O seu filho não gosta de ler? Com a idade dele, já tinha devorado o triplo dos livros que ele leu até hoje?

 

Aproveite os períodos de lazer e as férias para lhe incutir o gosto pela leitura. Como? Cativando-o!

 

Duas escritoras de livros infantis e um ilustrador revelam-lhe os esquemas que utilizam para conquistar os mais pequenos. Perceba como Clara Campos, Leonor Noronha e José Cintra Costa, os três principais nomes por detrás da coleção «As Aventuras do Gui» (Coisas de Ler), se inspiram para criar os enredos em que este pequeno herói e os seus amigos se veem envolvidos e siga os seus conselhos para aproximar o seu filho dos livros e da leitura.

Quais os ingredientes indispensáveis a uma boa história para crianças?

Leonor Noronha: São vários os elementos que devem de ser conjugados para se chegar a uma boa história infantil. Em termos gerais, destacamos três fatores essenciais. A linguagem deve ser apelativa e adequada à faixa etária a que se destina a história, deve existir uma mensagem pedagógica passada de uma forma subtil, de modo a que as crianças possam aprender, brincando e, por fim, as crianças devem sentir que os temas, por um lado, abrangem o seu universo e, por outro, lhes permitem sonhar.

Clara Campos: No caso concreto de «As Aventuras do Gui», os nossos leitores têm ainda a vantagem de encontrar um contexto espacial real, porquanto os cenários dos livros correspondem a locais que a grande maioria das crianças portuguesas conhece.

Hoje em dia as crianças são hiper-estimuladas e estão rodeadas de solicitações por todos os lados. Qual a
mais-valia oferecida por um livro face a um jogo de computador ou um programa de televisão?

Clara Campos: Na educação das crianças deve haver espaço e tempo para tudo. Um livro, além de apresentar uma faceta lúdica, ajuda a desenvolver e a enriquecer o vocabulário, melhora a escrita, uma vez que, como é sabido, quem lê dá menos erros.

Além disso, estimula ainda o acto cognitivo e a imaginação.

Têm por hábito ouvir algumas ideias de crianças antes de escrever os seus livros?

Leonor Noronha: Claro que sim. Desde o início do projecto que as opiniões dos mais novos têm sido primordiais. Lidamos diariamente com crianças, quer em casa, uma vez que a Clara tem filhas e eu tenho sobrinhos e afilhadas, quer a nível profissional nas nossas deslocações às escolas para fazer leituras e contar histórias. Tentamos absorver o feedback que as crianças nos transmitem e aproveitar as sugestões delas para os nossos livros.

Os livros infantis ambicionam chegar aos filhos mas, para o conseguirem, têm que conquistar primeiro os pais, pois são geralmente eles que os compram. Esta tarefa depende em alguma medida do escritor ou do ilustrador? Como?

Clara Campos: Pela nossa experiência, essa afirmação não corresponde inteiramente à verdade. É claro que são os pais que compram, mas fazem-no seguindo os gostos dos filhos. São principalmente as crianças que fazem as escolhas e, como tal, o primeiro impacto é causado pelas ilustrações e só depois vêm os temas e os textos.

José Cintra Costa: Sim! Tanto o escritor como o ilustrador são responsáveis por cativar os pais e os filhos com suas palavras e ilustrações. Essa tarefa começa com um bom conteúdo literário, onde o objectivo é criar com simplicidade portas secretas que levam adultos e crianças a um mundo não tão longe, onde a diversão e a aprendizagem são uma constante.

E qual deve ser o papel dos pais neste processo de estimulação do processo de leitura/escrita?

Leonor Noronha: É fundamental. Desde a mais tenra idade que as crianças devem ser estimuladas a contactar com livros, independentemente de já saberem ou não ler. O hábito de ler uma história antes de dormir devia existir em todas as casas, até porque é mais uma forma de reforçar os laços entre pais e filhos.

Cada vez mais, os livros infantis são segmentados por faixa etária. Quando se preparam para escrever um livro, segmentam-no ao ponto de chegar aos interesses de cada criança? Falem-nos um pouco do vosso processo criativo...

Clara Campos: É impossível chegar ao individual. Todos os temas são passíveis de serem abordados, não devem existir tabus.

A abordagem é que tem de ser cuidada e pensada para faixas etárias específicas.

 

Antes de mais, começamos por eleger um tema que transmita uma mensagem e, em seguida, procuramos a melhor forma de a difundir.

Leonor Noronha: Por norma, tentamos não o fazer de uma forma demasiadamente direta mas de uma forma que as crianças consigam assimilar a nossa mensagem enquanto se divertem. Os textos são escritos tendo em atenção a linguagem, de modo a que esta se adeque ao nosso público.

Clara Campos: Depois enviamos os textos para o José Cintra, o nossos ilustrador, que tem uma capacidade fantástica para os transpor para o desenho.

