As crianças portuguesas estão mais gordas. Neste parâmetro de avaliação, não estamos de todo na cauda da Europa. Portugal lidera as tabelas de prevalência de excesso de peso e obesidade infantil. O que é estranho, se pensarmos que vivemos num país com uma dieta mediterrânica, rica e variada. Então, porque é que quase 20% das crianças portuguesas são obesas? Como é que deixamos que esta situação tomasse estas proporções?

Maria Paes de Vasconcelos, nutricionista, oferece uma resposta possível. «Passámos de um país de fome para um país com algum bem-estar. Os avós que se lembram de outros tempos têm alguma dificuldade em não dar às crianças o que não precisam, mas o que querem. E muitos pais também», critica. Em consequência disso, alimentos menos atrativos, como os legumes e a fruta, acabam por ser trocados por produtos processados, com muita gordura e açúcar.

Um problema grave que se agrava

O fenómeno não é novo, mas tem vindo a agravar nos últimos anos. Em 2011, Andreia Antunes e Pedro Moreira publicaram o estudo «Prevalência de Excesso de Peso e Obesidade em Crianças e Adolescentes Portugueses», onde alertavam para a necessidade de «reprimir esta epidemia e inverter a situação o mais rapidamente possível». Os investigadores da Universidade do Porto classificaram, então, a prevalência da obesidade infantil como «um grave problema de saúde pública».

Nos anos seguintes, entre 2013 e 2014, a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI) realizou uma outra investigação, que envolveu mais de 18 mil crianças dos 2 aos 12 anos. Segundo este organismo associativo nacional, cerca de 16,8% das nossas crianças são obesas.  Claramente, não houve melhorias. Agora, como é que impedimos que o cenário se agrave ainda mais?

Crise veio piorar problema

Não podemos manter o dedo apontado aos avós bem intencionados, porque eles estão longe de estar sozinhos. A qualidade da nossa alimentação foi severamente afetada pela crise económica, de acordo com Davide Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO). «Os obesos são mais pobres, mais desprotegidos e de nível sociocultural mais baixo», declarou aquando do 14º Congresso Português de Obesidade, em 2010.

Consequentemente, as famílias direcionam a sua atenção para a comida rápida, processada e barata. A pediatra Manuela Baptista conta que as crianças foram habituadas a adicionar açúcar a todo o tipo de alimentos, desde o iogurte à fruta, e que, «em vez de acompanharem as refeições com água, bebem refrigerantes». Muitos pais dão dinheiro para os filhos poderem comprar um lanche na escola que, inevitavelmente, «são coisas cheias de açúcar e gordura».

O tempo das crianças que não correm

Outro fator responsável pela crescente taxa de obesidade infantil, em Portugal, é o sedentarismo. Seja brincar, seja andar de casa para a escola (e vice-versa), seja alguma tarefa caseira, houve uma diminuição significativa da atividade física. Esta tendência tem várias explicações. Manuela Baptista, pediatra, começa por referir o facto de as crianças portuguesas terem pouco tempo para brincar na rua.

«Hoje em dia, os miúdos têm uns horários enormes, estão sobrecarregados», critica. E quando se trata de escolher as atividades extracurriculares, a pediatra diz que «os pais não se lembram de pôr a criança na natação, numa aula de ginástica, no futebol. É só aulas de inglês e de espanhol», condena. Acresce a tudo isto que as crianças passam muito tempo a ver televisão e a jogar no computador.

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As (más) consequências de uma alimentação desiquilibrada

Já sabemos que a obesidade é uma condição altamente prejudicial para a saúde, tanto física, como mental. Mas mais ainda quando falamos de crianças que estão a crescer, a desenvolver-se, e estão no processo de assimilar hábitos. Sumariamente, entre outros efeitos fisiológicos negativos, a obesidade «condiciona as doenças cardiovasculares e aumenta a probabilidade de desenvolver diabetes», esclarece Manuela Baptista, pediatra.

Por outro lado, também pode afetar a autoestima dos mais pequenos. Diz a especialista que «muitas vezes estão associados a uma criança obesa problemas na escola, com os amigos, de imagem corporal». Então, a pediatra Manuela Baptista recomenda que, numa ótica de prevenção, se incentive as mães a amamentar, pois o aleitamento ajuda na regulação do peso da criança. Maria Paes de Vasconcelos, nutricionista, concorda.

