Apesar de típicos no desenvolvimento da criança, os pesadelos, também designados de parassónias, tratam-se de eventos noturnos benignos caraterizados por episódios oníricos (sonhos) que podem interferir no sono devido ao seu conteúdo perturbador (tipicamente, ameaças à integridade física da criança ou de outros significativos).

Habitualmente, os pesadelos fazem parte do desenvolvimento da criatividade e relacionam-se com a capacidade da criança para aprender a diferenciar a fantasia da realidade. Por este motivo, só os caracterizamos como perturbação do sono quando são muito frequentes, quando o seu conteúdo é recorrente e quando tem um impacto de relevo na vida da criança (p.e., recusa em ir dormir a casa dos amigos). Por vezes, experiências traumáticas durante o dia, como acontecimentos assustadores, conflitos, filmes ou histórias perturbadoras, podem surgir nos pesadelos de forma mais ou menos disfarçada, reforçando na criança o sentimento de medo em ir para a cama ou medo de dormir.

Em crianças de idade pré-escolar são mais frequentes os medos relacionados com monstros, fantasmas, estar sozinho e do escuro; em crianças de idade escolar surgem medos acerca de raptos, morte, acidentes ou catástrofes e crítica social. Normalmente, estes receios são transitórios e tendem a desaparecer com a idade, contudo é fundamental ajudar a criança a ultrapassar os seus medos, uma vez que estas experiências provocam grande ansiedade na hora de dormir.

Após um pesadelo, é natural que a criança desperte e se mostre assustada, confusa e desorientada. Nesse momento, é importante tranquilizá-la e confortá-la, ajudando-a a sentir-se segura e relaxada. Ter um objeto de conforto, como um peluche ou uma manta pode ajudar a que a criança se sinta protegida. Pode-se utilizar a imaginação a favor da criança, pensando em algo que a deixe tranquila, como estar na praia a brincar. Durante o dia, pode ser importante ajudá-la a pensar num desfecho diferente para o seu pesadelo (por exemplo, desenhar o “monstro” fechado ou preso numa jaula). Assegurar que a criança aprende a lidar com o medo após o pesadelo é imperioso para que esta não desenvolva receios na hora de deitar.

A seguir "O que podem os pais fazer para ajudar a criança a ultrapassar os seus medos?"

Existem algumas estratégias que ajudam as crianças e reduzir o medo ao deitar, particularmente se associado a pesadelos, como preconizado pelas Dras Judith Owens e Jodi Mindell, especialistas em sono pediátrico:

1. Mostre que compreende os medos da criança, não menosprezando os seus sentimentos. Pode dizer que também tem medos e que sentir medo é algo natural;

2. Reitere o caráter imaginário do pesadelo e, se necessário, faça o teste de realidade (explicar que não há monstros, que os pais estarão por perto em caso de necessidade, que os seres sobrenaturais apenas estão nos livros e filmes, por exemplo);

3. Ajude a criança a acreditar que é corajosa e capaz de lidar sozinha com o medo, apesar de ter uma rede de suporte se o necessitar. Recorrer a histórias sobre como vencer os medos pode ser uma estratégia muito útil. Se for criativo, ajude a criança a construir a própria história;

4. Encontre com a criança objetos de conforto e segurança (por exemplo, um peluche que o protege ou um “spray contra os monstros”);

5. Envolva ativamente a criança na procura de estratégias positivas para lidar com os medos;

6. Ter uma luz de presença (de baixa intensidade) é útil perante o medo do escuro. Deixar a porta do quarto aberta ajuda a criança a perceber que não está sozinha;

7. Ensine a criança a relaxar, respirando profundamente e imaginando algo muito agradável e positivo;

8. Fale com a criança sobre os seus medos, durante o dia. Com a criança completamente desperta é mais fácil que esta compreenda como pode lidar com os medos;

9. Evite programas, filmes ou histórias que possam assustar a criança;

10. Antes da hora de deitar, crie um ambiente calmo e tranquilo em casa;

11. Façam jogos no escuro (por exemplo, uma atividade com lanterna ou uma “caça ao tesouro"). Assim, a criança associará o escuro a algo divertido e positivo;

12. Não utilize o quarto como forma de castigo, para não criar aversão a um espaço que se quer acolhedor e prazeroso para a criança;

13. Estabeleça objetivos com a criança para que esta se mantenha na cama e não procure os pais de imediato, embora saiba que este é um recurso que pode utilizar. A criança deve ir aprendendo a lidar sozinha com o medo, começando por se tranquilizar com a ajuda dos pais e, gradualmente, a desenvolver estratégias de auto-acalmia, até perceber que foi "só um pesadelo" e que nada acontecerá se continuar deitada até readormecer;

14. Se a criança demonstrar muito medo, pode ser útil que a conforte e que depois confirme, em intervalos regulares, que esta se mantém tranquila na sua cama; pode ser importante confirmar se os pesadelos não se transformam em ganhos secundários para ter os pais junto de si ou ir por rotinas para a cama destes;

15. Em alguns casos, é benéfico recorrer a um sistema de recompensas. A criança ganha algo que pediu, previamente, se ao fim de "x" dias conseguir atingir os objetivos a que se propôs (por exemplo, não sair da cama após o pesadelo, mesmo que possa chamar os pais). Assim que consolidar um objetivo, pode definir-se outro mais ambicioso.

Estas estratégias, por norma, são suficientes para acalmar a criança e ajudá-la a ultrapassar os seus medos de forma autónoma. Todavia, existem situações em que o medo é de tal modo intenso que se generaliza ou se torna muito desestabilizador, tornando difícil à criança e aos pais lidarem com emoções negativas face ao sono. Nestes casos, recomenda-se a procura de ajuda especializada, tão cedo quanto possível, a fim de evitar o desenvolvimento de ansiedade patológica.

Marco Martins Bento
Psicólogo Clínico – Núcleo de Perturbações do Sono

marco.bento@pin.com.pt

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