O maior estudo de sequenciação de ADN da anorexia nervosa associa o distúrbio alimentar a variantes de um gene que codifica para uma enzima que regula o metabolismo do colesterol. A descoberta sugere que a anorexia pode ser causada, em parte, por uma interrupção no processamento normal de colesterol, o que pode perturbar o humor e o comportamento alimentar.

 

«Estes resultados apontam para uma direção que provavelmente ninguém teria considerado analisar antes», afirma Nicholas Schork, professor do Instituto de Investigação Scripps, nos EUA. Nicholas Schork é o investigador sénior do estudo multicêntrico, que foi agora publicado na revista Molecular Psychiatry.

 

A anorexia afeta maioritariamente indivíduos do sexo feminino e tem uma taxa de mortalidade estimada igual ou superior a 10 por cento, o que a torna na mais mortal das doenças psiquiátricas.

 

Os anoréticos restringem severamente a ingestão de alimentos e apesar de ficarem emaciados, continuam a ver-se como sendo gordos. Pessoas que sofrem de anorexia nervosa tendem a ser perfecionistas, ansiosos ou deprimidos, e obsessivos, refere Walter Kaye, co-autor do estudo e professor na Universidade da Califórnia.

 

Ainda não está completamente compreendida a forma como a doença se desenvolve

A anorexia afeta predominantemente meninas e mulheres jovens (estima-se que a proporção entre mulheres e homens afetados seja de 10:1) e parece ser influenciada, em parte, por fatores culturais, stress, redes sociais e puberdade. No entanto, estudos com gémeos sugerem que fatores genéticos têm a maior influência.

 

O grande mistério tem sido: quais são os fatores genéticos? Estudos de associação genética da anorexia têm produzido, até agora, poucos resultados replicáveis. Os investigadores suspeitam que muitos genes podem contribuir para a doença e, portanto, apenas grandes estudos (com um número elevado de indivíduos participantes) terá poder estatístico para detetar tais influências genéticas individuais.

 

Para este projeto – o maior estudo de sempre de sequenciamento da anorexia – recorreu-se a informações genéticas de mais de 1.200 doentes com anorexia e cerca de 2.000 indivíduos de controlo (indivíduos sem anorexia).

 

Para um estudo inicial de «descoberta» em 334 doentes, os investigadores catalogaram as variantes de um grande conjunto de genes que já haviam sido associados a comportamentos alimentares ou que já tinham sido marcados em estudos anteriores. De mais de 150 genes possíveis, apenas uma ínfima parte mostrou sinais estatísticos de uma associação com a anorexia neste grupo de indivíduos.

 

Um dos mais fortes sinais veio do gene EPHX2, que codifica para a hidrolase 2 – uma enzima conhecida por regular o metabolismo do colesterol. «Quando vimos isto, pensámos que poderíamos estar a descobrir algo, uma vez que ninguém havia relatado esse gene como tendo um papel acentuado na anorexia», disse Nicholas Schork.

 

De seguida, a equipa continuou com vários estudos de replicação, cada utilizando uma coorte diferente de doentes e controlos de anorexia, assim como métodos diferentes de análise genéticas. Os cientistas continuaram a encontrar evidências de que certas variantes do gene EPHX2 ocorrem com maior frequência em pessoas com anorexia.

 

Para ajudar a dar sentido a estes resultados, foram analisados os dados obtidos a partir de um estudo de doença cardíaca em larga escala e de longo prazo e determinaram que um subconjunto de variantes de EPHX2 tem o efeito de alterar a relação normal entre aumento de peso e níveis de colesterol.

 

 

Como as variantes do gene afetam a relação entre anorexia e colesterol

«Pensámos que, com mais estudos, esta descoberta do EPHX2 poderemos continuar a encontrar evidências que sugerem que desempenha um papel importante na anorexia», afirma Nicholas Schork.

 

Ainda não é evidente como é que as variantes do EPHX2 que causam um metabolismo anormal de colesterol ajudariam a despoletar ou a manter a anorexia. Mas a equipa de investigação observou que as pessoas com anorexia têm frequentemente níveis extremamente elevados de colesterol no sangue, apesar de estarem severamente desnutridas.

 

Além disso, tem havido sugestões de outros estudos que a perda de peso, por exemplo, em pessoas com depressão, pode levar ao aumento dos níveis de colesterol.

 

Ao mesmo tempo, há evidências de que o colesterol, um elemento básico na construção de células, em particular no cérebro, tem uma associação positiva com humor. É concebível que alguns anoréTicos, por razões genéticas, podem sentir uma melhoria do humor, via níveis mais elevados de colesterol, por não comerem.

 

«A hipótese seria a de que, em alguns anoréTicos o metabolismo normal de colesterol é interrompido, o que poderia influenciar o seu humor, bem como a sua capacidade para sobreviver, apesar da grave restrição calórica», disse Nicholas Schork.

 

 

Maria João Pratt