Este ano foi complicado. A crise, aquilo que vejo todos os dias na rua, as vidas que vou sabendo devastadas, abanadas, tantas e tantas tristezas fizeram deste ano um ano difícil. Mas houve momentos bons, alegrias imensas, planos e projectos, concretizações e sorrisos vários, e foram estas coisas que deram luz ao meu ano.

Este ano trouxe-me o terceiro filho na barriga. Depois, por coisas que só a natureza explica, a coisa complicou-se e veio a interrupção médica da gravidez com tudo o que isso acarretou. Tive que ser seguida durante seis meses. Foram dezenas de análises ao sangue, algumas ecografias e muitas consultas. Mas hoje acabou. Hoje tive alta e sinto-me de volta ao “normal”. Já não tenho um alerta vermelho a pairar sobre mim e isso é coisa para me deixar muito feliz.

Hoje, no hospital, voltei a fazer análises. Fiz uma nova ecografia. A médica, de quem eu gosto muito (foi a médica que me acompanhou na interrupção da gravidez, que esteve comigo na sala de partos a ajudar-me e a cuidar de mim), recordou-me como “aquela senhora que teve aquela mola parcial muito bonita, cujas fotografias da ecografia estão expostas lá em cima na outra sala”. Confesso que ouvir isto mexeu comigo. Para os médicos, fui a pessoa que potenciou uma aprendizagem válida e importante. Para eles, a minha gravidez molar foi caso de estudo, coisa óptima para que aprender com um exemplo real acerca de uma situação que não é assim tão comum. Para mim, foi a perda de um filho. E não foi fácil racionalizar o que estava a ouvir. Tive que fazer o que nem sempre se faz: pôr-me no lugar deles e pensar. E eles, os médicos, assistem todos os dias a abortos mais ou menos complexos, mais ou menos dolorosos. Para eles, são situações clínicas. Não senti que minimizassem o que quer que eu estivesse a sentir. Acho, isso sim, que foram profissionais e que fizeram o que precisava de ser feito. E eu consigo ver claramente o lado positivo da minha situação. Fico feliz que possa ser objecto de estudo, que ajude quem vá ser médico no futuro a saber mais, a preparar-se melhor, a saber o que tem em mãos.

Foi este pensamento que me ajudou, hoje, a fechar o ciclo. Tive muito tempo para pensar. Vi imensas grávidas com barrigas enormes. Apesar de ter ficado com um nó no peito assim que entrei na sala de espera, o nó foi-se desfazendo. Não chorei nem tive vontade disso. Não lamentei não estar grávida. Não quis engravidar novamente. