A Assembleia da República aprovou a legislação que regula a gestação de substituição e o alargamento das técnicas de procriação medicamente assistida a todas as mulheres, expandindo ainda mais o conceito de família. O diploma legal que define os moldes em que mulheres sem útero ou com lesão e doença que impeça gravidez o podem fazer entra em vigor já no início de setembro, mas a aplicação desta técnica só deverá estar disponível no próximo ano, após regulamentação. Após essa data, o Governo ainda dispõe de 120 dias para aprovar a respetiva regulamentação.

O que foi aprovado

A gestação de substituição, situação em que uma mulher recorre ao útero de outra, implantando-se nela o seu ovócito para levar a cabo a gravidez, passa a ser um procedimento legal no caso de mulheres sem útero ou com lesão ou doença deste órgão que impeça uma gravidez de forma absoluta e definitiva. Todo o material genético terá de vir da mãe biológica e só poderá ocorrer a título gratuito. A procriação medicamente assistida passa a estar acessível a todas as mulheres e não apenas às heterossexuais, casadas e inférteis como até aqui.

O impacto legal

A decisão continua envolta em polémica. «O acesso alargado a técnicas de procriação medicamente assistida elimina fatores discriminatórios, além disso, o paradigma será alterado. Estas técnicas deixarão de ser definidas como subsidiárias para passarem a ser técnicas complementares de procriação cujos requisitos de acesso serão apenas maioridade, ausência de interdição ou inabilitação por anomalia psíquica e a prestação de consentimento informado», refere Eduarda Proença de Carvalho.

«Já a gestação de substituição terá um cariz excecional. Prevê-se ainda pena de prisão para quem retirar benefícios económicos da celebração ou promoção de um contrato de gestação de substituição», esclarece ainda a advogada.

O que muda no vínculo mãe-filho

O impacto da gestação de substituição na gestante e no bebé ainda não estão suficientemente estudados, razão pela qual o pediatra Mário Cordeiro vê a medida com reservas. «A psicologia cada vez mais descobre a importância da relação mãe-filho nessa estadia intrauterina, nos dois sentidos. Se a gestante cria laços de afeto com o bebé, que teve nove meses na barriga, pode ser devastador cedê-lo à mãe biológica, como perder um filho», refere.

«Mas, se não investe no bebé e se distancia, temos uma gravidez gélida e o bebé terá uma gestação infeliz», adverte Mário Cordeiro. «Com tantas crianças para adotar, seria desnecessário criar as barrigas de aluguer», acrescenta ainda. Já no que toca à procriação medicamente assistida por mães solteiras, «claro que o ideal é ter um polo pai e um polo mãe, mas as crianças desenvolvem depois esses polos e a situação não é, à partida, de risco», considera.

Os aspetos ainda por definir

Um deles prende-se com os direitos e deveres da gestante. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida emitiu um parecer favorável  às barrigas de aluguer desde que seguidas algumas recomendações, que podem ser implementadas em fase de regulamentação, nomeadamente, atribuir à gestante de substituição o direito de poder, a qualquer altura, revogar o consentimento e ficar com o bebé. A regulamentação deverá ainda definir questões como quem decide se a gravidez prossegue ou não em caso de má formação do feto e os direitos e deveres da gestante.

Texto: Bárbara Bettencourt com Eduarda Proença de Carvalho (advogada) e Mário Cordeiro (médico pediatra)