Lembro-me muitas vezes das torradas que a minha mãe me fazia. Quando o inverno apertava e eu me aninhava no sofá, a minha mãe trazia-me invariavelmente uma torrada à sala. Um pão fabuloso e perfeitamente barrado por uma manteiga que, apesar de ser a mesma que ainda hoje compro, me parecia ter na altura um sabor tão distinto. E recordo-me de que aquela torrada parecia a mais fantástica refeição ao cimo da terra. Fechava os olhos, sentia o aroma da manteiga derretida e era assim, entregue ao meu mundo isolado, que eu comia o lanche que só as mães (e os pais) sabem preparar.

Nunca perdi esta infantil capacidade de apreciar de olhos fechados as coisas boas da vida. Por isso, quando, há dias, os meus filhos me perguntaram o que é que vale a pena viver, apeteceu-me responder-lhes “as torradas da vida”. Mas, correndo o risco de ser redundante e de os deixar na mesma dúvida, prometi uma resposta breve e completa. Que aqui surge em forma de texto – e que espero que, como consequência da minha também eterna aprendizagem, eu consiga ir completando ao longo dos tempos. Com as ainda muitas “torradas” que espero para os meus dias.

1. Sorrir. Quando eu era adolescente, deram-me a alcunha de “sempre a rir”. A responsabilidade terá sido do meu pai, que sempre me incutiu a importância do sorriso nas relações interpessoais. Descobri cedo que o sorriso é essencial não só com os outros, mas sobretudo connosco. O sorriso é a melhor arma em quase todas as situações e continua a ser, pelo menos para mim, o meu melhor motor de força e de coragem. Mesmo nos momentos mais difíceis.

2. Chorar. Sou daquelas mães que, quando vê um filho chorar, não lhe tenta impedir as lágrimas. Sabendo-as (e sentindo-as) como terapêuticas, insisto para que chorem tudo o que parece estar preso, num convite claro à libertação do que doi. Ou do que alegra. Que chorem de tristeza sempre que precisarem, mas que chorem (muito, muito!) de alegria, sempre que os seus corações parecerem inundados de felicidade, de compaixão, de cumplicidade ou de amor.

3. Amar. Os meus amigos dizem que, apesar das reviravoltas da vida, eu continuo a ser a maior crente no “sonho cor-de-rosa”. E, sendo-o, quero muito que os meus filhos tenham a capacidade de amar quem o destino coloque nas suas vidas. Que se entreguem sem reservas. Que conheçam as “borboletas no estomago” de cada vez que a cara-metade estiver para chegar. Que sonhem alto. E que, se for preciso, se deixem cair até terra quando as coisas não resultarem. Que experimentem a dor da perda, a sensação de que, sem ele ou ela, nada faz sentido. Para que cresçam e percebam que, ao encontrar a pessoa certa, o amor é algo que, quando é realmente cultivado a dois, pode ser um verdadeiro milagre em vida.

4. Viver nos amigos. Mais do que viver apenas “com” os amigos. Quero muito que os meus filhos experimentem este amor imenso por alguém que, não sendo do nosso sangue, faz parte da nossa pele. Que encontrem uma, duas ou muitas pessoas que os acompanhem pela vida fora. Que partilhem as mesmas lágrimas e os mesmos sorrisos. Que tenham com outros alguéns aquilo de que eu me orgulho de ter com os meus amigos.

5. Arriscar. Que tenham coragem para lutar pela sua felicidade, mesmo quando o mundo insiste no caminho oposto. Que larguem um emprego que não os satisfaz. Que mudem de país, se lá fora estiver algo melhor. Que não se prendam apenas porque sim. Que não fiquem apenas porque “e se?”.

6. Enfrentar. Que enfrentem os seus medos e terrores. Que não se acomodem ao “não sou capaz”. Que saltem de paraquedas, se for preciso. Que digam “não” olhos nos olhos. Que se superem todos os dias.

7. Viajar. Descobrir o mundo de mochilas às costas e de mapa na mão. Com e sem destino. Com e sem companhia. Com a certeza de que, no regresso, nos teremos sempre uns aos outros para o abraço de boas-vindas.

8. Sonhar. Quero muito que os meus filhos não percam a capacidade de sonhar de olhos abertos. Que continuem a acreditar que tudo é possível. Que continuem a achar que vão ser o próximo Cristiano Ronaldo. Que continuem a saber convictamente que ainda vão gravar um álbum. Que alimentem a certeza de que ainda vão descobrir a cura para uma doença terminal. Mesmo que, com gosto e orgulho, decidam um dia que o que querem é ficar sentados atrás de uma secretária a fazer o que mais querem. Mas, sempre que possível, fiéis ao que mais gostam.

9. Degustar. Que aprendam o prazer de sentir e viver os pequenos-grandes momentos da vida (as “torradas”, lá está). Um abraço de um amigo. Uma palavra de quem se ama. Uma pétala que floriu no passeio que cruzam todos os dias. Um refeição caseira. Ou o simples prazer de adormecer de coração cheio.

10. Assumir. Que reconheçam e assumam os seus erros sem pudores. Que peçam desculpa como quem pede licença. Que se assumam como são, independentemende das vontades alheias.

11. Partilhar. Quero muito que os meus filhos mantenham o sentido de partilha. De dar sem esperar em troca. De dividir ao meio o que se tem. De se emocionarem com a alegria dos outros.

12. Insistir. Insistir nas vitórias, insistir na conquista da felicidade, insistir na crença absoluta de que, por mais negra que pareça determinada fase da vida, tudo se resolve. Sempre!

No fundo, meus queridos filhos, tudo isto não é mais do que me prontifiquei para responder. Que o melhor que podemos viver é isso mesmo: a totalidade da vida. Com dores, com sorrisos, com vitórias e derrotas. E com a convicção absoluta de que, em qualquer situação, eu estarei sempre cá. Para fazer um brinde às minhas, às vossas e às nossas “torradas” da vida.