Sabe o que é uma pank? É qualquer coisa como tias profissionais, sem crianças, como sugere a tradução da expressão «professional aunts no kids». São mulheres na casa dos 30, solteiras, com poder de compra e que dedicam grande parte do seu tempo a sobrinhos ou filhos de amigos. Esta nova classe social parece estar a crescer e a gerar novas dinâmicas nos relacionamentos familiares. Fomos conhecer as verdadeiras… tias!

São mulheres com mais de 18 anos, com laços fortes com crianças, independentemente das relações familiares e da distância geográfica e independentemente de terem optado ou não por ter filhos. Podem ser tias, madrinhas, primas, amigas ou vizinhas. O que faz delas pank é a força das suas relações com sobrinhos, afilhados ou até, em muitos casos, os filhos de amigos e/ou dos colegas de trabalho.

Este é o resultado de um estudo feito pela empresa norte-americana de Relações Públicas, Weber Shandwick, que define um grupo de mulheres especial, as «tias afetivas e efectivas», como se pode ler no documento. Um grupo tão poderoso em termos económicos que os próprios publicistas perceberam que havia aqui um potencial até então ignorado. Mas o termo não era de todo desconhecido para uma comunidade muito especial, as próprias pank.

Em 2008, Melanie Notkin lançou o site Savvyauntie.com, criando uma estrutura de aconselhamento e apoio para um conjunto de mulheres com as mesmas características que as suas. Solteiras e sem filhos, mas com vontade de estar com crianças e de gastar dinheiro com elas. O termo pank foi efetivamente criado por Melanie Notkin e foi assim que, em 2013, a Webber Shandwick decidiu unir esforços com esta tia especializada para conduzir o estudo «The Power of Pank».

Mulheres inteligentes com dinheiro em carteira

A ideia foi a de perceber melhor quem são as pank e qual o seu potencial enquanto consumidoras. Conforme refere Leslie Gaines-Ross, da Webber Shandwick, «em termos de marketing, trata-se de um novo grupo de mulheres inteligentes e com poder de compra. As pank têm tempo, rendimentos e a paixão de comprar os melhores produtos para as crianças que fazem parte da vida delas».

«Trata-se de um grupo a que o marketing das empresas deve dar muita atenção», sublinha. Para Melanie Notkin, a definição passa mais pelas emoções e, assim, a Savvy Auntie é uma comunidade especial. «É a primeira e única comunidade para tias. Tias por relação, tias por escolha, tias-avós, madrinhas e todas as mulheres que adoram crianças», considera.

Este sítio permite a estas mulheres trocarem ideias, encontrarem aconselhamento e presentes e relacionarem-se com outras tias. Tem agregado um blogue, fóruns, grupos e até uma auntiepedia [espécie de enciclopédia para tias] e oferece às tias uma abordagem moderna, para aprenderem e partilharem a sua tiaandade. Esta é a versão oficial. Na realidade, o Savvy Auntie é para todas as mulheres que são loucas pelos seus sobrinhos, filhos de amigos, crianças.

E que querem ter um sítio na internet onde possam falar sobre eles (e, sim, exibi-los!), e terem à-vontade para colocar questões sobre saúde, alimentação, atividades a fazer, sobre o que quiserem, sem precisarem de falar com uma mãe», explica Melanie Notkin, a mentora deste projeto e tia de seis sobrinhos, por laços familiares «e muitos mais por escolha», como faz questão de sublinhar.

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Como surgiu o conceito

A ideia surgiu-lhe em 2001, quando Melanie Notkin viu nascer o seu primeiro sobrinho e percebeu que havia muito pouco ao seu dispor relativamente a este mundo novo. «As mães e os pais têm os seus próprios sites. Há um universo deles e não tenho dúvida de que estão cheios de informação relevante, mas nós, as tias, não nos sentimos em casa nestas páginas. É como se estivéssemos a invadir alguma coisa», refere.

