“Existem vários tipos de pai. Desatentos, inseguros, dedicados, ocupados, atrasados, estressados, agitados, brincalhões. Há pais que fazem tudo, e há pais que não fazem nada.” Este é apenas um pequeno excerto dos vários textos que Marcos Piangers escreveu sobre o tema da paternidade e que fazem parte de ‘O Pai é Top’: um livro que funciona como uma espécie de fotografia dos primeiros anos de vida de Aurora, agora com 4 anos, e Anita, com 11.

Apesar da relação de grande proximidade que tem com as filhas, o jornalista e humorista brasileiro conhece bem a outra face da moeda: é filho de mãe solteira e nunca conheceu o pai biológico. Mas nem a sua história de vida, que é uma realidade bastante comum no Brasil, o impediu de querer abraçar o desafio da paternidade. Mas como é que se aprende a ser pai sem nunca se ter tido um perto?

“Aprende-se a ser pai sendo. Aprende-se a ser pai querendo participar, não ignorando os momentos bonitos e trabalhosos da paternidade”, começa por explicar Marcos Piangers em entrevista ao SAPO Lifestyle. “Eu defendo que seria um pai muito melhor e não teria errado tanto quanto errei se tivesse tido um pai presente. A forma de eu aprender foi a vida e sobretudo a minha mulher e as próprias meninas me puxando a orelha e me ensinando a ser pai.”

Marcos Piangers: “Quer a felicidade do seu filho? Seja um homem e um marido mais presente”
créditos: Gisa Sauer

Num país onde o abandono é descrito pelo comunicador como um “problema crónico”, Piangers é uma exceção à regra tendo conseguido quebrar um ciclo de abandono e desvinculação familiar que se perpetua de geração para geração. “No Brasil ter pai é um luxo. Mais de 60% das mulheres que têm parto pelo sistema público de saúde não têm o apoio do pai do seu filho. E essas crianças posteriormente abandonam os seus filhos porque não têm referencial. E os pais que não abandonam estão lá mas não estão. É aquele pai que chega e diz não para tudo. É um pai que acha que o seu papel é pagar as contas e ser duro com os filhos. É um pai que se priva da possibilidade de participar.”

Para o autor esta falta de participação, de afeto e envolvimento no crescimento dos filhos deve-se aos estereótipos de género impostos pela sociedade e ao tipo de educação que os jovens recebem por parte da família. “Ao contrário da mulher, o homem não é muito incentivado a ser pai. Ele é treinado para pagar as contas, ser bem-sucedido, para realizar alguma coisa e conquistar mulheres. Muitos deles não sabem que existe uma outra opção. Há uns dois meses eu dei uma palestra no Brasil. Eram mil pessoas e no final eu abri para as pessoas falarem e um velhinho pegou o microfone, começou a chorar e disse: ‘Eu fui esse homem a minha vida toda. Eu fui o homem que nunca disse eu te amo para a minha mulher nem para os meus filhos. O que você está-me falando é uma coisa nova que eu nunca tinha ouvido’. Então me parece que um dos discursos do livro é essa possibilidade do homem poder descobrir uma nova vida mais próxima dos filhos. E me parece que a nova geração de pais quer-se libertar desta prisão de simplesmente pagar as contas para poder participar.”

Uma relação mais próxima e participativa que também começa a estar presente cada vez mais na vida das famílias portuguesas. De acordo com o “Estudo sobre a paternidade” realizado pela Dodot, 88% dos pais portugueses - com filhos entre os 0 e os 4 anos - realizam tarefas de cuidado do bebé diariamente. Brincar, mudar as fraldas, dar de comer e colocar os filhos a dormir são algumas das principais atividades desempenhadas pelos progenitores no seu dia a dia. Outro dado importante prende-se com a licença parental atualmente usufruída por 84% dos pais portugueses. Recorde-se que em Portugal, o pai tem direito a 15 dias úteis obrigatórios nos 30 dias seguintes ao nascimento do filho. No Brasil, são apenas três.

“A minha briga é para o homem entender que se a mulher está sozinha tomando conta dos filhos, a mulher vai estar infeliz, se a mulher está infeliz o relacionamento vai estar infeliz, se o relacionamento vai estar infeliz o seu filho vai estar infeliz. Então quer a felicidade do seu filho? Seja um homem e um marido mais presente em casa. É muito óbvio esse caminho, difícil é o homem se autoavaliar e dizer: ‘Realmente preciso melhorar’. Oiço muitos homens dizendo ‘Não posso me anular’ mas a mulher pode? No Brasil ainda tem uma visão muito machista.”

