A violência está presente na vida das crianças de todo o mundo, independentemente de fatores como cultura, religião, etnia ou estatuto económico-social, mas sempre com “consequências imediatas e de longo prazo”, alerta a Unicef.

 

O relatório “Hidden in plain sight” (Escondido à vista de todos), divulgado na quinta-feira, baseia-se em dados de 190 países e é apresentado pela agência das Nações Unidas para a infância como “a maior compilação de dados feita até hoje sobre a violência contra as crianças”.

 

O resultado “são factos inquietantes – que nenhum governo, pai ou mãe gostaria de ver”, resume o diretor executivo da Unicef, Anthony Lake, no comunicado enviado à imprensa.

O estudo analisa “os efeitos duradouros e, muitas vezes, intergeracionais, da violência”, concluindo que as crianças violentadas “têm maior probabilidade” de dificuldades de aprendizagem, desemprego, pobreza, depressão e repetição do padrão de violência.

 

Em todo o mundo, um quinto das vítimas de homicídio são crianças e adolescentes. “Só em 2012, quase 95 mil menores de 20 anos foram vítimas de homicídio”, sendo “a primeira causa de lesões e morte”. Em países como Brasil (11 mil crianças assassinadas em 2012), Nigéria e Venezuela, o homicídio é “a principal causa de morte em indivíduos do sexo masculino dos 10 aos 19 anos”, exemplifica a Unicef.

 

A violência contra as crianças assume também um cariz sexual, com uma em cada dez menores de 20 anos a ser sujeita a atos sexuais forçados em todo o mundo.

 

Simultaneamente, uma em cada três jovens mulheres entre os 15 e os 19 anos são vítimas de violência emocional, física ou sexual por parte dos próprios parceiros, percentagem que não é de estranhar quando “perto de metade” delas acha justificável "que um marido bata na mulher em determinadas circunstâncias”.

 

Em Timor-Leste, este número está mesmo acima dos 80 por cento, de acordo com o relatório, que cita ainda Moçambique, onde mais de 70 por cento das jovens entre os 15 e os 19 anos referiram o atual ou anterior marido ou parceiro como autor de violência física de que foram alvo.

 

O relatório diz que “mais de um em cada três estudantes com idades entre os 13 e os 15 anos, em todo o mundo, são regularmente vítimas de ‘bullying’ na escola”. Por outro lado, quase um terço dos alunos de 11 a 15 anos na Europa e América do Norte relatam ter estado envolvidos em atos de ‘bullying’ contra outros.

 

Já no que às famílias diz respeito, a Unicef refere que, em 58 dos países analisados, quase um quinto das crianças é submetido a “castigos físicos severos”, o que se coaduna com o facto de “três em cada dez adultos” em todo o mundo acreditarem que “o castigo físico é necessário para educar corretamente uma criança”.

 

O relatório não se limita a descrever um cenário dramático, apresentando também estratégias para prevenir e eliminar a violência contra as crianças, entre as quais reforçar os sistemas judiciários, penais e sociais e recolher dados que comprovem os seus “custos humanos e socioeconómicos”. A violência contra as crianças “afeta todo o tecido da sociedade”, vinca Anthony Lake.

 

A Unicef reconhece que, na última década, a consciência da dimensão e do impacto da violência contra crianças aumentou. “No entanto, o fenómeno continua muito pouco documentado e reportado”, reconhece, lamentando que "algumas formas de violência contra crianças" sejam "socialmente aceites”.

 

Por outro lado, “muitas vítimas são demasiado jovens ou demasiado vulneráveis para denunciarem um abuso”, acrescenta a Unicef, apontando o dedo aos sistemas de proteção.

 

“Um número elevadíssimo de crianças não recebe proteção adequada contra a violência”, denuncia, recordando que “a maioria da violência contra crianças ocorre às mãos das pessoas que têm a responsabilidade de cuidar delas”.

 

Ao mesmo tempo, “as crianças são também frequentemente privadas da proteção de que precisam e merecem por parte do Estado”, aponta a Unicef, lembrando que “apenas 39 países em todo o mundo protegem legalmente as crianças de todas as formas de castigos corporais, incluindo em casa”.


Apesar de a violência contra crianças ser “generalizada”, a Unicef acredita que “não é inevitável”, deixando um apelo: “Pôr-lhe fim é da responsabilidade de todos.”

 

Por Lusa