«Foi por volta dos dois anos que começámos a notar que o João manifestava comportamentos diferentes dos que a irmã tinha tido na mesma idade. A nossa principal preocupação foi a não evolução da fala. Poucas semanas após ter entrado para o colégio, a educadora de infância alertou-nos para o facto de ele demonstrar desinteresse pelas outras crianças e de se isolar», recorda a mãe desta criança.

«Após este alerta, consultámos a pediatra que estava a par da situação e que tinha encarado a ida do João para o colégio como um teste pois, fora do ambiente familiar, seria mais fácil identificar e concretizar as suspeitas que tinha. Então, encaminhou-o para uma consulta de pedopsiquiatria mas só mais tarde é que o pediatra do desenvolvimento falou em Síndrome de Asperger», explica ainda.

Esta é a história do João. Mas podia ser a do Pedro, do António, da Margarida ou da Ana. E, afinal, de que falamos quando falamos de Síndrome de Asperger? Trata-se de uma forma de autismo que interfere no modo como comunicamos e nos relacionamos com os outros. As suas causas não são ainda totalmente conhecidas, embora se acredite que esta síndrome seja provocada por um conjunto de factores neurobiológicos que afetam o desenvolvimento cerebral da criança.

Crianças com uma inteligência acima da média

Pensa-se que afete predominantemente o sexo masculino, embora alguns especialistas sejam da opinião que muitas mulheres com Síndrome de Asperger não são diagnosticadas por conseguirem ultrapassar melhor os obstáculos que surgem em termos de socialização. O quociente de inteligência das crianças com Síndrome de Asperger é, normalmente, médio ou acima da média e as dificuldades ao nível da aprendizagem e da linguagem não são tão pronunciadas como as das crianças com autismo.

Este facto, aliado ao desconhecimento que existe em relação a esta perturbação, leva a que, muitas vezes, as crianças sejam rotuladas como «estranhas» ou «excêntricas», não sendo diagnosticadas precocemente e, consequentemente, não beneficiando de um apoio e motivação adequados. As crianças com Asperger demonstram, habitualmente, uma excelente capacidade de memorização de números e  factos, mas revelam limitações ao nível do pensamento abstrato.

No campo da comunicação e interacção, existe alguma dificuldade na interpretação da linguagem não verbal (expressões faciais e postura corporal), metáforas, frases indirectas ou, por outro lado, que possam ser levadas à letra. Quando as crianças ou adultos com Síndrome de Asperger lidam com alguém que não está a par desta dificuldade podem gerar-se alguns mal-entendidos, pois as regras convencionais de uma conversação nem sempre são utilizadas.

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O que pode ser feito para ajudar estas crianças

O contacto visual pode ser quase nulo ou, no extremo oposto, de tal forma persistente que se pode tornar incomodativo. Outra particularidade diz respeito a situações desconhecidas e quebras de rotina, que são encaradas com ansiedade e evitadas a todo o custo, o que implica um reajuste familiar nem sempre fácil. Mariana e Pedro, os pais de João, contam-nos que evitam «situações que lhe causem stresse».

«O João tem dificuldade em gerir emoções e muito medo do desconhecido. Por exemplo, só aos oito anos é que foi, pela primeira vez, ao cinema. E, só no último aniversário é que aceitou que se fizesse uma festa e se cantassem os parabéns», desabafam. Em Portugal, em 2009, estimava-se que o número de crianças com este problema rondasse os 40.000, apesar das entidades oficiais considerarem que muitos casos ainda estavam por diagnosticar.

Hobbies exclusivos

O desenvolvimento de interesses e padrões de comportamento circunscritos e repetitivos são outras das características mais comuns das crianças e adultos com Síndrome de Asperger. No caso de João, a família sentiu alguma dificuldade em «aprender a lidar com os interesses dele. Quer ver imensos desenhos animados e filmes da Disney, uns atrás dos outros a ponto de dizer palavras e expressões em inglês», diz.

A preocupação absorvente por um tema específico (que, geralmente, envolve a memorização e ordenação de factos) pode evoluir para uma espécie de obsessão que leva a pessoa a reunir toda a informação que conseguir obter sobre determinado assunto, não revelando interesse por outras actividades e não percebendo porque é que os outros não manifestam igual entusiasmo pelo assunto.

