Em entrevista à agência Lusa, Eurico Reis disse não compreender a razão por que a gestação de substituição congrega tantas atenções e críticas, uma vez que esta “continua a ter como paradigma a doença”.

“Eu tenho que aceitar que há pessoas para quem tudo isto faça muita confusão e que estejam a agir por perturbação genuína. Estas pessoas estão perturbadas desde a pílula”, disse. “A pílula começou logo com a possibilidade de haver sexo que não se traduz em filhos. A Procriação Medicamente Assistida (PMA) é a possibilidade de ter filhos sem haver sexo”, referiu, afirmando aceitar que “há pessoas perturbadas e que querem defender o seu modelo de vida”.

Sobre estas, disse: “Nada tenho contra, desde que entrem no jogo democrático, eu aceito. Já me aborrece pessoas que não têm coragem de dizer abertamente que são contra e que depois utilizam todo o tipo de subterfúgios para atrasar as coisas”.

Para o presidente do CNPMA, a quem cabe decidir sobre os pedidos de gestação de substituição em Portugal, a lei que em 2016 veio alargar o acesso das técnicas de PMA aos casais de lésbicas e às mulheres sem parceira ou parceiro, que até então era só para casos de infertilidade, “constitui uma rutura muito mais forte do modelo de família dito tradicional (um homem, mulher e criancinhas) do que a gestação de substituição.

O juiz desembargador recordou que as técnicas de PMA “continuam a ser um tratamento de uma doença, mas passou a ser um procedimento para pessoas que não são doentes”, explicou.

Muita compaixão e muita solidariedade

“Acho que é extremamente engraçado - e digo isto porque me choca profundamente - que não tenha havido veto [presidencial], que a igreja católica não tenha dito uma palavra sobre este alargamento das técnicas, que altera o paradigma da PMA e da família tradicional, de uma forma extremamente radical, e toda a gente se esteja a concentrar na gestação de substituição, que é uma situação que deveria merecer muita compaixão e muita solidariedade”, afirmou.

“Há mulheres que nascem sem útero, que perdem o útero, que correm risco de vida se engravidarem e não estou a ver tanta compaixão, tanta fraternidade, tanta solidariedade como eu gostaria”, acrescentou.

Ao CNPMA chegaram, até ao momento, 99 intenções de celebração do contrato de gestação de substituição, das quais 58 de portugueses e 41 de estrangeiros.

O primeiro requerimento, que foi liminarmente admitido pelo CNPMA e que já mereceu o parecer favorável da Ordem dos Médicos, refere-se a um casal em que a mulher teve de retirar o útero por motivos de saúde, mas a sua mãe está disposta a gerar o neto.

Segundo Eurico Reis, deu entrada um outro requerimento de um casal, a quem foi solicitada mais documentação.

O CNPMA ainda não elaborou o contrato-tipo, que terá de ser assinado entre o casal e a gestante de substituição, o que aflige o juiz e causa “problemas de consciência”.

“Sei que isso implica atrasos e como a natureza é muito mazinha, quanto mais tempo passa, menor é a possibilidade de crianças nascerem”, adiantou.

Para o presidente do CNPMA, “a alternativa não é haver gestação de substituição ou não haver gestação de substituição. O desejo de ter filhos é um desejo extremamente forte, profundo. As pessoas vão correr todos os riscos”.

A alternativa, defendeu Eurico Reis, é “haver uma gestação de substituição saudável, limpa, em cima da mesa, com garantias de segurança para as pessoas e as crianças que hão de nascer, ou a gestação de substituição ilegal, feita em sítios escondidos, sem garantias de qualidade para a saúde das pessoas, sem garantias de rastreabilidade para a prevenção de doenças futuras e, pior que isso, colocando as pessoas que têm esse desejo de parentalidade nas mãos de traficantes, de criminosos, de pessoas que lucram com a miséria alheia”.

“Entre estas duas alternativas, acho que uma pessoa decente não hesita nem um microssegundo. A solução que em Portugal foi possível encontrar é uma boa solução”, concluiu.