Depois de dificuldades orçamentais, Israel Macedo, responsável pelo banco de leite da Maternidade Alfredo da Costa, diz que a atividade desta valência única no país está assegurada e que estão mesmo a precisar de mais dádivas, avança o jornal i.

 

O banco criado em 2009 aceita doações de mães até três meses após o nascimento do filho. Com o leite doado, conseguem fornecer leite para alimentar prematuros internados em unidades de cuidados neonatais da região de Lisboa. Embora não saiba se algum dia haverá condições para oferecer leite a bebés de termo, o médico sublinha que seria necessário haver pelo menos mais um banco de apoio a prematuros no país, de preferência na Região Norte. Para o médico, é a estes bebés que o leite materno faz mais falta e é com eles que o ganho para a vida é maior, por ajudar a prevenir por exemplo infeções intestinais graves como enterocolites. «Atualmente, o leite é pouco para as necessidades», diz, até porque os nascimentos antes do termo da gravidez têm aumentado.

 

Os primeiros bancos de leite europeus surgiram nos anos 80. Atualmente, a Associação Europeia de Bancos de Leite conta 186 em toda a Europa. As redes são díspares: Espanha tem sete bancos, França 36 e o Reino Unido 15. Com apenas um, como Portugal, surgem a Holanda, a Irlanda ou a Escócia. Israel Macedo sublinha contudo que, em todos estes países, a política é apoiar prematuros que as mães não podem amamentar. «Na América Latina, seja no Brasil, seja no Chile ou na Colômbia, conseguem ter procedimentos de baixo custo de controlo do leite, sobretudo com recurso a mão-de-obra muito barata, o que permite garantir leite em unidades de cuidados intensivos mas também a mulheres com bebés de termo e com baixo índice socioeconómico que podem ter dificuldades em aceder a leite artificial mas também na preparação do mesmo, por ser necessária água em zonas onde há mau abastecimento», diz o médico.

 

Aquecer o leite em banho-maria e fazer culturas artesanais para testar a presença de bactérias seriam métodos demasiado consumidores de tempo na Europa, sendo a opção por testes mais automatizados mais rápida mas mais dispendiosa. «Hoje, com uma técnica três vezes por semana, conseguimos manter o banco a funcionar e garantir todas as análises e pasteurização, mas não dá para mais», diz Macedo.

Já há mães portuguesas a trocar leite através das redes sociais

O aviso de que comprar leite humano na internet pode envolver riscos para os bebés foi replicado em mais de 300 sites nos últimos dias. Investigadores do Ohio publicaram na revista Pediatrics o estudo de como encomendaram leite humano à venda em sites e perceberam que 74 por cento de 101 amostras tinham níveis de contaminação superiores ao recomendado, inclusive salmonelas, que poderiam ter chegado aos biberões da América, diz o jornal i.

 

O tema pode parecer bizarro, mas nos EUA um site de venda e troca como o Only The Breast, nascido em 2010, é cada vez mais popular e tem mais de 2445 ofertas ativas, entre elas um «litro de leite de uma mãe de 26 anos com um bebé saudável» por 33 dólares e 163 com desconto. O fenómeno de venda não chegou a Portugal, mas desde 2011 que um grupo no Facebook promove a troca de leite entre as mães que têm a mais e as que querem amamentar e não conseguem.

 

A comunidade de partilha de leite nasceu em Portugal inspirada num movimento criado no Canadá e que dá pelo nome Human Milk 4 Human Baby. A página tem uma atividade reduzida, mas todos os meses têm havido ofertas. A porta-voz, Claudine, explica que o objetivo é pôr dadoras e recetoras em contacto. «Não controlamos a segurança, não exigimos pasteurização em casa e não pedimos análises, são as dadoras e recetoras que combinam tudo diretamente», diz. «Não existe leite materno disponível para os bebés que não são prematuros. Por isso as mães que não querem recorrer ao leite artificial não têm onde arranjar leite materno a não ser em plataformas como esta.»

 

Israel Macedo, pediatra neonatologista e responsável pelo único banco de leite humano do país, na Maternidade Alfredo da Costa, reconhece que o fenómeno que esta semana chegou às páginas da Pediatrics tem vindo a preocupar os especialistas. «Foi debatido no último encontro da Associação Europeia de Bancos de Leite e tem vindo a ganhar magnitude na Europa. É muito difícil haver controlo nestes assuntos entre particulares. Não podemos criticar duas amigas que têm bebés, uma com muito leite e outra sem leite e que pede o excedente à que tem mais, graciosamente, sabendo que é uma pessoa saudável. Mas daí a comercializar com desconhecidas é o equivalente a outras práticas de risco, ainda mais se pagas».

 

O médico confirma que atualmente em Portugal, como na maioria dos países europeus, o leite guardado em bancos só chega para prematuros, para quem é considerado imprescindível. Embora se oiça falar de trocas, diz que nos últimos tempos recorda apenas o caso de uma mãe que ligou para a MAC a perguntar se poderia doar o leite, algo que negaram por só aceitarem leite até três meses após o parto, e que acabou por lhe perguntar o que achava de dar o leite a uma amiga. «O que lhe disse foi que se as condições higiénicas da recolha, congelação e transporte foram adequadas, é uma questão de confiança entre duas pessoas adultas».

 

Israel Macedo reconhece que se poderia ir mais longe e haver mais bancos, mas processar um litro de leite custa 60 euros, processo que sairia mais dispendioso se recebessem colheitas de mães a amamentar há mais tempo por irem ficando com menos leite.

 

Para Cristina Leite Pincho, com formação em consultoria de lactação, antes de pensar em mais bancos seria vital que o país desse mais apoios para as mães poderem amamentar, ajudando-as a ultrapassar dificuldades que as instruções na maternidade ou cursos pré-parto não resolvem. «Muitas desistem por falta de apoio.» Cristina Leite Pincho considera estranho vender-se leite, mas admite que a dádiva altruísta entre mulheres que tenham cuidado e historial saudável é uma boa alternativa. «Em Portugal só não é mais expressiva porque não há informação suficiente para as desvantagens e os riscos do leite artificial», diz.

 

Leonor Levy, pediatra, diz em contraponto que se deve encarar a amamentação sem dramatismo, considerando perigoso que se troque leite com uma desconhecida. Hoje com 64 anos, lembra que também foi amamentada com leite doado. «Estive quase a morrer com uma gastroenterite», partilha. Para a médica, é inegável que a amamentação com leite humano tem vantagens, mas a oferta de leites artificiais também melhorou muito. «Sou o mais possível a favor de se amamentar com leite materno, mas sem estragar a cabeça das mães. É um fundamentalismo que não serve para nada, sobretudo porque as crianças cá não morrem por falta de acesso a alimentação adequada nos primeiros anos de vida».

 

 

Maria João Pratt

.

.