Perto de 200 crianças e jovens mantêm-se desde 2011 em situação de acolhimento sem projeto de vida, dois terços dos quais com o diagnóstico da situação sócio familiar por realizar, segundo o relatório das comissões de proteção de menores.

 

São 191 crianças e jovens (285 em 2011) que estavam nesta situação em 2012, refere o Relatório Anual da Atividade das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), que é hoje debatido na Comissão de Segurança Social e Trabalho, com a presença de presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro.

 

A maioria (55%) tem entre 12 e 17 anos e 27% entre seis e 11 anos. Dois terços (124) têm o diagnóstico da situação sócio familiar por realizar, sendo que apenas 14% (27) têm diagnóstico efetuado sem plano de intervenção ainda definido.

 

“Esta é, sem dúvida, a categoria que mais nos deve preocupar”, porque são “crianças que iniciaram um acolhimento nunca depois de 2011 e que se mantêm acolhidas sem que as equipas técnicas que as acompanham conheçam a respetiva situação sócio familiar”, disse à Lusa Marta San-Bento, do Observatório Permanente da Adoção e ex-técnica das comissões de proteção.

 

Esta situação “não significa apenas que não é possível definir-lhes um projeto de vida e que se está a negar às crianças, designadamente, o direito elementar a ser avaliada a possibilidade de retorno ao meio familiar de origem, quando exista”. Também mostra “a ausência efetiva de investimento no próprio processo de integração e acolhimento da criança”, sublinhou a técnica.

 

O relatório refere como “principais entraves” à definição dos projetos de vida, “a inexistência ou dimensionamento insuficiente das equipas técnicas das instituições (52%) e “dificuldades de articulação” entre estas equipas e as equipas técnicas que acompanham a execução da medida de promoção e proteção (12%).

 

“Se é verdade que a insuficiência de técnicos é uma realidade dificilmente ultrapassável na atual conjuntura económica, já a deficiente articulação entre as equipas técnicas não pode justificar a indefinição de projeto de vida”, disse Marta San-Bento.

 

As dificuldades de articulação entre as equipas sugerem “situações de discórdia” relativamente ao projeto de vida da criança e vão adiando a decisão.

 

"Não são estas equipas quem, em última análise decidem. São peças fundamentais, mas instrumentais”, justificou, questionando qual tem sido o papel do tribunal e das CPCJ, que têm de reavaliar a medida de proteção semestralmente.

 

Para Marta San-Bento, a indefinição do projeto de vida representa “um compasso de espera no sucesso da intervenção, podendo mesmo comprometê-lo”.

 

Apesar do sistema “proteger no imediato” a criança, ao garantir-lhe os “direitos mais elementares”, “falhará redondamente o objetivo da promoção do direito fundamental da criança a viver em família”.

 

“Dependendo das idades das crianças” e do tempo que perdurar esta indefinição, “as consequências podem ser mais ou menos drásticas, porque gravosas serão sempre”, alertou.

 

As crianças até aos três anos serão “muitíssimo prejudicadas”, porque é “o próprio processo de desenvolvimento que, numa fase crucial da vida, se vê comprometido”.

 

“Estas crianças precisam urgentemente de retomar ou criar um vínculo com uma família e quanto mais tempo passar, mais prejudicado também será o sucesso desta vinculação”, sublinhou.

 

Nas crianças mais velhas, é devastador “a incerteza quanto à concretização daquilo que aspiram como projeto de vida”.

 

“Seria muito importante” a monitorização próxima destas situações pelo Ministério Público junto das CPCJ para que não passe apenas pelo controle das obrigatórias revisões semestrais da medida de acolhimento.

 

Lusa