Iria Afonso entra na sala de operações nervosa. Minutos depois de se iniciar a intervenção cirúrgica (embolização das artérias uterinas) o medo desaparece e fica apenas a expetativa de que, aos 42 anos, esta cirurgia lhe permita finalmente cumprir o sonho de ter um filho, que os fibromiomas no útero a têm impedido de concretizar.

Durante a operação, não sente nada. Nenhuma dor, nenhum desconforto. Está de olhos abertos, atenta ao monitor que lhe mostra a diminuição gradual dos fibromiomas. Trinta e cinco minutos depois, termina a cirurgia. Nesse mesmo dia, Iria Afonso vai para casa. Provavelmente, dentro de três ou quatro dias, a sua vida volta ao normal, como deseja que suceda rapidamente.

Esta é uma história real que se repete todas as semanas no Hospital de St. Louis, em Lisboa, embora com protagonistas diferentes. Há vários anos já que João Martins Pisco, radiologista de intervenção, salva úteros, uma expressão que usa com o orgulho de quem já devolveu a esperança a muitas mulheres. Com uma taxa de sucesso na ordem dos 90 por cento, esta técnica inovadora apresenta-se cada vez mais como uma alternativa. Leia o que nos contou sobre ela João Martins Pisco, o médico que a introduziu em Portugal.

Em que consiste a embolização das artérias uterinas?

 

É uma cirurgia muito simples que consiste na atrofia ou diminuição do fibromioma através da interrupção da sua alimentação sanguínea. Sob anestesia local e mediante monitorização por aparelho de RX, introduz-se um cateter numa artéria da virilha, através do qual são injetadas pequenas partículas que vão fechar as artérias do fibromioma. Sem irrigação, ele atrofia-se e os sintomas desaparecem em 95 a 98 por cento dos casos.

Quais as suas vantagens em relação a outras técnicas?

 

Esta cirurgia é feita com anestesia local, não provoca dores durante a sua realização e não deixa cicatrizes. Depois, preserva-se o útero e a fertilidade. Mais de 90 por cento das pacientes pode ter alta no mesmo dia e retomar a atividade profissional entre dois dias a uma semana após a intervenção. Em caso de insucesso, pode repetir-se a cirurgia, sem quaisquer custos para a paciente. Também é eficaz em pacientes que já tenham realizado outras técnicas, como a miomectomia, se os sintomas voltarem a aparecer. Não há perda sanguínea e os riscos são mínimos.

Quais poderão ser esses riscos?

 

A paciente pode sentir náuseas ou vómitos, dores, um alto na virilha direita ou a barriga inchada. Tudo isto passa alguns dias depois e é facilmente controlável com medicação adequada. Pode também ter algumas perdas de sangue durante dois ou três dias que, muitas vezes, não são mais do que farrapos do fibromioma a desfazer-se. Mas isto sucede a uma percentagem mínima das pacientes.

Como é o pós-operatório e o acompanhamento médico?

 

No dia seguinte, o ideal é que as pacientes façam a sua vida normal. Só peço que não conduzam. Depois, para além do acompanhamento pessoal que faço questão de manter, há um contacto permanente entre a equipa e a paciente. São realizadas ecografias regulares e ressonâncias magnéticas (às duas semanas e aos seis meses), no sentido de confirmar se a intervenção foi eficaz.

Em que casos esta cirurgia está contraindicada?

 

Se existirem tumores malignos, não se pode aplicar esta técnica. O mesmo acontece se a mulher estiver grávida. De resto, todas as mulheres com fibromiomas, em qualquer idade, estão indicadas para este tipo de tratamento. A média de idades das minhas pacientes é de 40,2 anos, mas já tratei mulheres dos 23 aos 57 anos.

Quanto custa este tipo de intervenção?

 

Custa cerca de 3700 euros e, por enquanto, não existe qualquer tipo de comparticipação, ainda que possa ser paga em quatro prestações.

O que são fibromiomas?

 

Também conhecidos como miomas, são tumores benignos que se desenvolvem nas paredes do útero e cuja dimensão pode variar entre alguns milímetros até mais de 20 centímetros. Calcula-se que 30 a 40 por cento das portuguesas, em idade adulta, venham a ser alvo deste tipo de patologia que surge maioritariamente depois dos 35 anos. Dependendo da sua localização, tamanho e quantidade, os fibromiomas denunciam-se por dores pélvicas, perdas de sangue, sensação de peso e aumento do volume do abdómen, podendo ainda afetar negativamente a fertilidade.

Texto: Joana Marques com João Martins Pisco (radiologista)