Fruto da minha atividade profissional, convivo semanalmente com muitas e variadas pessoas. E, em algumas situações, pergunto-lhes qual é o seu maior sonho por realizar. A resposta é quase sempre a mesma: “não sei”. Quando tento puxar um pouco pelas memórias afetivas, lá se consegue perceber que, num qualquer canto bem recôndito, existe um ou outro sonho escondido: ter mais um filho, escalar o Evereste, mudar de profissão, subir a um palco, ser feliz.

Acredito que isto acontece fruto das responsabilidades e das exigências do dia-a-dia que, sendo tantas e tão diversas, implicam a total concentração das nossas energias. A atenção foca-se em garantir que a vida segue, dando-se óbvia prioridade às lides domésticas, ao cumprimento das obrigações laborais, ao pagamento das contas mensais, à gestão dos filhos, dos casamentos, das relações. E, no meio de tudo isto, perdem-se os sonhos, os projetos, os desejos que, algures nas nossas vidas, chegaram a ser grandes prioridades.

No entanto, quando perguntamos a uma criança ou a um adolescente qual é o seu grande sonho, a dificuldade é que consigamos obter uma única resposta. A minha filha do meio, por exemplo, dá-me sempre uma resposta que, apenas para ser proferida, me daria tempo para preparar o mais elaborado soufflé de lentilhas: quer ser atriz, modelo, cantora, locutora de rádio e professora; quer encontrar o seu príncipe encantado, ter um casamento fantástico e gerar dois filhos; quer conhecer novos destinos, quer viajar com as amigas, quer escrever um livro e compor canções. Tal como a maioria das crianças, ela alimenta seriamente a convicção de que, um dia, conseguirá ser tudo aquilo com que sonha.

Apesar dos meus (já!) 40 anos, continuo a acreditar na oportunidade única que a vida nos oferece: a da felicidade. E defendo seriamente que dela depende a concretização de sonhos – ou, pelo menos, a crença (mesmo que ingénua) de que os havemos de alcançar. Eu continuo a acreditar que, um dia, eu e os meus filhos correremos o mundo de mochila às costas. E que não terei de trabalhar tanto para pagar as contas. E que ainda vou viver naquela casa que terá um maravilhoso escritório virado para um jardim idílico, onde me inspirarei para as minhas escritas. E, sim, talvez seja isto que ainda me faz viver os dias mais complicados com um sorriso nos lábios.

Faz-me muita confusão quando somos nós, adultos castrados pela própria vida, a matar os sonhos dos nossos filhos. Quando uma criança diz que um dia vai ser Presidente da República e os pais lhe respondem que o mais provável é que venha a seguir os passos dos progenitores, servindo atrás de um balcão. Ou, quando um miúdo confessa que servir à mesa é precisamente o seu sonho e lhe informam que, então, estará condenado a ser “nada” para o resto da vida.

A verdade é que nós crescemos. E que a vida é difícil, sim. Mas depende de nós, mesmo no meio das maiores atrocidades, a capacidade de sonhar. De acreditar. E, sobretudo, de ensinar os futuros adultos a lutar pelos seus sonhos.

Alda Benamor