Uma folha em branco e uns quantos lápis de cor era o que bastava para ficar entretido.

A maioria de nós recorda certamente esta altura da infância em que através de uns rabiscos nos deixávamos transportar para um mundo imaginário.

Agora encaramos estas obras de arte de outra forma. Por vezes incompreensíveis aos nossos olhos, os desenhos das crianças não deixam de nos fascinar.

Monstros voadores, princesas em castelos de sonho ou máquinas que ainda estão por inventar, são algumas das coisas que povoam o seu imaginário e, por consequência, os seus desenhos. Que mensagem têm escondida? Serão reveladores de algo que não está bem? Tal como as crianças na idade dos porquês queremos saber tudo.

Naturalmente criativas

Desenhar é uma das atividades que dá mais prazer às crianças. É a sua forma especial de comunicar as suas ideias e sentimentos. «É o modo como expressam o que sentem e se divertem. Desenhar é uma coisa natural. É como para os adultos conversar», afirma Paula Vilariça, pedopsiquiatra no Hospital da Estefânia em Lisboa.

Tal como o jogo, o desenho é uma forma de expressão, que permite à criança mostrar como vê o mundo e como se projeta nele. Mais do que valor estético, este tem um grande poder simbólico e dá uma ideia do nível intelectual e emocional em que se encontra.

Passo a passo

De rabiscos a verdadeiras ilustrações, o desenho evolui a par e passo com a criança. A primeira fase é a da garatuja e só depois surge a representação da figura humana.

Regra geral, esta caracteriza-se por uma cabeça, a partir da qual saem as pernas e os braços, muitas vezes com umas mãos em forma de aranhiço. Nesta altura, a distribuição dos elementos na folha não é ordenada e pode mesmo surgir de pernas para o ar.

Gradualmente, as crianças vão introduzindo complexidade e começam a utilizar de uma forma mais organizada a folha em branco. O lado estético sobrepõe-se ao comunicativo. Como explica esta especialista, «à medida em que vão aprendendo técnicas, o desenho torna-se cada vez mais convencional e perde a expressividade natural. A partir dos dez ou onze anos, os desenhos ganham em qualidade gráfica mas perdem espontaneidade.»

Retrato de família

Motivos como a figura humana têm um valor simbólico no que respeita à relação entre a criança e o mundo que a rodeia. O tema da família desempenha um papel principal, pois é muito revelador da forma como são encarados os vários membros e as relações de afeto entre eles.

A ordem pela qual cada pessoa entra no desenho e o lugar que ocupa pode indicar a importância que tem para a criança. «Recordo uma vez um menino, com uma história familiar pesada, que ao fazer esse desenho representou a família da casa ao lado, a professora, o cão do vizinho de cima», refere.

 

«No fundo, desenhou as pessoas que lhe davam afeto. Para ele seria esse o modelo de família», relata a especialista. Um facto curioso é que, muitas vezes, este tipo de desenho não é espontâneo, ou seja, as crianças fazem-no a pedido dos mais crescidos.

Será normal?

O desenho infantil sempre intrigou os adultos. Foram realizados imensos estudos, em que se analisaram e codificaram todos os elementos.

Por exemplo, o preto simboliza os sentimentos mais negativos, o vermelho indica excitação ou agressividade, enquanto que cores como verde ou o azul são associadas à noção de controlo ou tranquilidade.

Apesar disso, a ideia frequente de que o uso do preto ou vermelho indica que algo está errado nem sempre se aplica. «Podíamos dizer que uma criança que pinta com cores vivas será mais alegre do que uma que usa cores mais escuras. No entanto, nem sempre é assim. Cada desenho tem sempre um contexto», sublinha. 

«Há vários fatores envolvidos como o sítio, as circunstâncias em que foi feito e a pessoa a quem se destina», alerta ainda. Por vezes, são mais relevantes os motivos que levaram a desenhar ou o estado de espírito na execução, do que as figuras representadas. Daí o risco de se tirar conclusões precipitadas.

O papel dos pais

Ao contrário do que se possa pensar, o facto de pintar as nuvens de outra cor não significa que haja um problema. Mais do que fiscalizar, cabe aos pais apreciar as criações artísticas.

Partilhar estas atividades com os filhos ajuda a perceber como eles veem o mundo. Nem sempre é fácil interpretar o que lá está, por isso, o melhor é perguntar e deixar-se surpreender com as histórias. Mostrar interesse é muito positivo.

Segundo Paula Vilariça, «é bom ter curiosidade pelo que as crianças fazem, pois significa que os adultos valorizam e se interessam. Para elas, não há nada melhor do que ser importante para os seus pais.» Além disso, a maioria adora contar histórias.

Se a criança desenhar algo fora do comum ou não quiser explicar de que se trata isso deve ser respeitado. «Uma coisa é fazer um desenho estranho uma vez, outra coisa fazê-lo sistematicamente. Aí já pode indicar que algo se passa», salienta a pedopsiquiatra.

Uma situação pouco frequente mas que também se verifica em algumas crianças é não gostar de desenhar. Nestes casos, não há razão para alarme se isto se tratar de uma situação isolada, ou seja, se a criança gostar de outras atividades de expressão próprias da idade.

Desenho em análise

Em terapia, o desenho é usado como espaço intermédio de comunicação. As crianças sabem porque estão ali e, através do papel, conseguem verbalizar o que sentem. «Há crianças que, em acompanhamento terapêutico, desenham sempre a mesma coisa, até que se perceba o que querem dizer. É como se estivessem a enviar mensagens», conta Paula Vilariça.

Para além do desenvolvimento ou questões emocionais, este pode revelar outros problemas. «É frequente aparecerem desenhos com chuva no caso de crianças com enurese (que molham a cama)», exemplifica.

Regra geral, os desenhos infantis não devem ser fonte de preocupação, ao não ser que haja uma persistência nos motivos usados. Lembre-se que para as crianças eles são, acima de tudo, um meio de diversão. Mais do que analisá-los ao pormenor, dedique-se a apreciá-los.

Texto: Manuela Vasconcelos