E, de repente, a criança que pensávamos que nunca fugia à verdade, é apanhada em falso. Que fazer? Zangamo-nos com ela e pomo-la de castigo? Fazemos de conta que nem percebemos? Ou procuramos entender o que está na origem da mentira?

Se queremos aprender mais sobre a personalidade dos nossos filhos, a terceira alternativa é certamente a melhor. É que nem sempre a mentira infantil tem por objetivo enganar os outros ou trazer uma vantagem injusta à criança. Muitas vezes, as histórias pouco reais que ela conta são apenas fruto de uma imaginação fértil. E isso é altamente positivo.

Rica invenção

Por exemplo, se o seu filho de quatro anos garante a pés juntos que viu o cão da família falar, ou se a sua filha de três relata, entusiasmada, o encontro que teve com uma fada no jardim, estão a dar asas às suas capacidades inventivas e de sonho.

Para eles, não se trata de uma mentira já que neste estádio de desenvolvimento cognitivo, as fronteiras entre o mundo real e imaginário ainda se encontram esbatidas. Para o menino, o seu melhor amigo de quatro patas tem mesmo capacidades verbais, e para a menina as fadas existem mesmo.

Por isso, não vale a pena fazer finca-pé e dizer-lhes que estão a mentir. Elas podem até sentir-se ofendidas, porque não o fizeram com más intenções. Entrar no jogo da fantasia e perceber os meandros da imaginação é muito melhor e ajuda os adultos a compreenderem melhor as suas crianças.

Questão de atenção

Uma criança pode também não ser 100% verdadeira porque não se lembra do que realmente aconteceu. As capacidades de prestar atenção vão-se desenvolvendo ao longo da infância e é natural que os mais novos não se recordem de acontecimentos que, para os adultos, ainda estão frescos na memória.

Assim, é bem provável que o seu filho diga que não foi ele que partiu o candeeiro do quarto com uma bolada, se este acontecimento se deu, por exemplo, há mais de três meses. Se, entretanto, o candeeiro foi substituído e os pais, após o ralhete inicial, nunca mais falaram do assunto, ele esqueceu-o de tal forma que, para efeitos práticos, tal disparate nunca aconteceu.

Boas intenções

Nunca é agradável apanhar a criança a mentir. Mas pode acontecer que ela o faça não com a intenção de enganar mas porque teme que os adultos possam ficar dececionados com as suas atitudes.

Para os mais novos, a aceitação e aprovação dos adultos, em especial daqueles que lhes são mais próximos, são essenciais. Assim, por vezes é-lhes mais imediato negar um passo em falso do que admiti-lo.

Um método eficaz para travar este tipo de mentiras é assegurar permanentemente junto da criança que ela é amada independentemente dos percalços ou acidentes que possam acontecer. E isso faz-se de forma permanente e não apenas quando a mentira por omissão surge.

Ninguém é perfeito e este princípio aplica-se aos adultos e às crianças. Se ocultar o que correu mal não é feito de modo malicioso – mas até com boas intenções – há que reconhecer isso mesmo.

Por outro lado, este é um bom momento para fazer ver que não contar as coisas como elas realmente se passaram nunca é uma boa estratégia e que a mentira tem, de facto, pernas curtas.

Exemplo e calma

Compreender a mentira nunca é muito fácil e pode ser até bem difícil no caso das crianças mais velhas, onde a imaginação já não reina e que sabem que esta não é uma boa atitude. Nestes casos, vale a pena parar para pensar nos exemplos que lhe são transmitidos.

Se ela está habituada a ver os adultos distorcerem a verdade – mesmo nas chamadas “mentirinhas sem consequências” – a mensagem que recebe é que esta á uma opção a considerar. Em paralelo, encarar a mentira de cabeça quente também não é produtivo.

Se estiver mesmo afetado pela mentira, em especial se a consequências forem significativas e/ou graves, mais vale dizer à criança: “estou tão aborrecido que nem consigo falar disto agora. Vou pensar e tu também vais pensar naquilo que aconteceu e depois vamos voltar a este assunto”. E voltar mesmo a ele é importante, para que todos retirem a melhor lição do que aconteceu.

Maria Cristina Rodrigues