«O Savvy Auntie foi criado essencialmente para estas mulheres. Claro que as mães que são tias também são bem-vindas. Este clube é dirigido a todas as mulheres que adoram crianças e querem o melhor para elas», conclui Melanie Notkin. Mais do que isso, a ex-editora de beleza, marketer e executiva de comunicação de profissão, percebeu o potencial deste nicho de mercado em crescimento.

Depois de ter falado com dezenas de tias, Melanie Notkin encontrou um grupo de mulheres cheias de amor pelas crianças e rendimentos elevados com potencial para serem savvy [experientes] aunties. Hoje, só na página de Facebook existem mais de 95 mil tias e o número não para de crescer. Acresce ainda o facto de estas tias profissionais disporem de tempo. Algumas destas mulheres são mesmo capazes de alterar os seus planos pessoais para passarem mais tempo com as crianças.

É o caso de Vanda Ramos que convive habitualmente, com seis crianças, entre sobrinhos e filhos de amigos. Por isso, é normal que os seus fins de semana e as férias sejam programados de forma a conseguir estar com eles. «Levo-os ao cinema, ao parque, teatro e quando estou de férias, fazemos os mesmos programas, mas ainda incluímos praia e passeios ao ar livre», contou-nos em 2014.

Onde vamos amanhã?

O mesmo estudo da Weber Whandwick refere que cerca de 64 por cento destas mulheres adora ter a oportunidade de passar tempo com crianças e 34 por cento admite mesmo que espera vir a contribuir na educação delas. A sua disponibilidade é maior do que a dos pais que têm necessária e forçosamente de estar com os seus filhos. A pank média tem cerca de 36 anos e uma série de características que tendem a ser comuns.

Nunca foi casada, gosta de atividades domésticas, tem um bom salário e gasta cerca de 500 €/ano em presentes, roupa e atividades de lazer com as crianças. A International Business Times criou inclusive um conceito, o pank travel, para designar uma das maiores tendências de viagens para 2014. As viagens de tias com sobrinhos! E isto considerando que 48 por cento das tias afirma que adora viajar com as suas crianças.

No que se refere ainda ao mercado norte-americano, 45 por cento das tias já deu presentes aos pais para estes oferecerem aos filhos. Cerca de 43 por cento admite mesmo já ter comprado artigos que os pais não comprariam. Ana Arez Guerreiro, entrevistada com 36 anos, com dois sobrinhos, Dinis de 7 anos e Marta de 4, explica que, ainda que com gastos controlados, são os sobrinhos que recebem os presentes mais dispendiosos.

«Mas, por regra, antes de comprar qualquer presente gosto de saber a opinião dos pais. Atualmente, e como já são mais crescidos, gosto de combinar com eles e vamos juntos às compras, eles adoram poder escolher as prendas tendo em consideração o plafond disponível», disse esta economista em entrevista à edição impressa da Saber Viver em 2014.

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Muito para além dos presentes

Mas a presença destas pank é muito mais do que simplesmente uma referência de presentes. São pessoas que disponibilizam parte do seu tempo a educar e a ajudar as crianças nas suas diferentes áreas, desde lazer, educação e até assistência médica. Ana Arez Guerreiro recorda umas férias em que os pais levaram um dos sobrinhos para Barcelona e ela ficou a cuidar da sobrinha ainda bebé.

Além destes cuidados, gosta ainda de referir o tempo que disponibiliza para eles nas mais variadas atividades, desde ir buscá-los à creche até irem andar de bicicleta ou irem à natação. «Mas um dos programas mais hilariantes é passarmos a tarde em minha casa, a vermos filmes e a comermos línguas de gato ou quando dormem lá em casa e nos vamos deitar», conta Ana Arez Guerreiro.

«Cada um inventa uma história e mudamos de camas várias vezes até se conseguir acertar quem dorme em que cama», acrescenta ainda. A relação acaba por ser de cumplicidade e reciprocidade, o que acaba por ser vantajoso para todas as partes envolvidas no processo. Se as tias oferecem estabilidade, carinho, apoio familiar e mimos, as crianças crescem com um suplemento que nunca é de mais e devolvem-no na mesma moeda, conforme sublinha esta tia, muito convicta do seu papel.

