Estima-se que em Portugal haja 500 mil casais inférteis que anseiam por um filho e sem recursos para se tratarem em clínicas privadas. A maioria, aliás, continua à mercê das disponibilidades de bancos de óvulos no estrangeiro que estão longe de corresponder às necessidades e às expectativas dos futuros pais.
Perante este quadro, o ministério da saúde avançou com duas medidas neste primeiro trimestre: autorizou o Centro Hospitalar do Porto a criar um Banco Público de Gâmetas (óvulos e espermatozóides), financiado por verbas do Serviço Nacional de Saúde e, ainda esta semana impôs um limite para a compensação monetária atribuída às mulheres dadoras de óvulos e aos homens dadores de espermatozóides, 600 e 40 euros respectivamente.
Fernando Oliveira da Associação Portuguesa de Fertilidade, instituição criada em 2004 e que conta com 3 mil associados, referiu ao Sapo família que "o principal contributo desta medida não consiste tanto no valor que se paga às dadoras e dadores, mas sim no facto de, após inúmeras promessas e adiamentos, estar finalmente em vias de se concretizar um banco público de gâmetas. A existência deste banco poderá assim completar o conjunto de valências necessárias para a realização, no Serviço Nacional de Saúde, de todas as alternativas de tratamento permitidas pela Lei. A imposição de valores de referência pretende garantir o carácter gratuito da dádiva e, de algum modo, controlar uma deriva mercantilista na captação de dadoras, eventualmente a própria diferenciação (social e económica) entre dadoras".
O secretário de Estado da Saúde, Manuel Pizarro, explica a compensação monetária: "O despacho da ministra é um limite para essa compensação de modo a que os bancos de colheita de gâmetas possam evitar situações de eventual abuso. O limite máximo está calculado, no caso da doação de óvulos, em uma vez e meia o indexante de apoios sociais, e no caso da doação de espermatozóides em um décimo desse indexante".
Para Carlos Calhaz-Jorge, presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina da Reprodução há uma outra questão que está subjacente: "Tornando oficial e transparente o processo poderá contribuir para a adesão de mais dadoras. Aliás, só o falar-se no tema já poderá contribuir para uma consciencialização por parte de jovens eventualmente interessadas em ajudar casais com o problema".

Mais dadoras: sim ou não?

Os profissionais de saúde acreditam que com a abertura do banco público de gâmetas que integra a maternidade Júlio Dinis e os hospitais de Santo António e Maria Pia entre Abril e Maio deste ano, o número de dadoras possa aumentar e, muito embora o secretário de Estado releve a questão financeira, esta pode constituir um incentivo para as mais indecisas ou carenciadas.
Segundo a APFertilidade, um por cento dos bebés nascidos em Portugal (cerca de 1.000) resultam de técnicas de Procriação Medicamente Assistida, mas não se sabe, com precisão, quantos são com gâmetas.
Com o alargamento das estruturas do PMA em 2008, altura em que o programa do governo foi lançado, foram realizados 2600 ciclos de fertilização in vitro e injecção intracitoplasmática de espermatozóides no sector público em 2010 face a 1700 realizados em 2006.
Não existem dados concretos sobre a doação, mas o professor Calhaz-Jorge refere que “dada a facilidade da dádiva masculina, é óbvio que há mais dadores masculinos. E também são mais frequentes as situações clínicas de necessidade de recurso a esperma de dador do que a óvulos de dadora”.
Com tantos casais a querem ser pais e não poderem, o dirigente da APFertilidade alerta para os vários aspectos que estão a condicionar o nosso sistema a este nível: "O acesso aos tratamentos, e o próprio aumento do número de casais que precisam de recorrer à Procriação Medicamente Assistida (PMA), têm esbarrado com obstáculos que vão desde a pressão do emprego, à longa escolarização, ao adiamento da maternidade, a dificuldades económicas e, sobretudo, à falta de políticas activas de apoio à família, como por exemplo os abonos e a licença de maternidade, entre outros factores. Para além disso, e já no plano dos tratamentos, existe uma crescente dificuldade do Sistema Nacional de Saúde em cumprir, dentro de um prazo razoável, os tratamentos pagos pelo Estado, além de os prazos de espera entre consultas ser demasiado longo".
Actualmente a infertilidade afecta entre cinco e 15 por cento dos casais em idade fértil, pelo que estas medidas poderão alavancar os resultados. Mas será que a sociedade portuguesa ainda é tradicionalista no acto de doar óvulos e espermatozóides? "Pela experiência da APFertilidade, as pessoas são mais desinibidas nas suas práticas e experiências pessoais do que a versão institucional e política por vezes dá a entender. De facto, registamos um maior conservadorismo ao nível institucional do que pessoal. No entanto, há ainda trabalho importante a realizar a nível da informação e do aconselhamento de casais que recorrem à doação de gâmetas", refere Fernando Oliveira.
Para Carlos Carlos Calhaz-Jorge “Há um conservadorismo muito marcado na nossa cultura mas também existe uma grande generosidade em relação aos problemas dos doentes. E a infertilidade conjugal é uma doença. Quanto à aplicação destas técnicas fora do contexto de infertilidade conjugal não há noções concretas da receptividade social, mas essa é também uma área cujos conceitos têm mudado muito nos últimos anos".
A grande questão é mesmo esta e a resposta é pessoal e intransmissível: você doaria os seus óvulos?