A doença dos pequenos professores

Hans Asperger, psiquiatra austríaco cujo apelido foi utilizado para baptizar esta síndrome, chamava às crianças com este problema «pequenos professores», devido ao carácter especializado dos seus conhecimentos em determinada área. Apesar do sistema de ensino, no geral, não estar devidamente dotado para apoiar as crianças com Síndrome de Asperger, os pais de João são da opinião que «existem profissionais com interesse pela diferença».

«O nosso filho está integrado no projecto TEACCH (Treatment and Education of Austistic and Related Communication Handicapped Children), trata-se de ensino estruturado e, como são crianças que gostam de rotinas, funciona muito bem», revelam. «Mas tem de haver um grande empenho por parte dos docentes tanto do ensino especial como do ensino regular», afirma o casal.

«Atualmente, estamos adaptados à situação, até porque o João tem evoluído sempre de forma positiva», revelavam em entrevista há uns anos. «Hoje em dia já constrói frases curtas e consegue fazer-se entender», regozijavam-se. Está medicado, o que o tem ajudado a superar os medos e a ansiedade», afirmavam ainda os progenitores da criança. «O nosso receio está no futuro», desabafavam.

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A união que faz (mesmo) a força

A Síndrome de Asperger não tem cura, o que significa que uma criança com Asperger vai tornar-se um adulto com Asperger. No entanto, um apoio correto ao longo da infância e adolescência é  fundamental para que cada etapa da vida seja o mais harmoniosa possível. Para os pais e restante família manterem-se informados e esclarecerem todas as dúvidas é um passo fundamental.

«Mal soubemos que a Associação Portuguesa do Síndroma de Asperger tinha sido criada quisemos fazer parte dela. Constatámos que não estávamos sós, pois existiam outros pais com os mesmos problemas e interrogações. É uma grande ajuda poder trocar alegrias e frustrações com outros pais», explica a mãe de João. Quando lhe perguntamos que conselhos daria aos pais de uma criança com Síndrome de Asperger, a resposta não se faz esperar.

«Acreditem sempre e façam tudo o que estiver ao vosso alcance. As terapias precoces são um grande contributo para uma evolução positiva e a família é, sem dúvida, a base de um desenvolvimento favorável. Não escondam os vossos filhos por eles serem diferentes, pois dão as mesmas alegrias que as crianças ditas normais. Falando metaforicamente, enquanto a nossa filha corre a 100 à hora, o João vai apenas a 60, mas chega lá. E, se for do interesse dele, até chega primeiro», diz.

Como perceber o que vai dentro daquelas (pequenas) almas

Especialistas desvendam os pensamentos de uma criança com Síndrome de Asperger. Para que possamos percebê-la melhor:

- «Posso estar tão concentrado nos meus pensamentos que não ouço alguém chamar-me ou falar comigo e, por vezes, acho os ruídos tão ensurdecedores que tenho de tapar os ouvidos ou fugir».

- «Tenho um interesse especial, do qual falo constantemente. Por exemplo, se for por comboios, gosto de lhes tirar fotografias,
desenhá-los e reproduzir os sons que fazem. Não entendo porque é que os outros não se interessam pelo tema».

- «Não consigo perceber o que os outros estão a sentir só de olhar para eles. Tenho dificuldade em perceber a linguagem corporal a não ser que estejam a chorar, a rir ou a gritar».

- «Tenho determinados rituais que sigo escrupulosamente para ficar calmo. Mas, às vezes, fico frustrado pois ocupam-me muito tempo».

- «Posso ficar assustado se vejo muitas pessoas à minha volta ou alguém que não conheço. Nessas alturas gostava de ser invisível».

- «Não entendo as palavras com duplo sentido e anedotas. Acredito em tudo o que me dizem. Se me disserem que as pessoas morrem se não beberem água posso levar isso tão a sério que beberei água a toda a hora».

- «Não tenho facilidade em ver as horas, atar os atacadores, descascar fruta, andar de bicicleta ou usar a régua».

- «Tenho consciência que sou diferente e que não consigo fazer, com facilidade, o que os outros fazem. Isso deixa-me nervoso e frustrado. Não consigo perceber a origem da minha diferença ou porque é que os outros fazem troça de mim».

Texto: Teresa D'Ornellas