As músicas, os enfeites e as decorações natalícias com que nos vamos cruzando por esta altura do ano não deixam dúvidas... É Natal! Os sorrisos pairam nos rostos e o brilho nos olhares. Partilham-se ideias, emoções e sonhos. Natal e partilha são duas palavras e dois conceitos que andam de mão dada. Mas, então, se o Natal é das crianças e as crianças habitualmente não gostam de partilhar, como é que se resolve o problema?

Será que as devemos contrariar? Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e coordenadora da equipa infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, em Lisboa, ensina a lidar com o problema. Estas são as estratégias que a especialista recomenda:

- Aceite a dificuldade que a criança demonstra em partilhar

As crianças têm dificuldade em partilhar. Dificuldade em partilhar o seu espaço, os seus cuidadores, os seus brinquedos. Aprender a partilhar é um processo. Algo que se vai construindo ao longo do desenvolvimento, a par e passo, com o desenvolvimento de competências cognitivas, emocionais e sociais.

As crianças, por se encontrarem num processo de descoberta e de diferenciação entre o eu e os outros ou o eu e o mundo, tendem a comportar-se de modo mais egocêntrico, ao olhar dos adultos. Ora, sendo esta dificuldade algo normativo em termos de desenvolvimento, em idades precoces, percebê-lo e aceitá-lo é um primeiro passo, para que pais e cuidadores possam incentivar a partilha e a generosidade de acordo com os ritmos de desenvolvimento da criança.

- Ajude a criança a desenvolver a sua inteligência emocional

Se eu não emprestar, qual é o problema? Porque partilhar implica empatizar, implica colocar-se no lugar do outro e compreender o mundo do seu ponto de vista e porque partilhar é saber comunicar, necessidades e desejos, receios e certezas, ajude a criança a desenvolver a sua inteligência emocional. As emoções desempenham um importante papel no comportamento e nas decisões.

A inteligência emocional começa a desenvolver-se no nascimento. Os primeiros laços emocionais surgem quando a mãe ou outro cuidador principal satisfaz, ou ajuda a satisfazer, as necessidades emocionais da criança. Quando há troca e partilha, de afeto e de atenção.

O uso eficaz das emoções permite que a criança ganhe maior controlo sobre reações instintivas em condições de stresse, aprenda a melhor comunicar o seu estado emocional, desenvolva relações saudáveis com a família e amigos e que tenha sucesso na escola, no trabalho, na vida.

Veja na página seguinte: Por que não deve obrigar a criança a partilhar

- Não force a criança a partilhar mas seja um modelo

Se eu partilho, tu também partilhas? Embora nem sempre seja fácil de aceitar, para quem o ouve e para quem observa, o não é uma resposta perfeitamente legítima quando nos desafiam a partilhar algo que é nosso e de que gostamos muito. Por outro lado, algo que é feito por obrigação, de forma imposta, é algo que acabará por não surgir noutras situações de forma natural, autónoma e com prazer.

Se quero explicar que é bom partilhar é importante, enquanto educador, também eu partilhar e mostrar satisfação por fazê-lo. Os adultos, cuidadores de referência, são os modelos preferenciais da criança. Por isso, se a criança crescer num contexto em que a dádiva e a partilha estão presentes, é provavel que ela se sinta motivada a dar e a partilhar.

No dia a dia, seja um modelo para a criança. Partilhe o seu lanche com ela, partilhe um objeto seu, partilhe o seu tempo, partilhe uma ideia. Partilhe com a criança e permita que a criança o veja a partilhar com outras pessoas.

- Elogie e estimule a partilha

Não tenha problemas em abordar o assunto, proferindo frases como «Fiquei muito orgulhosa quando, na praia, emprestaste a tua pá ao menino». Sempre que a criança é capaz de partilhar, ou mesmo quando em fases precoces demonstra interesse em fazê-lo, reforce positivamente a sua atitude. Elogie verbalizando o seu entusiasmo ou com outras manifestações sociais de aprovação, como o sorriso, os abraços e as festinhas.

As crianças gostam de se sentir notadas e valorizadas. Dando atenção a um determinado comportamento, aumentará a probabilidade de ele se repetir mais vezes. Por isso, os pais devem demonstrar o seu orgulho, apreço e alegria pelas atitudes dos filhos que consideram valiosas. A criança sentirá, seguramente, mais vontade de o voltar a fazer. Simultaneamente, desenvolverá uma auto-imagem mais positiva e segura.

- Faça brincadeiras que apelem à partilha

A criança aprende a partilhar brincando e, depois, partilhando. «O meu ursinho vai emprestar a sua bola à boneca» é uma das frases que pode usar ao fazer brincadeiras que apelem à partilha. A capacidade das crianças se colocarem no lugar dos outros não é inata. É preciso algum treino para que a descentração vá acompanhando o seu desenvolvimento emocional e social.

As histórias infantis podem ser boas aliadas neste processo de sensibilização. Partindo das personagens das histórias podemos fazer pontes com a realidade e desafiar a criança a colocar-se no lugar do outro, a experimentar outros papéis e a desenvolver competênciais sociais e a sua inteligência emocional. Se necessário, recorra a histórias.

«Sabes, tal como nesta história há famílias que vivem com muito pouco dinheiro. Há meninos que não podem comprar muitos brinquedos. Como te sentirias se fosses esse menino? E como te sentirias se alguém te oferecesse um brinquedo que já não usa? Gostavas que o teu amigo partilhasse contigo o lanche dele?», sugere a especialista.

Veja na página seguinte: A ajuda que as campanhas solidárias podem dar

- Participe em campanhas solidárias

Este brinquedo é meu. Bem, foi meu... Agora é teu. Campanhas solidárias são ótimas oportunidades dos pais modelarem comportamentos de partilha e incentivarem os filhos a serem solidários. Iniciativas como a campanha de recolha de brinquedos «Aqui partilhamos histórias e construímos sonhos», a favor das delegações da Santa Casa da Misericórdia apoiadas pela  União das Misericórdias Portuguesas, que se encontra a decorrer [até 10 de janeiro de 2016]  em 18 dos centros comerciais da Sonae Sierra e que a Oficina de Psicologia apoia, é um exemplo disso mesmo.

Estas campanhas constituem uma excelente oportunidade para pais e filhos conversarem sobre a amizade, o respeito e a partilha. É uma hipótese da criança se colocar no lugar de outras crianças, como forma de ver o mundo de outras perspetivas. Como o disclaimer da campanha refere, a criança tem a oportunidade de partilhar histórias (contar um pouco da sua e conhecer a dos outros) e construir sonhos (de outras crianças e seus), fazendo história, com pequenos gestos.

Texto: Inês Afonso Marques (psicóloga clínica)