Os nossos filhos nunca farão uma birra em público. Os nossos filhos dirão sempre por favor, obrigada e com licença. Os nossos filhos comerão sempre a sopa. Os nossos filhos serão sempre obedientes.

Calha que os miúdos não são hardware que programamos como nos apetece. Calha que são pessoas. Pequeninas, ainda por cima. Quando nascem e começam a crescer não têm ainda a sua personalidade formada, estão a tentar perceber qual é o seu lugar no mundo. Têm conflitos interiores que nós não entendemos e eles menos ainda. São crianças, imagine-se.

E as crianças fazem birras, nem sempre são um monumento erigido à boa educação, não comem sempre sopa e são doutorados em desobedecer aos pais. Principalmente em público – tudo acontece assim, à vista do mundo, bem debaixo dos olhos das outras mães que, anos antes, nos ouviram apregoar que os nossos filhos NUNCA fariam tal coisa... e debaixo dos olhos das outras que, ainda não sendo mães, têm a certeza absoluta de que os filhos delas NUNCA farão tal coisa. Pois.

Há algum tempo, num centro comercial qualquer, começaram os dois uma birra apocalíptica. Já não me lembro do que queriam, mas sei que para eles era importante. Tão importante que houve choro, gritos, tentativas de bater na mãe e uma criatura de quatro anos deitada no chão. Um espectáculo lindo de se ver, como devem calcular. Eu, sozinha com eles, tive que contar várias vezes até vinte. E até quarenta. E tive que os tirar dali, desistindo do que tinha para fazer. Apeteceu-me assobiar para o lado e fingir que não era nada comigo! Basicamente, fingir que não os conhecia, que não os tinha parido.

Dizem os livros que a forma mais correcta de resolver birras é ignorando-as. Pois sim... mas experimentem ter uma criança a berrar durante uma hora. Experimentem ignorar aquela vozinha muito parecida com uma sirene. Experimentem e digam-me se aguentam. Eu não aguento. Não nasci com o “chip” zen e não lido bem com gritarias. E se há alturas em que consigo (mais ou menos) fazer-me de morta e ignorar, há outras em que só me apetece fugir pela janela (vivo num 4º andar e mesmo assim apetece-me, tal é o nível a que chegam as birras).

Contudo, em quase cinco anos de maternidade, aprendi a escolher as guerras em que me meto. Já não brigo por jantares que ficam por comer uma hora depois de lanches fartos (a miúda vem da escola esfomeada e come; claro que à hora de jantar a fome é escassa!). Já não brigo por “ó mãe, eu hoje quero levar aquela saia...”, “mas está frio, não vais nada de saia!”, “deixa lá...”. Acredito que, de vez em quando, eles precisam de sentir que ganharam, que conquistaram aquele espacinho para si. Nós, crescidos e maduros, só temos que saber conduzi-los lá. E fazê-los ver que cedemos por uma razão e que aquilo não significa que ganharam a guerra.

Há, obviamente, coisas de que não abdico. Não abdico de ter filhos bem educados, que não são selvagens indomáveis. Eles sabe que conseguem tudo o que querem (quase tudo, pronto) se forem bem educados e usarem aquelas quatro expressões que abrem portas e corações: por favor, obrigada, com licença e desculpa. E, no limite, quero é que eles sejam felizes e que cresçam num mundo real. Não acredito em ambientes “fabricados”, nem em famílias perfeitas, nem em miúdos que não fazem birras. Todos fazem, mais cedo ou mais tarde. Faz parte do processo de crescimento, não há como evitar. Por isso, senhoras que ainda não foram mães e que usam amiúde o “filho meu nunca na vida fará uma birra”, mais valem começarem já a mentalizar-se: os vossos filhos, como os outros, farão birras daquelas de envergonhar até um calhau. E vocês vão aprender a lidar com isso.

 

Lénia Rufino

Veja mais crónicas AQUI