O seu filho merece crescer saudável, sem peso a mais, com uma autoestima robusta e merece, sobretudo, viver uma vida longa e muito feliz. Em Portugal, uma em cada três crianças sofre de excesso de peso ou é obesa. Tem uma «desproporção do peso em relação à altura na dependência de gordura a mais, tendo já ultrapassado um limite de segurança ao ponto de ser considerada doença. Mas o problema não é apenas estético, pois esta gordura a mais é responsável por condicionar outras doenças, tais como a cardiovascular, diabetes ou hipertensão», explica Carla Rêgo, médica pediatra especializada em nutrição pediátrica.

De acordo com a Comissão Europeia, Portugal está entre os países europeus com maior número de crianças afetadas por esta epidemia. A obesidade é um problema crónico que pode iniciar-se já in utero. «O risco de se ser obeso na infância e para o resto da vida é programado não só na dependência do ambiente na barriga da mãe, mas mesmo antes da mulher engravidar», adianta a pediatra. Pensar que o peso a mais que o seu filho tem na infância se dissipa com a idade é um erro.

«Ao longo da trajetória de crescimento vai acumulando gordura excessiva que significa não apenas um aumento do tamanho das células gordas mas também do seu número. E uma célula gorda quando nasce não volta a ser perdida», diz. Então, como inverter um problema tão complexo e que pode marcar todo o percurso de vida do seu filho? Encontre a resposta a esta e a outras dúvidas, ao longo das próximas páginas.

Como posso saber se o meu filho tem excesso de peso ou se é obeso?

«A vigilância do crescimento e do comportamento alimentar, bem como as suas alterações compete ao médico de família ou pediatra porque a obesidade é uma doença», refere a pediatra Carla Rêgo. Para apurar o grau do problema, os especialistas recorrem ao Índice de Massa Corporal (IMC), o peso a dividir pelo quadrado da altura. O método utiliza-se também nos adultos que, por já terem parado de crescer, têm um denominador que já não muda, sendo possível definir pontos de corte de IMC fixos.

Pelo contrário, «a criança está a crescer, logo o denominador varia, o que significa que não se podem utilizar os mesmos pontos de cortes fixos do adulto mas tabelas de percentis», explica. Assim, é a localização do IMC da criança nessa tabela que vai definir se tem excesso de peso ou obesidade. «Na pediatria, de um modo geral, excesso de peso significa um IMC acima do percentil 85 e obesidade acima do percentil 95».

O facto de ser uma criança obesa significa que, inevitavelmente, será um adulto obeso?

«Uma criança obesa aos cinco anos tem ainda 50 por cento de probabilidades de ser um adulto adequadamente nutrido, se forem tomadas medidas. Mas se chegar à adolescência com excesso de peso ou obesidade já só terá entre 10 e 20 por cento de hipóteses de ser um adulto saudável», explica a pediatra.

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Que doenças pode o meu filho vir a ter devido ao seu peso excessivo?

Quando a obesidade acontece em idade pediátrica, independentemente do sexo, a gordura deposita-se, carateristicamente, dentro da barriga, e de uma forma generalizada pelo corpo.  O que significa que a obesidade infantil «está fortemente associada a risco precoce de diabetes, hipertensão, colesterol, cancro, distúrbios do sono ou doenças cardiovasculares», sublinha. Isto acontece não só no presente como também no futuro, pois «mesmo que o indivíduo venha a ter um peso adequado, ele vai ter mais risco de expressar mais cedo essa carga cardiometabólica».

O peso a mais também pode afetá-lo a nível emocional?

Pode interferir na autoestima sobretudo na adolescência, fase em que o grupo de amigos tem uma grande influência e o adolescente quer ser aceite. «Hoje, os critérios de aceitação têm muito a ver com a figura bonita, se veste bem, se é desportivo. O gordinho não é nada disto. E para conseguir encontrar um lugar no grupo de pares, veste a máscara do divertido. Mas não é efetivamente muito feliz», adverte Carla Rêgo.

«Muitas vezes, isso é um fator de instabilidade emocional e de angústia», alerta ainda. Passando muito despercebido nos primeiros tempos, «a obesidade está fortemente associada ao bullying. É preciso estar atento, sobretudo desde a idade em que as crianças começam a estruturar a sua imagem corporal, por volta dos sete ou oito anos», acrescenta a especialista.

Qual é a melhor forma de o convencer a perder peso?

«Os pais devem transmitir mensagens de segurança, união e muito amor.  É importante explicar que, por vezes, deixar de comer alguns alimentos de que se gosta em prol de outros que são mais saudáveis nem sempre é fácil e que exigirá algum esforço, mas no final irá valer a pena, pois irá sentir-se melhor e ter mais energia para brincar ou estudar. Ser honesto e verdadeiro com as crianças tem sempre mais benefícios do que exigir ou tentar convencer», refere Frederica Santos, psicoterapeuta.

Quando as crianças são pequenas, os pais devem servir de exemplo, tendo o mesmo comportamento alimentar. Mas se as crianças já têm entre sete e nove anos devemos «negociar algumas mudanças, fazendo acordos e explicando-os de uma forma positiva», sugere. «Se beberes água, como o corpo é constituído por ela, vais ser mais inteligente e vais conseguir jogar melhor na equipa de futebol», exemplifica a pediatra Carla Rêgo.

O mesmo se passa com o adolescente. «É fundamental falar com ele, ensiná-lo  a fazer as opções de forma responsável. O adolescente gosta muito de ser responsabilizado. Detesta ser proibido», adianta ainda a especialista.

Veja na página seguinte: Devem os filhos fazer as dietas dos pais?

Também estou a fazer dieta. O meu filho pode seguir o mesmo plano?

