São entusiasmantes os recentes estudos na área das neurociências, apontando para uma estreita relação entre a organização psíquica materna e o desenvolvimento de uma matriz intersubjectiva no bebé. Através da Ressonância Magnética Funcional (fMRI), os investigadores têm chegado à conclusão que o sistema de vinculação é ativado durante a gravidez e no período pós-natal, quando a mulher se prepara para pensar por dois, construindo uma perspetiva intersubjectiva que já inclui o bebé (Ammaniti e Trentini, 2009). A investigação neurocientífica indica a existência de uma intensa flutuação hormonal durante a gravidez, o nascimento e a lactação, que remodela o cérebro da mulher, observando-se um aumento de algumas regiões cerebrais, como o hipotálamo (que regula as respostas maternas) e o hipocampo (que regula a memória e a aprendizagem) (Mayes, Swain e Leckman, 2005, cit. por Ammaniti e Trentini, 2009).

 

É neste contexto que defendemos, quando a dança sincrónica não acontece de forma espontânea na relação entre pais e bebé, a intervenção psicoterapêutica, que pode ser realizada ainda durante e após a gravidez, na maternidade, no consultório, ao domicílio, e se necessário até ao 2º ano de vida da criança.

 

Ou seja, em situações em que o trauma e a indisponibilidade materna constituem causas suficientes para a perturbação do desenvolvimento do feto e mais tarde do bebé, a intervenção precoce é essencial para a prevenção de quadros psicopatológicos graves, paragem do crescimento fetal ou, mesmo, morte súbita do feto ou do bebé. Com efeito, algumas experiências uterinas podem constituir-se como micro-traumatismos para o feto e estão associadas à indisponibilidade parental para se afinar com as características do feto, no sentido do attunement ou afinação afetiva de Stern (2006, cit. por Reis, 2010).

 

Concordamos com Eduardo Sá (2003) quando realça que nenhuma experiência por si só determina o desenvolvimento do feto a não ser que se torne um estado permanente e se transforme num traço da personalidade. É nestas situações que se deve intervir e trabalhar essencialmente o bebé no sonho e na relação dos pais, funcionando o psicoterapeuta como um reanimador do psiquismo do feto e do bebé (Sá, 2003), intervindo de forma precocíssima na saúde mental, emocional, física e cognitiva do feto/bebé/futura criança.

 

A consulta psicoterapêutica pré-natal deve dirigir-se, pois, ao trabalho do bonding (conceito definido por Klaus e Kennel, 1976), procurando compreender, na história de vida daquela mulher, as razões que lhe estão a impossibilitar de viver uma gravidez mais livre e gratificante, ligando-se ao seu bebé e deixando-se ser ligada por ele.

 

Os estudos científicos recentes apontam para o facto de a relação de afeto para com o bebé crescer sobretudo nos primeiros 3 a 5 dias após o parto (Figueiredo, 2003) e progredir ao longo do primeiro ano do bebé, o que está relacionado com a crescente disponibilidade e capacidade responsiva do bebé, que faz com que a mãe sinta que o seu bebé a reconhece e comunica especificamente com ela.

 

Apontam, também, para uma relação direta entre a qualidade da relação do casal antes da gravidez e após o parto e uma relação direta entre a qualidade desta relação e a capacidade da mulher em superar o cansaço e a perturbação ligeira do humor (conhecida por blues pós-parto) decorrentes do parto e estar mais disponível para se ligar ao seu bebé (Isabella, 1994, cit. por Figueiredo, 2003).

Não podemos esquecer a relevância do parto (Figueiredo, 2003), destacando-se o papel da ocitocina, também designada hormona do apego. Os estudos apontam para a relação entre os níveis de ocitocina e o tipo de parto, a dor no parto, a quebra do contacto precoce da mãe e do bebé e a disponibilidade interativa do bebé (Figueiredo, 2003), sendo os maiores valores da hormona verificados em situações de parto normal e onde não existe quebra de contacto entre mãe e bebé nos primeiros momentos de vida extra-uterina do bebé. Com efeito, no decorrer das primeiras 24 horas de vida, o bebé está particularmente disponível e atento para a interação (Field, 1990, cit. por Figueiredo, 2003), mantendo-se num período de alerta calmo, durante cerca de uma hora após o nascimento, durante o qual olha diretamente para o rosto e os olhos da mãe e do pai e pode responder, num exemplo de proto-conversação (Trevarthen, 2001), às vozes que escuta.

 

Na psicoterapia pais-bebé, o psicoterapeuta deve colocar-se na posição de cada um dos elementos, mãe, bebé, pai, auscultando dentro de si o impacto da relação estabelecida entre todos. Colocando-se na pele de cada um dos protagonistas, o terapeuta pode dar voz ao silêncio gritante que os desencontros produzem. Pode compreender os gestos agressivos ou indiferentes como carapaças defensivas face a uma relação de onde não se espera amor, reconhecimento, ligação, compreensão, numa continuidade de experiências dolorosas, angustiantes, desamantes.

 

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