Há alguns anos seria impossível pensar que um bebé de 23 ou 24 semanas pudesse sobreviver. A verdade é que os extraordinários avanços da medicina permitem que os bebés possam vencer os inúmeros desafios inerentes à extrema prematuridade. Assim, a taxa de sobrevivência nas unidades de neonatologia tem vindo a aumentar, mesmo nos chamados extremos prematuros (abaixo das 28 semanas de gestação). No entanto, a pergunta surge frequentemente: “com que custos a longo prazo?”.

Muitos bebés prematuros, e com muito baixo peso, podem vir a ter vários problemas médicos ou de desenvolvimento. Por essa razão, torna-se inevitável aprofundar o conhecimento acerca dos efeitos a longo prazo do nascimento prematuro destas crianças. Estudos realizados na última década têm concluído que a rede neuronal envolvida nos processos de atenção, comunicação e emoção encontram-se “enfraquecidas” nestas crianças quando comparadas com as nascidas de termo. Estes dados parecem compatíveis com as elevadas percentagens de perturbações do neurodesenvolvimento em crianças prematuras, tais como autismo, ansiedade ou défice de atenção e hiperatividade. Apesar da evolução das tecnologias na área da neonatologia, uma incubadora não substitui o ventre materno. O desenvolvimento intrauterino envolve um extraordinário crescimento de tamanho e peso do bebé, mas principalmente um desenvolvimento crucial dos órgãos vitais, nomeadamente do cérebro.

Quando um bebé nasce prematuro, esse crescimento terá obrigatoriamente que ocorrer no meio externo, em condições muitas vezes adversas (com ventilação mecânica, manipulações dolorosas, ausência do meio aquático e dos movimentos inerentes, excesso de som e de luz, infeções...). É portanto expectável que possam vir a existir consequências a médio e longo prazo no desenvolvimento destas crianças. De um modo resumido, o autismo é uma perturbação do neurodesenvolvimento com lacunas ao nível da interação social e comunicação, bem como características comportamentais repetitivas e atípicas. As suas diferentes manifestações em termos de gravidade são bastante varáveis, pelo que se definem como perturbações do espectro do autismo. Os recentes avanços na investigação desta patologia conduziram à criação de instrumentos de rastreio e avaliação cada vez mais eficazes no diagnóstico precoce. Embora as causas ainda não estejam plenamente conhecidas, há uma componente genética predominante, a par de fatores que poderão criar uma maior suscetibilidade para este quadro clínica, entre eles a prematuridade.

Tendo em conta o papel da intervenção precoce no pronóstico do autismo, é de extrema importância fazer um diagnóstico o mais precoce possível. Para tal, é essencial assegurar a aplicação de testes de rastreio em populações de risco, nomeadamente nas crianças que nasceram prematuras. Ao identificar os sinais de alerta, é possível dar as respostas terapêuticas necessárias para assegurar que estas crianças (e os pais), após ultrapassarem tantos obstáculos, continuem a superar todas as expectativas para o seu futuro.

Carla Almeida (Coordenadora do Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo no Centro PIN; mãe de um prematuro de 24 semanas;)

carla.almeida@pin.com.pt

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