Não necessariamente, pois se a dieta de um adulto passa, desde logo, por um plano de emagrecimento direto, a de uma criança implica, primeiramente, «um período de alteração de comportamento da rotina e, só após um determinado período de tempo (cerca de seis meses), se não tiver atingido um IMC normal ou saudável, se deverá passar para um plano alimentar de emagrecimento mais restritivo. Isto porque é expetável que, tornando o seu estilo de vida mais saudável, o peso corporal se mantenha enquanto a criança cresce e se desenvolve», explica a dietista Rita Loureiro.

Que hábitos devo por em prática já?

Fazer cinco refeições por dia, pequeno-almoço, meio da manhã, almoço, meio da tarde e jantar, é meio caminho andado. A única bebida durante a semana deve ser água. Deve ainda iniciar as refeições principais com um prato de legumes cozinhados ou sopa, ter em atenção as confeções culinárias utilizadas e evitar  a adição regular de gordura. Além disso, deve fazer refeições tranquilas em família e deixar haver exceções, «pois as crianças devem comer de tudo», enumera a pediatra.

Rita Loureiro, dietista da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI) corrobora. «Os alimentos que normalmente devem ser evitados podem ser pontualmente consumidos, ainda que seja recomendado a menor frequência possível, por exemplo, apenas uma vez por mês e na menor quantidade», refere.

Qual a melhor forma de implementar mudanças?

De forma gradual. «Numa primeira abordagem, de forma pontual (por exemplo, duas vezes por semana), e depois, regularmente, mas sempre de uma forma motivadora, através de jogos e objetivos semanais. Quando esse hábito estiver bem interiorizado é hora de passar à etapa seguinte, ou seja, introduzir uma nova mudança mantendo a anterior. E assim continuar até se atingir um estilo de vida saudável nas suas múltiplas vertentes», refere a dietista. O mesmo acontece com os doces.

Estes devem desaparecer da dieta da criança de uma forma gradual, sendo «substituídos por outros alimentos que ofereçam igual prazer à criança até se tornar um hábito natural consumi-los apenas em momentos pontuais, de preferência mensais, por exemplos, nas festas de aniversário», adianta. De uma forma gradual, exclua «as bebidas açucaradas (refrigerantes, sumos e chás de pacote incluídos), os snacks salgados e os doces», aconselha a dietista.

«São alimentos perigosos para as crianças devido às suas calorias e elevadas quantidades de açúcar e/ou sal que promovem alterações nos níveis de energia e concentração, no funcionamento dos rins e no sono», acrescenta ainda a especialista.

Veja na página seguinte: O que fazer quando eles se recusam a comer legumes

O meu filho não gosta de fruta e legumes.  O que devo fazer?»

O ideal teria sido, refere a dietista Rita Loureiro, «introduzir a fruta e os vegetais antes de todos os restantes alimentos, a partir dos seis meses de idade, em vez de alimentos açucarados e salgados». Mais tarde, se a criança rejeita este tipo de alimentos deve-se «incentivar a experimentar uma fruta ou legume novo, dez a 15 vezes sob diferentes e divertidas apresentações, num curto espaço de tempo (ao longo de um mês)», sugere.

«Por exemplo, uma maçã com casca, sem casca, em sumo, numa salada de frutas, cozida, assada com canela, com granola, numa espetada», exemplifica. Se, após este período, o seu filho continuar a não querer comer determinado vegetal, «tente perceber se é mesmo uma questão de gosto ou se existe alguma causa mais profunda para o rejeitar, como ficar maldisposto», diz.

Como convencê-lo a fazer exercício físico?

Apresente-lhe a atividade física como «uma brincadeira, algo positivo e divertido, que não só lhe trará benefícios para a saúde física como como lhe permitirá desenvolver amizades», refere a psicoterapeuta Frederica Santos. Além disso, os próprios pais devem ser «o modelo a seguir e começarem também eles a praticar algum exercício físico em conjunto com a criança».

A prática de um desporto é fundamental e a criança deve fazer algo de que gosta. «Porque é uma questão de saúde, os pais têm a obrigação de os pôr a fazer um desporto, quer queiram quer não. Faz parte da promoção da saúde e da prevenção da doença», explica Carla Rêgo.

 Quais as modalidades recomendadas?

«Até à adolescência, grande parte das vezes, praticam-se atividades individuais, como a natação, ginástica, ballet ou karate, pois o que se pretende é desenvolver a coordenação motora, a flexibilidade, mas particularmente aprender a ter prazer com a atividade física. A partir da adolescência, quer por questões sociais quer de aprendizagem de viver em grupo e em sociedade, é importante uma atividade física de equipa, como o basquetebol, futebol  ou o andebol», sugere ainda a especialista.

Que atitudes devo evitar ter com o meu filho?

Não assumir as mudanças, por exemplo. Isso faz com que «a criança não compreenda a importância do processo», explica a psicoterapeuta Frederica Santos. Para além disso, não caia na tentação de, «quando são atingidas metas, festejar uma etapa alcançada com a recompensa de um doce». Não dar o exemplo também pode condicionar o processo de perda de peso da criança.

«Assuma exatamente os mesmos compromissos a nível da alteração dos estilos de vida que as crianças, demonstrando o quão simples e positivos podem ser», aconselha Frederica Santos que deixa alguns exemplos. «Tanto os pais como a criança comerem sopa de legumes ao jantar antes do outro prato e beberem água em vez de outra bebida», propõe. «Ao sábado de manhã, a mãe e a criança darem uma caminhada a seguir ao pequeno-almoço», sugere ainda a especialista.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Carla Rêgo (médica pediatra, especializada em nutrição pediátrica e medicina desportiva), Frederica Santos (psicoterapeuta da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, APCOI) e Rita Loureiro (dietista da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, APCOI)