Cristela e Estela são apenas duas das mais de 16 mil docentes que dão aulas no ensino básico e secundário e têm contratos de trabalho precários, segundo dados avançados hoje pela Federação Nacional de Professores (Fenprof).

Na sede da Fenprof, Cristela Rodrigues e Estela Esteves deram o seu testemunho para mostrar as dificuldades da profissão docente, de que ambas admitem ter equacionado desistir.

Cristela Rodrigues tem 35 anos e nos últimos doze deu aulas em escolas do Porto, Leiria, Covilhã, Coimbra ou Madeira.

Quando entrou em vigor a nova legislação (conhecida por norma-travão), que veio obrigar à integração nos quadros dos docentes com mais de cinco contratos anuais e consecutivos, Cristela Rodrigues não foi abrangida por uma questão de 12 dias.

“Como estive 12 dias sem dar aulas no ano letivo de 2012/2103 perdi o direito ao quadro”, disse a docente, explicando que ao contrário de colegas que ficaram colocados a 31 de agosto, Cristela só ficou a 12 de setembro. Esses doze dias fizeram-na perder o direito a uma vida mais estável.

“Eu sei que há vaga para mim nas escolas, porque há sempre uma turma todos os anos. Mas nunca sei onde vou parar. É uma grande instabilidade. Sei apenas que no dia seguinte posso ser colocada no Algarve”, desabafou a professora de educação física que diz ainda não ter embarcado no projeto de ter filhos por causa desta situação laboral.

Já Estela Esteves, 47 anos, tem um filho de 18 anos e admite que sofre por não ter conseguido acompanhar o seu crescimento de perto. A docente de Português/Francês e Educação Especial é contratada anualmente para dar aulas há 19 anos.

No caso de Estela, a norma travão também não se aplicou porque houve anos em que ficou colocada a dar aulas de Português, outros para ser professora de Francês e, outros ainda, como docente de Educação Especial.

O diploma define que entram para os quadros quem tem cinco contratos anuais consecutivos no mesmo grupo de recrutamento.

“Como tenho formação nas três áreas, trabalho nas três. Mas se estou há 19 anos a dar aulas é porque sou necessária no sistema”, disse a docente, que já ficou colocada em Pombal, Pampilhosa da Serra, Guarda, Gouveia e agora está em Proença-a-Nova, apesar de a família viver em Viseu, a 200 quilómetros de distância.

“Saio de casa às segundas e só regresso na quinta. A primeira vez que fiquei fora de casa o meu filho tinha oito anos, só os vejo aos fins-de-semana”, lamentou a professora, que diz passar a vida “com o saco às costas”.

No total, segundo dados da Fenprof, existem em Portugal cerca de 53 mil docentes precários a dar aulas no ensino público e no privado, desde o pré-escolar ao ensino superior.

“Um em cada quatro docentes está em situação precária”, sublinhou o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, referindo-se aos casos de contratos que se eternizam, mas também aos falsos recibos verdes ou aos docentes que vivem constantemente com ordenados em atraso.

O caso mais mediático de professores com salários em atraso são os do ensino artístico e especializado: “Neste momento a situação dos salários está regularizada, mas a precariedade não”, alertou Mário Nogueira, denunciando os casos de docentes que são contratados por apenas dez meses, porque “quando chega o mês de junho são postos na rua e só são contratados novamente em setembro”.

Segundo estimativas da Fenprof, entre os quatro mil docentes das 120 escolas particulares e cooperativas de ensino artístico especializado, cerca de 2.700 são precários.

Mário Nogueira alertou ainda para a “autêntica selva” em que vivem os professores que são contratados, por autarquias e empresas privadas, para as Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC).

No país, existem mais de 12 mil docentes a desempenhar funções nas AEC que são contratados com salários muito variados, “que vão desde os cinco aos 12 euros [por hora]”.

Além dos baixos ordenados, Mário Nogueira fala nos atrasos nos pagamentos, dando como exemplo o caso “do concelho de Santarém, onde, ainda no mês passado, nenhum professor de AEC tinha recebido desde o início no ano”.