«Considero-me uma tia muito presente, que tem acompanhado de perto todas as etapas no crescimento deles», diz, enquanto sorri, Ana Arez Guerreiro. «O reconhecimento é constante e visível nos desenhos de família onde a tia Guida aparece», refere ainda, visivelmente feliz e orgulhosa.

Verdadeiras tias-modelo

Cada vez mais mulheres adiam a maternidade, fazendo com que se assista ao fenómeno das pessoas do sexo feminino, felizes, que não têm filhos, mas que gostam de mimar. Por isso, as pank acabam por ser uma espécie de revolução contra o habitual estereótipo de tia. «Há a tendência errada para assumir que são pessoas sem relações, solteiras», refere Melanie Notkin.

«A opção de não terem filhos não é uma opção comum. Há muitas que simplesmente adiaram essa decisão, por diversos motivos, mas que estão disponíveis para passarem tempo com crianças», refere ainda. Neste tempo, estas tias acabam por desempenhar um papel fundamental nos afetos, mas também como influenciadoras, uma vez que através delas a expressão tempo de qualidade ganha uma dimensão real.

As tias brincam, levam os sobrinhos a diversas atividades, compram presentes e estão, de um modo geral, sempre bem-dispostas. A parte rígida da educação não lhes cabe a elas e ainda que possam desempenhar, por momentos, essa função, é tão rara que é encarada com mais leveza por parte das crianças. Conforme Sofia Gomes da Silva, 42 anos, com quatro sobrinhas entre os 5 e os 8 anos, explica, «acima de tudo quero ser a tia querida, aquela que estará sempre lá».

«Não é só mimos, mas a construção dos afetos é importantíssima. As memórias que ficam para sempre. Nos grandes momentos faço questão de participar. Uma boa cabeça tem sempre de ter um bom coração por trás», afirma. As tias são, ainda, vistas como uma referência de estilo e como conselheiras, segundo o estudo já referido. E elas próprias admitem que as crianças desempenham um papel fundamental no seu bem-estar e na sua vida, conforme diz Vanda Ramos.

«Sim, com toda a certeza, seria mais infeliz se não os tivesse na minha vida», reconhece. Uma opinião também partilhada por Ana Arez Guerreiro. «Os meus sobrinhos ocupam um lugar muito especial na minha vida e sem dúvida que contribuem para a minha felicidade», assume. Sofia Gomes da Silva comunga do mesmo espírito. «As minhas sobrinhas têm um lugar muito especial. Os dias que passamos juntas são uma felicidade completa e muito ativos», revela.

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Uma experiência interrelacional alargada

É também importante que as relações pessoais que as crianças têm saiam do seu âmbito nuclear de mãe e pai, uma vez que conviver com outras pessoas lhes permitem alargar as suas experiências interrelacionais. Isto cria nas crianças a noção de que existe muito mais no mundo do que as necessidades dos pais que se focam, amíude, nos filhos. Mais do que os valores, que as tias também incutem, há ainda tempo para brincadeiras.

Animação e diversão em doses necessariamente superiores às dos pais, mais precocupados com horários, almoços, banhos e sonos. É caso para dizer, quem tem uma tia, tem ainda mais. «Em 1976, 90 por cento das mulheres no início dos 40, já tinha sido mãe, contra 82 por cento dos nossos dias», referiu Maryanne Colin ao site Mediapost.com.

«Isto significa que, apesar de haver menos mães, há mais tias, madrinhas ou amigas íntimas que tendem a ter rendimentos superiores aos das mulheres com filhos», diz. «Enquanto os pais esticam os seus limites, as pank estão disponíveis (e felizes!) para oferecer apoio a crianças que fazem parte da sua vida, de diversas formas», acrescenta Melanie Notkin, que tem uma definição muito própria deste tipo de mulheres. «Não somos mães. Não somos amigos. Somos as tias, a mistura perfeita entre os dois», conclui.

Texto: Helena Ales Pereira com Melanie Notkin (mentora do site SavvyAuntie.com e autora do livro «The Savvy Auntie: The Ultimate Guide For Cool Aunts») e Leslie Gaines-Ross (chief reputation strategist da Webber Shandwick)