«O que se passa na cabeça do meu filho?» é o título do mais recente livro de Cristina Valente, coach parental, mas também a pergunta que qualquer pai já fez a si próprio perante determinados comportamentos dos filhos. Este foi o ponto de partida para um livro prático e repleto de conselhos que a autora foi buscar às últimas descobertas das neurociências. O objetivo é dar mais significado ao ato de educar para quotidianos familiares mais tranquilos e pacíficos.

Mas esta especialista, que viu o seu livro publicado pela editora Manuscrito, deixa um alerta, fundamental nos tempos que correm. Os pais precisam de ter tempo para os filhos! Aproveite e tire já uns minutos. Tudo para ficar a saber o que se passa na cabeça do seu filho.

Hoje em dia, há muita pressão na sociedade sobre os pais?

Sim, quer seja na vida profissional, quer no papel de pais. A sociedade dita que sejamos pais perfeitos, profissionais excelentes e dedicados. E, claro a parte financeira, traz muito desassossego e inquietações por razões óbvias. Designo esta forma de vida como a velha economia, em contrapondo com a economia digital, onde cada um é mais senhor do seu trabalho e do seu tempo.

Mas, se os pais sentem pressão, os filhos não estão melhores…

É verdade. Os pais armadilham os filhos com ferramentas (cursos, competências, numero exagerado de atividades extracurriculares e por aí fora…) e enganam-se quando dizem que os miúdos gostam de fazer tudo isso. Este comportamento impacta negativamente a autoestima da criança porque em primeiro lugar as suas rotinas não são respeitadas.

O excesso de atividades implica pais mais cansados e, portanto, menos disponíveis e com menos paciência para educar, bem como menos horas de sono para as crianças e este é um imperativo biológico que tem de ser respeitado.

E como é que isso se reflete no dia a dia dos mais pequenos?

É uma pressão exagerada que se sente na saúde emocional e psicológica das crianças, refletindo-se, depois, nas dificuldades de aprendizagem, na falta de motivação para novos conhecimentos e experiências e até redução no sistema imunitário, que implica mais doenças e mais alergias.

E para um pai é fácil perceber isso?

Em primeiro lugar, a crianças não verbalizam, mostram esse descontentamento noutras áreas, começando a ter problemas alimentares, dificuldade em dormir, problemas na escola e de relacionamento. Muitas vezes, o mau comportamento é uma forma de reagir à pressão que os pais colocam nos seus filhos.

Veja na página seguinte: As críticas à necessidade preencher a agenda dos filhos

Por que razão os pais sentem a necessidade preencher a agenda dos filhos?

Estão preocupados com o futuro e com o planeta que vão deixar aos miúdos. E, erradamente, pensam que, quanto mais competências técnicas derem aos filhos, mais capacidades terão para ter sucesso, esquecendo-se de um dado importantíssimo. Crianças stressadas e sem autoestima não aprendem rigorosamente nada.

E isto acontece, também, porque os pais querem dar aos filhos o que não tiveram?

Querem dar aos filhos o que não tiveram e precisam de mostrar à sociedade que são pais competentes. É um exercício narcísico dos pais.

No livro, diz que as birras não são um problema de disciplina e de comportamento. O que são, então?

Fazer uma birra é uma descarga emocional e faz parte do desenvolvimento das crianças numa determinada idade, entre os 18 meses e 4 anos. Nessa altura, as crianças estão a aprender a ter autocontrolo e a adquirir uma série de competências.

Temos de olhar para a birra como uma descarga emocional, tal como olhamos para uma depressão. Nessa idade, não têm noção de causa efeito. Não percebem que fazendo uma coisa, causam um determinado efeito, não percebem o que é uma regra.

E quando é que uma birra passa a ser mau comportamento?

A partir dos 4/5 anos, já têm capacidades cognitivas para usar o mau comportamento como chamada de atenção ou exercício de poder.

E os amuos, o que são?

É uma manipulação. O estado de tristeza tem de ser respeitado e não devemos fazer nada para o impedir, para que aprendam a gerir a tristeza. O amuo já é uma ferramenta de manipulação. É a criança a dizer «Vou ficar numa determinada postura até que me dês o que eu quero».

E os castigos funcionam ou não?

Os castigos funcionam se nós quisermos que as crianças sejam animais amestrados. Por razões óbvias, o castigo elimina o mau comportamento, mas o que acontece é que funciona apenas para controlar o pensamento e o comportamento do ser humano.

Controlar o pensamento de uma criança é algo criminoso, porque ela só vai obedecer pelas razões erradas. Os castigos funcionam para formar pessoas autómatas e sem vontade própria, o caminho tem de ser outro e nunca o castigo. Faz sentido humilhar, influir dor ou culpa e fazer sofrer uma pessoa que amo? Claro que não!

Veja na página seguinte: A melhor forma dos pais gerirem a raiva que sentem

Mas, em situações extremas, como é que os pais devem gerir a sua própria raiva?

A raiva tem de ser entendida como uma emoção que faz parte da condição humana. Estamos sempre a tentar negar os estados de tristeza, raiva e de medo porque fomos educados a achar que são sentimentos negativos. Mas, tal como a alegria, são emoções básicas que vamos sentir toda a vida e temos de estar preparados para elas.

Os pais têm, então, de trazer a emoção cá para fora, dando gritos, dizendo que estão zangados, dando murros na almofada ou andar à volta da casa.

Frequentemente, ouvem-se as pessoas mais velhas dizer que as crianças de hoje são mais mal-educadas. Concorda?

Concordo. As crianças estão mais mal-educadas, pelo facto haver menos rotinas e mais descontrolo. Os pais têm muita dificuldade em impor limites aos filhos, porque têm medo de perder o seu amor, isto porque a maioria dos pais sabe que não está a dar o melhor em casa e sente-se culpado por isso e não quer gastar a meia hora que tem com os filhos a impor regras.

Os pais devem ou não ser os melhores amigos dos filhos?

Devem ser amigos, no sentido em que respeitam os amigos e que são um porto de abrigo para eles, tal como os bons amigos o são. Mas não devem ser amiguinhos no sentido de se tornarem um par dos filhos, pois assim não se impõem regras e as crianças precisam de regras.

E qual é a melhor forma de preparar os filhos para o futuro?

Compreendendo que a questão da literacia emocional é essencial. Os nossos filhos têm de perceber que as quatro emoções fazem parte da sua vida e temos de lhes dar ferramentas para lidar com o medo, a tristeza, a raiva, que nos acompanham toda a vida. E a autoestima depende de uma gestão inteligente dessas emoções, juntamente com a alegria. Os pais têm de arranjar mais tempo para as crianças.

E acredita num futuro melhor?

Acredito. A solução é deixarmos a velha economia, onde o tempo vale dinheiro, e passemos para a economia digital, onde com um computador podemos fazer tudo e assim ter mais tempo para a família. E as crianças que forem educadas assim, não vão pactuar com trabalhos de quase escravatura, que é o que acontece agora.

Texto: Rita Caetano