As experiências de medo, embora transitórias, ajudam a criança a aprender a reconhecer situações passíveis de provocar danos e a aprender diferentes respostas para fazer face ao próprio medo, promovendo a sua autonomia e contribuindo para um auto-conceito adequado. Por outro lado, viver o medo ajuda a que a criança aprenda a reconhecer em si as emoções adequadas para reagir a cada situação que enfrenta (por exemplo, é um sinal de adequação emocional responder com medo e não com agressividade, perante uma situação perigosa). Para além disto, uma exposição adequada ao estímulo gerador de medo possibilita a cessação gradual desse mesmo medo e impossibilita que ele adquira uma dimensão patológica.

 

O conteúdo destes medos varia em função da idade e a forma como se vão manifestando também se torna diferente à medida que a criança cresce. Em crianças com idades inferiores aos dois anos, poderão surgir medos relacionados com ansiedade de separação das figuras significativas, com ruídos fortes, pessoas estranhas ou objectos ameaçadores. Entre os dois e os três anos, as crianças desenvolvem o medo do escuro e de alguns animais. Dos quatro aos seis anos, surgem os medos relacionados com ferimentos corporais, ladrões, monstros, fantasmas, bruxas, relâmpagos e medo de dormir sem companhia. Aos sete/oito anos, os medos começam a ser influenciados por acontecimentos reais de que as crianças vão tomando conhecimento. Nesta fase, elas ficam mais focadas em questões relacionadas com o desempenho académico, terramotos, furacões, cheias, guerras, ataques terroristas, armas nucleares, raptos, doenças graves e a morte.      

 

Enquanto educadores, modelos de comportamento e figuras de referência, os pais têm um papel importante na gestão dos medos dos filhos. Nem sempre é um papel fácil, porque, muitas vezes, os próprios pais reagem com ansiedade perante os medos e ansiedades dos filhos, pelo que, antes de mais, é importante que eles mesmos se coloquem num patamar de relativa tranquilidade, para que se tornem bons modelos de gestão da ansiedade. Encarar a ansiedade como qualquer outra emoção que faz parte do crescimento (como a alegria, a tristeza ou a zanga) poderá ajudar a alcançar esta tranquilidade.

 

Uma boa forma de lidar com um medo é “olhar” para ele, falar abertamente com a criança sobre o que sente e o que teme. Os pais poderão, por exemplo, utilizar um desenho animado de que a criança goste, para explorar com ela alternativas e formas de enfrentar a situação temida… O que faria o Homem-Aranha se tivesse medo de trovoadas?… O que é que a Bela Adormecida faria para não ter medo da bruxa?…

 

Normalizar o medo é outro passo importante para que a criança perceba que sentir isso é “normal”, eliminando, deste modo, qualquer culpa ou vergonha que ela possa sentir.

O lúdico é uma boa forma de abordar alguns medos. Por exemplo, quando uma criança tem medo do escuro, pode ser importante promover brincadeiras no escuro ou num ambiente de penumbra. Os pais poderão fazer um concurso de sombras, para ver quem consegue fazer, no quarto da criança, as sombras mais divertidas. Desta forma, o escuro começará a ser mais familiar para a criança e a ter uma conotação gradualmente mais divertida e menos assustadora.

É importante fazer aproximações sucessivas à situação causadora de medo e premiar/elogiar a criança sempre que ela consegue “chegar um bocadinho mais perto” do que a assusta. Não se deve procurar evitar que a criança se exponha ao medo, porque isso reforça-o e aumenta-o. É crucial que a criança passe por experiências que lhe mostrem que o que ela sente como ameaçador, afinal, não o é.

Os pais têm um papel muito relevante, na medida em que funcionam como modelos de comportamento para a criança. Eles devem, portanto, utilizar isso para desencorajar comportamentos de fuga ou evitamento, que a criança tende a ter perante a situação que receia ou para evitar o confronto com essa situação. Se o seu filho ou a sua filha tiver medo de gatos, permaneça perto de um, quando surgir essa oportunidade, mostre conforto com essa proximidade e toque no gato, para que a criança perceba que, afinal… não há perigo.

Finalmente, é muito importante que os pais não usem os medos das crianças como castigo ou forma de as persuadir a fazer algo. Devem ser evitadas, por exemplo, frases do género: “se não comes tudo vais para o teu quarto sozinho”. Este tipo de “castigo” provoca na criança uma angústia ainda maior e aumenta, ainda mais, os medos.

Apesar de o medo ser muito comum nas diferentes etapas de desenvolvimento, ele pode atingir níveis tão elevados que afecta de uma forma muito sistemática e significativa a vida da criança. A ajuda de um profissional torna-se fundamental quando os sintomas manifestados pela criança causam mal-estar significativo, quer à própria criança, quer à sua família, interferindo com a capacidade de desempenho da criança em alguma(s) das áreas da sua vida.

No entanto, é importante não esquecer que o medo faz parte do desenvolvimento de todas crianças, pelo que é saudável senti-lo. No convívio saudável com o medo, a criança cresce e aprende mais sobre si e sobre o mundo que a rodeia.

Maria João Silva
Psicóloga Clínica

PIN – Progresso Infantil