E como é que surgiram as personagens das vossas histórias? Inspiraram-se nos vossos filhos ou nos filhos dos vossos amigos?

Clara Campos: Inspirámo-nos nas crianças que conhecemos e nas nossas próprias recordações de infância.

Que tipo de valores têm procurado transmitir nos diferentes volumes da coleção «As aventuras do Gui»? Como foi feita essa escolha?

Clara Campos: Valores de família, amizade, companheirismo, de respeito pelo próximo e fair-play, além do benfiquismo, característico dos nossos pequenos heróis. Não se trata de uma escolha, mas sim das características que achamos serem essenciais para a formação de seres humanos justos, corretos e educados.

Há quem diga que, para um livro infantil conquistar uma criança, basta que tenha um bom ilustrador. É verdade? Porquê?

José Cintra Costa: Sim, é verdade. Um bom ilustrador é aquele que pensa exclusivamente no seu público final. Essa antecipação é o ingrediente secreto para chegar de encontro as expectativas dos nossos fãs e leitores. Além disso, é preciso emocionar para conquistar e o ilustrador que atinge este objetivo é sem dúvida o ilustrador certo para acompanhar o seus escritores numa história de sucesso.

Na elaboração dos vossos livros, quais são os mecanismos, visuais ou literários, que utilizam para despertar interesse e curiosidade na mente das crianças para a leitura?

Leonor Noronha: Em termos literários a utilização de linguagem adequada e a abordagem de temas, infantis ou não, adaptados à realidade infantil são as formas mais eficazes de chegar ao público mais jovem. É claro que as ilustrações devem corresponder ao texto para que as crianças identifiquem visualmente a mensagem de um modo rápido e fácil.

José Cintra Costa: Aventura! É este o mecanismo. Os nossos livros apresentam a vida quotidiana do Gui, da Madalena e do Joca, três amigos inseparáveis que transformam uma simples brincadeira numa verdadeira descoberta. Entrar no Estádio da Luz, fazer festas a um golfinho, tornar-se amigo de uma criança especial... Tudo parece muito simples aos olhos de um adulto mas, para uma criança, esse é o primeiro contacto com estes temas e o nosso objetivo é tornar este contacto o mais rico possível, de modo a que nunca seja esquecido. É nisso que apostamos.

Suscitar a curiosidade na criança e provocar suspense é meio caminho andado para ela se interessar pela leitura? Usam esta estratégia nos vossos livros?

Clara Campos: É claro que sim. As histórias têm de ter um fio condutor com um objetivo final, que se vai desenrolando de um modo a gerar expectativas. Aos poucos, vamos revelando ingredientes que preparam o leitor para o desfecho.

Até que ponto é que a utilização de imagens e de cores fortes e a segmentação da informação é essencial para captar a atenção dos mais pequenos?

José Cintra Costa: A harmonia entre imagens, cores e textos atrai sempre o interesse dos mais pequenos. Além do mais, um pouco de cor sempre traz o sol e todas as crianças gostam de luz e cor. Não é verdade?

Concordam que a escrita de livros para crianças deve estar sempre acompanhada de imagens? Os chamados livros de letras não são suficientemente atrativos?

Leonor Noronha: Depende da faixa etária a que se destinam. Os livros ilustrados são mais apelativos para os mais pequeninos. À medida que as crianças vão crescendo e aumentando a sua capacidade de interpretação das palavras, vão tendo menos necessidade de recorrer às imagens.

José Cintra Costa: Entendo que é importante a escrita de livros para crianças ser acompanhadas por ilustrações.

A palavra, quando ilustrada, ganha forma e torna o fenómeno de receção por parte dos mais pequenos muito mais divertida.

Os chamados livros de letras têm, contudo, o seu peso. A não utilização de imagens tem como objetivo fazer o leitor dar asas a sua imaginação e dentro dos seus pensamentos, criar suas próprias imagens.

 

Nos nossos livros, embora haja margem para esse fenómeno, esse processo acaba por estar simplificado.

O que pensam das novas tecnologias (computador) face ao conto/histórias escrita em livro? Sobreviverá o livro em papel às novas tecnologias de informação e comunicação ou o futuro passa mesmo por aparelhos como o iPad?

Clara Campos: As novas tecnologias são uma mais-valia, que podem ser aproveitadas para cativar os mais novos para a leitura. Por outro lado, um livro será sempre um livro e quem gosta de ler não dispensará o cheiro e o toque do papel. De qualquer das formas, as duas realidades não são incompatíveis e podem servir para se potenciarem uma à outra. Provas disso são o nosso site www.asaventurasdogui.pt e as páginas que temos no Facebook, que nos permitem ter um contacto mais direto com o nosso público e vice-versa.

Texto: Luis Batista Gonçalves com Cláudia Silva, Fabiana Bravo e Rita Miguel