A maternidade é um tema sagrado. É quase ponto assente que uma mãe deve dar tudo aos filhos: o seu leite, o seu amor incondicional, o seu tempo, as suas energias.

O nível de exigência é tal que as mães de hoje têm apenas uma meta a atingir, serem perfeitas.

Mas será que são más mães se continuarem a apostar na carreira, se sentirem saudades das saídas com as amigas ou se continuarem a desejar passar um fim de semana romântico a dois?

Super-mães

Para a psicóloga Joana Almeida, «existem expetativas sociais sobre o que é ser mulher, mãe, esposa e trabalhadora que são exigentes e difíceis de agradar. Por vezes até irrealistas». Na perspetiva da especialista, «as pressões sociais, ou que são impostas pela própria pessoa, fragilizam a mulher e podem trazer bastantes problemas psicológicos». Querer a perfeição é meio caminho para a insatisfação, pois não é atingível e cria expetativas pessoais e sociais demasiado altas.

«É bom ser realista e não se deixar levar por exigências excessivas nem culpabilidades extremas». Segundo a psicóloga, as pressões sociais são pesadas e pouco saudáveis sobre qualquer mulher, em qualquer situação: «Mesmo as que decidem ficar em casa a tratar dos filhos são desvalorizadas e consideradas mulheres menores, menos fortes, como se essa não fosse uma escolha tão digna como a de trabalhar e ser mãe».

Não aos rótulos

Se algumas mulheres encontram a plena realização na maternidade, um número cada vez maior começa a fazer um balanço entre os prazeres e os sacrifícios que implica ter um filho. E a vida pessoal? E a carreira? E a vida social?

Na Europa, o sexo feminino tem vindo a procurar realização à margem da maternidade e Elisabeth Badinter é uma das vozes mais ativas deste controverso movimento. Para a filósofa e feminista francesa estamos a assistir a um retrocesso ideológico do papel da mulher graças ao regresso ao naturalismo na maternidade e à culpabilização das mães ou porque não amamentam os filhos, ou porque não abdicam das suas carreiras ou porque não são supermães.

O livro «O Conflito: A Mulher e a Mãe» (Relógio D'água), editado em 2010, incendiou o debate em França, o qual envolveu políticos, intelectuais, feministas, não feministas, mães e mulheres que apoiaram ou criticaram a obra.

«Livros como este, que refletem a realidade e que chocam com os valores apreendidos (como acreditar que as mulheres cuidam da família e os homens trazem o sustento) ajudam a procurar soluções pessoais mais adequadas e saudáveis», defende Joana Almeida.

Sou boa mãe?

Segundo Elisabeth Badinter, as mulheres interiorizam um ideal de boa mãe como a que tem um parto natural, que amamenta o filho, que vive exclusivamente para ele e ficam frustradas se não conseguirem seguir esse mesmo ideal. «O espectro da má mãe impõe-se de forma ainda mais cruel na medida em que é interiorizado o ideal de boa mãe», refere a autora no livro.

No entanto, um estudo de 2008 concluiu que os filhos de mães trabalhadoras são mais felizes, mais bem sucedidos e mais resistentes que os outros. A resposta é simples. Se a mãe não se sentir realizada, a relação com a criança vai ser naturalmente afetada.

«Se a mãe e o pai estiverem descontentes com a vida que levam, ou mesmo consigo próprios têm menos disponibilidade emocional para desempenhar o seu papel parental», explica Joana Almeida. «Se houver um esforço exagerado para compensar a culpa que se sente de não ser a tal super-mãe, a educação sofre e a relação entre pais e filhos também».

The good enought baby

Se ser uma mãe perfeita é impossível, também educar uma criança para ser perfeita é tarefa impossível e até já existe um conceito que pretende retirar essa pressão dos ombros dos pais: The Good Enough Baby (que, em tradução livre, é o mesmo que dizer «bebés bons o suficiente»).

Andy Borowitz, o autor da expressão, é pediatra e explica que o conceito não serve como um atalho para pais que levam a parentalidade pouco a sério. Antes pelo contrário.

