Quatro e um quarto da manhã e, da esquina do meu quarto, ecoa um berro:

- Mãe! Oh mãe, anda cá!

Num estalar de dedos, estava já eu no quarto ao lado, de cabelos esguedelhados, olheiras profundas e energias totalmente esgotadas. O mais surreal? O facto de eu me encontrar a saltitar de um lado para o outro, em cima daquele tapete verde que decora o quarto dos meus filhos mais novos. Um salto para a esquerda, outro para a direita, mais um para a frente.

Porquê? Já lá vamos.

Há pessoas que se satisfazem com meia dúzia de horas de sono. Eu não. Sempre precisei de dormir muito (ou o suficiente, pronto). Recordo-me que, no tempo áureo da minha juventude, em que as saídas à noite passaram a ser a minha rotina habitual, eu dormia muito pouco. A fúria de viver (e de me divertir) compensava as duas ou três horas de descanso com que eu era capaz de aparecer na escola. Mas, depois, aos fins-de-semana, eu entrava em hibernação. O meu corpo reclamava – como continua a fazer – por um equilíbrio que só a cama e o silêncio me conseguem oferecer.

Quando a minha primeira filha nasceu, confesso que não me preocupei com as noites mal dormidas. A criança era um verdadeiro anjo e, às três semanas de vida, adormecia logo a seguir ao jantar para só acordar às 10 horas do dia seguinte. Acontece que a minha segunda filha não nasceu com os meus genes. E, durante praticamente um ano e meio, aquela criaturinha bochechuda e sorridente achou que dormir era coisa que apenas se lhe assistia lá a partir das três ou quatro da manhã. Tentei de tudo para lhe alterar as rotinas: dar biberão à meia-noite, reduzir a sesta da manhã, anular a sesta da tarde, esgotá-la até à exaustão. Mas nada resultava. O nosso pediatra dizia que era do biorritmo dela e que a coisa acabaria por mudar.

Na verdade, mudei eu mais depressa que ela. Passei a ser uma sonâmbula ambulante que praticamente adormecia na secretária de trabalho, depois de um ano e meio a dormir três horas por noite. Emagreci a olhos vistos e o meu mau-feitio ficou… mais apurado.

Entretanto, tive direito a dois anos de boas noites. Até que nasceram os gémeos. Não me posso queixar muito porque, ainda assim, eles foram bebés muito fáceis e que me deixavam dormir, pelo menos, o suficiente para conseguir acertar com o café na boca todas as manhãs. Oito anos depois de eles terem nascido, conto pelos dedos das mãos as vezes que eles me acordaram de noite. Foram exceções ocorridas em doenças, pesadelos ou xixis na cama.

Tenho ainda a grande sorte de os meus filhos (quiçá percebendo que eu, quando não durmo o suficiente, fico em modo irritadiço) me deixarem dormir “até querer” aos fins-de-semana. Acordam, preparam o pequeno-almoço e entretêm-se a brincar ou a ver televisão, para então me verem aparecer sorridente e bem-disposta, depois de um sono reparador.

É sempre assim. Ou foi, até hoje.

Às quatro e um quarto da manhã fui acordada pelos berros de um dos mais novos, a reclamar a minha presença. Estranhando o amanhecer, imaginei uma qualquer mazela física a instalar-se naquele corpo, e corri para o quarto dos miúdos. Mas não era nenhuma doença. Longe disso.

- Mãe, estava um gafanhoto na minha cama.

- Desculpa?!

(eu já contei que tenho a maior das fobias a este inseto e que fico totalmente fora de mim quando suspeito sequer que possa estar algum por perto?)

- Mãe, agora ele está no canto do quarto. E agora está junto ao teu pé. Agora, perto dos brinquedos. E agora…

E, pronto, a cada “agora” lá saltava eu que nem uma mola incontrolável, evitando os gritos que normalmente me saltam da boca, por forma a não acordar as outras três crianças que dormiam profundamente.

Passados uns minutos, percebi que o meu filho tinha simplesmente tido um pesadelo e que achou que, àquela hora, seria engraçado testar os meus limites. E foi engraçado. Tão engraçado que não dormi nem mais um minuto até o despertador me lembrar que seria hora de acordar do descanso que não tive.

Deixei as crianças nas escolas, arrastando-me naquele sono interrompido, e cruzei-me de repente com uma mãe que carregava um bebé pequeno ao colo. O cabelo preso num rabo-de-cavalo mal-amanhado, o casaco de malha abotoado às cegas, as calças de ganga com restos de um bolsado que ela nem deve ter percebido. Adivinhei-lhe as olheiras carregadas por baixo dos óculos escuros e fiquei a observá-la, percebendo um cansaço tão mais óbvio e exagerado que o meu. Até que a vi pegar no telefone e atender uma chamada com um direto: “se não mudo as rotinas do bebé, dou em maluca”.

Segui o meu caminho a sorrir. É que, nesta casa, não são as rotinas de sono das crianças que tenho de mudar. É mesmo o apuradíssimo sentido de humor que elas revelam, também, fora de horas...

Alda Benamor