Uma amiga minha queixou-se recentemente das más noites que o seu filho recém-nascido lhe tem dado. Ouvi-a atentamente, reconheci as “dores de mãe” estampadas nas suas olheiras carregadas, e evitei contar-lhe que as más noites melhoram, mas não terminam tão cedo. Escondi-lhe a custo que continuo incapaz de me deitar sem verificar que os meus filhos estão a dormir tranquilamente, que acordo ao mais pequeno gemido deles, que tinha até acabado de passar seis noites acordada, a embalar duas bronquiolites que se instalaram cá por casa.

Há, de facto, muitas coisas para que os livros de puericultura não nos preparam. Uma delas é que a nossa vida nunca mais vai voltar a ser a mesma. Esqueçamos a teoria de que, com o crescimento deles, voltamos a ter a nossa liberdade e independência. Sim, é verdade que, a partir de certa idade, já os podemos levar ao supermercado sem que se atirem para o chão porque não lhes comprámos uma pastilha elástica, e até mesmo que, ocasionalmente, os podemos deixar com alguém de confiança para gozar uma noite com os amigos ou com a cara-metade. Mas nunca mais é a mesma coisa.

Nada nos prepara para esta responsabilidade e preocupação permanentes. Durante o dia, interrompemos invariáveis vezes o trabalho para pensar se estarão bem, se terão comido o almoço todo, ou até mesmo se se estarão a portar bem. Durante a noite, velamos-lhes o sono e garantimos que qualquer febre que apareça é contornada pelos nossos lábios que, sempre atentos, pousam insistentemente nas suas testas. E, quando temos então os tais momentos de soltura, é ver-nos passar a noite a falar deles ou a imaginá-los num sono profundo, enquanto saboreamos aquele vinho que já tão poucas vezes faz parte das nossas rotinas habituais.

Na verdade, eles ficam-nos tão entranhados na pele que, mesmo nos momentos de que eles não deviam fazer parte, parece que ali estão, de braços abertos e olhos esbugalhados, a chamar por nós.

Uma outra amiga minha confidenciou-me recentemente que, num daqueles momentos íntimos com o marido, teve a sensação de que o seu filho de dois anos estava no quarto, a observar aquela situação interdita a menores de 18. Continuou o que tinha a fazer, crente de que se tratava apenas daquela “errónea premonição maternal”, até que foi interrompida por uma voz fininha a perguntar:

- Estás bem, mamã?

Nada nos prepara, realmente, para uma série de coisas que esta caixinha de surpresas chamada maternidade nos insiste em apresentar até que eles deixem de “ser nossos”. Primeiro são as noites em claro, depois as maleitas do “infectário”, mais tarde as notas, as respostas tortas, os amigos, os amores inocentes, a primeira caixa de pilulas e – voilá – a informação de que vão, com um grupo de hippies, emigrar para um país nórdico onde se encantarão por “aquela” pessoa que, para nosso azar, os passará a conhecer melhor que nós.

O que os livros de puericultura não nos dizem é apenas um claríssimo “bem-vindos ao tortuoso mundo da maternidade. E, já agora, bem-vindos também a uma vida que nunca mais será a mesma. Temos pena.”.

Claro que a maternidade é surpreendentemente maravilhosa. Com os filhos, descobrimos um amor que desconhecíamos, uma “dependência instintiva” que nunca sentíramos, uma conexão que nenhuma outra pessoa nos conseguira oferecer antes. Com eles, conhecemo-nos, redescobrimo-nos e crescemos de um modo que acredito ser impossível de crescer sem passar por esta experiência de gerar parte de nós. É simplesmente mágico.

Mas a maternidade, ao contrário do que se insiste em escrever na maioria das linhas que habitam nas livrarias, não é totalmente cor-de-rosa. Há momentos em que dói, mói, tortura mesmo. Mas é precisamente isto que a torna tão extraordinária, nesta espécie de “dor no amor”.

A maternidade é, isso sim, um deixar a porta aberta a todas as grandes surpresas da vida.

(sendo que, como vimos pelo exemplo da minha amiga, convém deixá-la fechada nos momentos menos oportunos…)

Alda Benamor