perceberem de imediato o seu bebé. Os relatos de outros pais narram um amor incondicional que surge com o nascimento, mas este nem sempre acontece assim. O bebé é uma nova pessoa que surge na vida dos seus pais, e é necessário tempo e vivência para que se crie uma relação, para que se conheçam e se consigam “entender”. Pela sua total dependência e imaturidade, é também muitíssimo exigente, obrigando a família a readaptar-se.

A forma como o bebé comunica cada uma das suas diferentes necessidades é apenas uma: o choro. Como é que pode ser fácil perceber imediatamente o que o bebé está a pedir, se comunica sempre da mesma maneira?

Com o tempo, os pais serão capazes de o fazer, mas há que ser paciente e baixar as expectativas. Não é fácil nem imediato identificar por que chora um bebé.

Para os pais é evidente que têm que alimentar o bebé quando tem fome, que o mudar quando está sujo, que o pôr a dormir quando está cansado, mas o que nem sempre é evidente é o que devem fazer quando o bebé chora sem nenhuma razão aparente. É manha porque quer estar sempre ao colo, ou necessita efetivamente de contacto? E o que se deve fazer: pegar nele ou deixar que se acalme sozinho?

A necessidade de colo e contacto físico é básica e intrínseca ao ser humano (seja qual for a sua idade). O tema da vinculação – a primeira relação humana que os bebés estabelecem e que vão marcar profundamente todas as relações futuras – começou a ser estudado por volta dos anos 50, quando se percebeu que é tão importante para o desenvolvimento quanto a alimentação ou o sono.

Spitz foi o primeiro investigador a constatar que bebés hospitalizados ou institucionalizados e privados de contacto com as mães ou outra pessoa que desse colo e atenção de forma permanente, embora bem cuidados do ponto de vista físico, tinham atrasos graves no desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional. Mais tarde, Harlow estudou macacos bebés colocados com “mães” artificiais, uma de arame mas com leite e outra de peluche mas sem qualquer alimento, provando que era na mãe de peluche que se aninhavam e refugiavam quando algo os assustava. Estes macacos, quando colocados em conjunto com outros, mostravam as mesmas competências cognitivas e sociais. Por oposição, macacos que apenas eram alimentados, sem esta possibilidade de contacto, acabavam por morrer.

Muitos estudos se seguiram a estes e hoje sabe-se, sem nenhuma dúvida, que os bebés e crianças que crescem sem uma relação próxima e estável com um adulto têm dificuldades no seu desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional.

Se o colo é uma necessidade básica, então porque é que há crianças “mimadas”?

Crianças mimadas são aquelas a quem foi negada a autonomia. Ou porque foram superprotegidas (com receio que se magoem ou que sejam expostas a outros perigos), ou porque lhes foi negado o colo e o mimo, ou ainda porque cresceram sem limites claros, crescendo com uma sensação de insegurança que as leva a serem dependentes da presença constante de um adulto ou birrentos e manipuladores por não tolerarem a frustração de um “não”.

Mas, na prática, como se promove a autonomia?

O processo de autonomia de um bebé começa no momento em que nasce e deixa de ser uma continuidade do corpo da mãe. Mesmo tão pequeno e imaturo, é agora um ser humano com competências e características próprias.

Nos primeiros meses a dependência mantém-se quase absoluta, e o papel dos pais é o de assegurar que as necessidades do bebé são atendidas e que gradualmente vai caminhando no sentido da autoregulação, mas aos poucos é necessário ir furando a “bolha” em que mãe e filho naturalmente se
encontram.

O pai é fundamental neste processo, e é importante que desde sempre esteja presente e se dedique a cuidar do bebé. Também para ele estes cuidados são novos, e também ele precisará de tempo para conhecer o bebé, para aprender a cuidar e para se sentir competente. É essencial que seja persistente e que não desista, sabendo que as mães também não aprenderam miraculosamente, de dum dia para o outro. Apenas têm, na maioria dos casos, mais tempo de convivência com os bebés.

As mães têm a muitas vezes difícil tarefa de deixar o pai entrar nesta bolha, acreditando que ele é capaz e que saberá cuidar tão bem quanto elas. Apenas de forma diferente. Por isso, devem dar espaço a que os momentos a sós entre os bebés e os pais sejam frequentes.

Este é o primeiro passo na autonomia de um bebé: ser cuidado por outros que não a mãe, tendo assim as primeiras experiências de relação com alguém diferente.

Com o tempo, o bebé ganhará mais e mais competências e terá vontade de começar a explorar o mundo; primeiro com as mãos, depois com a boca, aos poucos com todo o seu corpo. Procurará cada vez menos o conforto do colo para se aventurar num mundo que quer descobrir e dominar. O papel dos pais é o de promover esta exploração (garantindo que não estará exposto a perigos, claro), estando disponíveis para acolher o bebé quando quiser e precisar de voltar. O bebé afastar-se-á mas olhará para trás, procurando nos olhares dos pais a validação de que é seguro ir, e quererá voltar quando se sentir assustado, magoado ou cansado. Quando neste regresso encontra um colo disponível e um olhar tranquilo, sentirá que é seguro deixar o ninho, porque tem quem o proteja e acolha. Sentir-se-á seguro e com confiança em si mesmo.

O mimo e o colo dão segurança. A falta de autonomia “estraga”.

Inês Pessoa e Costa e Rita Vilhena
Psicólogas Clínicas