Na coluna de opinião Shouts & Murmurs, da revista The New Yorker, o pediatra afirma: «Lembro sempre os pais que quando têm um bebé estão a colocar um ser humano no mundo e que vão ser responsáveis por ele nos próximos cinco ou seis anos» (idade até à qual, segundo alguns especialistas, se forma a personalidade da criança). Basta relativizar a importância que damos às mais variadas situações, tal como quando uma mulher é mãe pela segunda vez e já não está tão preocupada em fazer tudo como mandam os livros.

Agenda equilibrada

Qual a solução para sobreviver à pressão da sociedade e continuar a ter vida própria, além do marido e dos filhos?

Joana Almeida tem a resposta: gestão de tempo. «As mulheres conseguem fazer muito bem este milagre caseiro. Gerir o papel de mulher e parceira, de mãe, amiga e trabalhadora é difícil, mas possível. Basta haver muito realismo e bom senso».

Apesar de muitas vezes não poder fazer tudo o que gostava, pode tentar dar o seu melhor e nunca fechar os olhos aos feitos incríveis que vai conseguindo.

Deve sempre celebrar as vitórias, mesmo que pareçam pequenas e insignificantes. «Recomendo que se reflita bem nas várias áreas e se dedique um pouco de tempo a cada uma delas, sem culpabilidades nem excessos», diz Joana Almeida.

E, lembre-se, não se é melhor mãe por se passar as 24 horas do dia preocupada com os filhos, ou por sair à noite e jantar fora com o parceiro ou com as amigas. «São áreas diferentes e cada uma delas tem direito ao seu tempo», explica. Depois basta aproveitar o tempo livre com prazer (e disponibilidade emocional) de forma a carregar as baterias para as outras áreas da vida.

Momentos intensos

Tempo de qualidade é, hoje em dia, o conceito-chave. Se a sua agenda profissional não lhe permite passar muito tempo com os filhos, uma das soluções pode estar na ludoterapia. Esta forma de psicoterapia aplicada às crianças defende que bastam 30 minutos por semana de brincadeira entre pais e filhos para as suas vidas mudarem completamente.

Os problemas de comportamento dos mais novos são corrigidos e é frequente as crianças verem a autoestima aumentada, além de aprenderem a ser mais auto-controladas e disciplinadas. Mas não são 30 minutos quaisquer. Coloque o telemóvel no silêncio, desligue a televisão e deixe que a criança escolha a sua brincadeira preferida.

É que os mais novos usam os brinquedos como palavras e o ato de brincar é a sua linguagem. Se habituar a criança a estes 30 minutos de qualidade entre os dois, esta já não se sente tentada a usar «truques» para captar a sua atenção.

Testemunho

«Este é um tema que é considerado tabu ou, pelo menos, não é levado a sério por várias camadas da sociedade» diz Laura Alves.

Para a jornalista e autora do livro «Não Quero Ser Mãe» (Livros de Seda) existem muitas mulheres que não desejam ser mães, só que «não falam abertamente desta questão porque o tema não é bem visto nas conversas de ocasião».

«Ou simplesmente porque estão cansadas de serem interrogadas quanto a esta opção», refere ainda.

Durante a escrita do livro, o que mais surpreendeu Laura Alves foi a «energia, força e alegria de viver da maioria destas mulheres. Ou seja, o completo oposto do estereótipo que a sociedade teima em manter e propagar, que quem não deseja ter filhos é uma pessoa amargurada, egoísta, incompleta, incapaz de se relacionar com os outros».

Na opinião da jornalista, ser solteira e não ter filhos aos 35 anos ainda é visto como uma aberração: «Ninguém pergunta a um homem quando é que tem filhos. Essa questão é sempre dirigida à mulher.»

Abalar as estruturas

Um pouco por todo o mundo, são muitos os projetos que tentam abalar as estruturas da maternidade perfeita. Em Inglaterra, Stephanie Calmen lidera um movimento anti-culpa através do blog Bad Mothers Club.

Texto: Sónia Ramalho com Joana Almeida (psicóloga) e Laura Alves (jornalista)