"Os meus pais consolaram-me quando dei à luz a minha primeira filha", lembra Ani, de 27 anos, que vive na capital, Erevã. "Mas quando a minha segunda filha nasceu, a minha sogra disse-me que não devia ter mais. Que devia dar um filho ao meu marido", acrescenta.

Nesta ex-república soviética do Cáucaso, onde o apego aos valores tradicionais se mantém forte, muitas famílias preferem um filho homem. E a preferência é tal que a Arménia tem a terceira maior taxa de abortos seletivos do mundo, um número que aumentou drasticamente desde a dissolução da União Soviética.

O Fundo de População das Nações Unidas (FPNU) registou uma média de 114 meninos para cada cem meninas em 2012, enquanto o "natural" seria de 102 para 106 meninos.

Segundo a organização, os abortos seletivos motivados pelo sexo do beé  são particularmente frequentes a partir do segundo filho e representam 1.400 gestações interrompidas por ano num país de pouco mais de 3 milhões de pessoas.

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"Dentro de dez ou vinte anos, estaremos diante de um défice de mulheres, o que, combinado com um declínio dramático da taxa de natalidade, conduzirá a uma crise demográfica séria", advertiu, preocupado, Garik Hairapetian, representante da Arménia no FPNU.

"Até 2060, 100.000 mães em potencial não vão nascer na Arménia. Ter-nos-emos tornado numa sociedade de homens solteiros", acrescentou.

A Arménia só perde para a China, que pôs fim à sua política de filho único no ano passado, e para o vizinho Azerbaijão, onde 53% dos recém-nascidos eram meninos no primeiro trimestre de 2016, segundo dados oficiais.

Alguns especialistas relacionaram esta tendência entre os dois rivais do Cáucaso à sua disputa territorial da região de Nagorny-Karabaj, sugerindo que esta daria um clima de insegurança e uma necessidade de "defensores da pátria" masculinos.

Mas as Nações Unidas atribuem o défice de mulheres às "estruturas patriarcais" que prevalecem nos dois países, a uma tendência de querer unicamente uma família reduzida e o acesso estendido às ecografias e aborto.

Como acontecia na era soviética, o aborto continua a ser o principal método de controlo da natalidade na Arménia, onde o procedimento é gratuito nos hospitais públicos.

Neste verão, os deputados arménios aprovaram uma lei destinada a inverter esta tendência, obrigando os médicos a perguntar às mulheres que desejarem abortar as suas razões e a recusar o procedimento se este estiver relacionado com o sexo do feto.

A lei proíbe também os abortos posteriores a doze semanas, exceto quando a saúde da mãe estiver em risco, quando a gravidez for fruto de violação ou que se trate de mãe solteira.

As ONGs arménias que defendem os direitos das mulheres criticam estas medidas e afirmam que estas fomentam abortos ilegais e perigosos.

"Se restringirmos os abortos legais, haverá mais abortos clandestinos e uma taxa de mortalidade feminina mais importante", destacou Anouch Poghossian, do Centro de Recursos para as Mulheres. "Devemos ocupar-nos com a origem do problema, a mentalidade patriarcal e a pobreza estendida, e não de suas consequências", explicou à agência de notícias France Presse.

Segundo Poghossian, "se homens e mulheres tivessem as mesmas oportunidades, se as mulheres pudessem ter tanto sucesso e ser tão independentes financeiramente quanto os homens, nenhum pai teria que escolher entre ter um menino ou uma menina".

Pelo menos, o problema trazido por estes abortos seletivos, abordado enormemente pelos média nos últimos meses, permitiu abrir um debate sobre as causas do fenómeno, segundo Hairapetian. "O paradoxo da sociedade arménia é que muita gente não quer uma filha antes que nasça, mas, uma vez nascida, é tão querida e mimada como um menino", explicou.