Ruth cresceu no México mergulhada numa seita poligâmica fundada pelo pai, na qual foi abusada sexualmente pelo padrasto e onde viu a mãe e irmãos morrerem à sua frente.

A história é contada pela BBC. A autora do livro é 39ª de 42 filhos de Joel Lebaron e a sua mãe era uma das nove mulheres deste homem. Ruth nunca chegou, no entanto, a conhecer o pai. Lebaron foi assassinado quando Ruth tinha três meses de vida, em 1972. "Ele era uma espécie de figura mitológica", explica.

Viviam todos numa colónia fundada no México. Tudo o que Ruth sabe sobre o pai foi-lhe contado quando era pequena. Segundo ela, o pai acreditava que era "o escolhido", o profeta responsável por ajudar a comunidade a desenvolver-se. O tio paterno Ervil também fez parte da seita durante 20 anos, mas um desentendimento entre os dois ditou o fim do relacionamento entre os irmãos.

A ruptura aconteceu, diz ela, quando Ervil passou a considerar-se o único profeta, tentando convencer os discípulos de Joel de que ele era uma farsa. Esses seguidores acabaram por assassinar o pai de Ruth.

Poucos anos depois, a mãe de Ruth voltou a casar com um dos discípulos de Joel, de quem passou a ser a segunda mulher ─ o homem, que já tinha quatro filhos, teve outros seis com a mãe de Ruth. A família, conta ela, tinha uma condição financeira difícil e era sustentada pelo dinheiro que a mãe recebia do seguro social norte-americano. A casa era simples, ainda em obras, com apenas dois quartos, e as crianças dormiam juntas num dos compartimentos.

Ruth lembra que conseguia ouvir o barulho do vento e que passava frio nos dias de inverno. As lembranças que tem do padrasto não são boas: era um homem conflituoso e agressivo. Segundo Ruth, a mãe aceitava esse tipo de comportamento e não costumava questioná-lo porque achava que as mulheres deveriam viver subordinadas ao poder dos homens.

Abusos sexuais

Depois de um brutal espancamento de que foi vítima, a mãe de Ruth decidiu voltar para os Estados Unidos com os filhos, onde viveram apenas dois anos. O regresso ao México ditou o início dos abusos sexuais de Ruth perpetrados pelo padrasto.

Aos 14 anos, a autora teve de abandonar a escola para ajudar a tomar conta da casa e das crianças da família. Foi quando ela assistiu a uma das experiências mais aterradoras da sua vida: num dia chuvoso, os seus dois irmãos morreram eletrocutados numa cerca. A mãe foi a correr para tentar salvar os filhos. Ruth ainda a tentou avisar para não tocar na cerca, mas não chegou a ser ouvida. A mãe também acabou por morrer.

A fuga

Órfã, Ruth passou a tratar das crianças sozinha. "Tinha que salvar as minhas irmãs, elas eram muito novas e vulneráveis", diz. Decidiu, por isso, fugir. Pediu ajuda ao irmão mais velho, que já morava nos Estados Unidos.

O irmão conseguiu resgatar Ruth e outras três irmãs mais novas num dia em que o padrasto estava fora de casa. Foram momentos de muita angústia, com medo de serem apanhados por moradores da comunidade. Mas a fuga teve um final feliz: as meninas foram morar com a avó na Califórnia.

Ruth Wariner terminou a escola já nos Estados Unidos, fez faculdade e casou aos 33 anos. "Não foi fácil voltar a confiar nos homens, mas o meu marido é o oposto dos homens que conviveram comigo durante minha infância e adolescência".