Ser pai: a melhor profissão do mundo

Questionado sobre aquilo que mais gosta na profissão de pai e na dinâmica que tem com cada uma das suas filhas, Marcos Piangers não tem dúvidas: a aprendizagem constante. “A minha perceção é que a gente fica mais sensível, gentil, mais humano, mais criativo. A gente vira um ser humano melhor quando é pai”, começa por explicar com um sorriso de orelha a orelha.“As pessoas têm essa visão de que os adultos são os donos da verdade e as crianças têm que ouvir o que os adultos falam. A minha teoria é completamente oposta. Nós entramos num formato que nos foi imposto e como uma criança não definiu esses atalhos, ela é mais propensa a trazer novas definições e soluções mais criativas do que um adulto conseguiria. Eu me torno uma pessoa e um profissional melhor. Nestes dias fiz uma pergunta para a minha filha mais velha e ela disse: ‘Ah espera aí que eu vou ver no Google’. E eu disse: ‘Ah Google não pode. Você tem de saber isso.’ E ela respondeu: ‘Pai é que eu divido a minha inteligência com o Google. Metade metade’.”

O pai é top livro

Foram momentos como este que levaram este pai, oriundo de Florianópolis, a pegar no papel e na caneta e começar a registar alguns dos momentos mais marcantes desta nova fase da sua vida. O que primeiro começou com frases soltas e desenhos, depressa se transformou em textos íntimos sobre momentos do dia-a-dia que dividia com a mulher e as filhas. Foi após a publicação de alguns textos num suplemento focado na educação que surgiu o convite de editar o ‘Pai é Pop’ (2015) no Brasil. Ao contrário das suas expectativas, o livro vendeu mais de 100 mil exemplares e Piangers tornou-se uma referência no panorama brasileiro.

“Não tinha pretensão de muitas pessoas lerem o livro até porque no Brasil o facto de existir um pai presente numa família é um assunto pouco falado e revolucionário. Mas o livro explodiu e começou uma discussão sobre a presença do pai na vida dos filhos.” Com o sucesso veio a responsabilidade social e as histórias inquietantes dos fãs que se revêem não só nos seus textos como na sua história de vida. Apesar das centenas de mensagens que recebe diariamente – e às quais faz questão de responder pessoalmente – esclarece. “Não estou aqui para ensinar pois não sou pedagogo, psiquiatra, psicólogo ou professor. Eu só conto algumas histórias e reflexões que aprendo com a Aurora e a Anita.”

Devido ao facto de a sua profissão o permitir trabalhar a partir de casa, o humorista tem a sorte de poder passar mais tempo com as filhas e acompanhar o seu crescimento. Algo que para muitos pais é impossível de fazer devido à sua situação profissional e que, em muitos casos, acaba por dar origem a um sentimento comum entre os pais modernos: a culpa.

Marcos Piangers: “Quer a felicidade do seu filho? Seja um homem e um marido mais presente”
créditos: Cláudio Fonseca

“A gente é a geração dos pais com culpa. O pai moderno tem uma preocupação de trabalhar muito para ter o máximo de dinheiro para poder dar o máximo para a família. Eu percebo que os pais tenham muita culpa em relação a tudo mas você tem de fazer alguma para que essa culpa não exista.” Para Piangers parte da solução passa por querer mudar e organizar a vida para que isso seja possível. “Eu tirei cerveja com os amigos, tirei um pouco de sono, tirei algumas reuniões longas demais no escritório. Comecei a explicar para os meus colegas que não poderia participar de reuniões de uma hora, às 18h da tarde, porque tenho que estar com a minha família. E no geral as pessoas são compreensivas.”

Mas com isto o autor não quer dizer que os pais se privem de ter tempo a dois e se anulem em função dos filhos. O importante é encontrar uma dinâmica que funcione no que diz respeito às tarefas que cada um desempenha dentro do seio familiar. “A gente percebeu que sou eu que faço esse trabalho de dar banho, janta, brincar e botar para dormir. E que depois podia ser o nosso horário de ver um filme e conversar. Acho que com o distanciar da intimidade você começa a tratar mal a outra pessoa.”

Apaixonado por crianças, o sonho do jornalista, cuja TED Talk "Do que as minhas filhas precisam" conta com 15 milhões de visualizações, é ter uma filha a cada sete anos. Um desejo que deverá tornar-se realidade através da adoção. Mas com o desejo de ter uma família numerosa também surgem as inquietações e medos próprios dos pais. “Por morar num país muito violento como o Brasil, tenho o medo óbvio de perdê-las. Fora isso, seria a incapacidade delas, como mulheres, não serem o que podem ser. Mas me deixaria muito frustrado imaginar que elas são menos do que elas podem ser porque aceitaram ser menos. Tudo o resto é bobagem.”

Mas então qual será o segredo para ser um pai top? “Eu sempre digo que para ser um pai top o primeiro passo é ser um marido top. O homem esquece de valorizar a mulher, acha que ela está sempre aqui à disposição. É um erro muito grande. Mas a primeira coisa é querer ser um marido top e depois você vai ser um pai presente: participando, olhando no olho do filho e não para o celular. Quando o seu filho falar com você ouve, responde, processa, anota. Isso é um pai top, que está lá de verdade.”