«Os hábitos alimentares estabilizam entre os dois e os cinco anos e, por isso, é muito importante que seja feita a introdução dos alimentos logo depois do aleitamento», refere. Na eventualidade dos pais não terem posto em prática nenhuma das duas estratégias acima referidas, devem atuar assim que se aperceberem de que o seu filho está com excesso de peso, para não chegar a desenvolver obesidade. A nutricionista sugere que seja precisamente quando os familiares começarem a dizer que a criança está «bem constituída».

O que ainda vamos a tempo de fazer para travar o problema

É possível combater a crescente percentagem de obesidade infantil, em Portugal. Só que, para que isso aconteça, é preciso um trabalho de equipa. A sociedade e as famílias têm de valorizar mais as questões da alimentação saudável e da atividade física regular. Os bons hábitos cultivam-se. Demoram o seu tempo a ganhar raízes, mas pegam! E a chave do sucesso é a criança sentir que não está sozinha.

No sentido de assegurar que os mais pequenos têm um desenvolvimento saudável e para proteger a sua autoestima, qualquer intervenção deve ser transversal a todos os membros do núcleo familiar. «Os pais não podem comer batatas fritas e dar arroz ao filho que está a fazer dieta, porque está gordinho», explica a pediatra Manuela Baptista.

A psicóloga clínica e da saúde, Cláudia Madeira Pereira, recomenda, por isso, que os pais demonstrem «prazer com comportamentos salutares, para que a criança aprenda também a gostar de alimentos saudáveis e a praticar exercício físico».

Os números assustadores da obesidade em Portugal:

1. 16,8% das crianças portuguesas entre os dois e os 12 anos são obesas.

2. Na adolescência, com 15 anos, 24% dos rapazes  e 17% das raparigas sofrem  de obesidade.

3. Mais de 90% consomem fast-food, doces e refrigerantes, no mínimo, quatro vezes por semana.

4. Menos de 1% bebem água todos os dias.

5. Só 2% das crianças portuguesas ingere fruta fresca, diariamente.

6. Cerca de 60% vão para a escola de carro.

7. Apenas 40% têm atividades extracurriculares com exercício físico.

8. Estima-se que 30% a 50% das crianças portuguesas obesas continuem a sê-lo durante a idade adulta.

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Guia prático na prevenção da obesidade infantil

É possível prevenir e combater a obesidade infantil. Veja as recomendações da pediatra Manuela Baptista, da nutricionista Maria Paes de Vasconcelos e de Cláudia Madeira Pereira, psicóloga clínica:

- Motive a criança para a mudança, destacando os benefícios da alimentação saudável e da atividade física.

- Dê o exemplo. É importante que os pais sejam os primeiros a adotar hábitos saudáveis e que mostrem prazer com esses comportamentos.

- Eduque o paladar da criança. Enfatize que os alimentos saudáveis também são saborosos e têm muita cor.

- Facilite o processo, eliminando as tentações em casa. Batatas fritas, bolachas, guloseimas e refrigerantes só nos dias de festa.

- Metade do total de alimentos que a criança consome por dia devem ser legumes e fruta.

- Divida as refeições ao longo do dia e reduza as porções.

- Durante a adolescência, no caso dos rapazes, bastam 145 gramas de carne ou peixe, por dia, para saciar as suas necessidades energéticas.

- Promova a prática do desporto, tendo em conta a personalidade do seu filho e se ele mostra preferência por alguma modalidade em particular.

- Incentive o gosto pelo ar livre. Se durante a semana não pode ir a um parque infantil, aos fins de semana leve a criança a locais onde possa brincar e correr livremente.

- Controle o tempo de visionamento de televisão para um período máximo de uma a duas horas por dia.

- Certifique-se que a alimentação na escola é de boa qualidade e variada.

- Mantenha uma atitude positiva, elogiando os hábitos saudáveis que a criança vai praticando por si própria. Não se foque no peso que perdeu.

Texto: Filipa Basílio da Silva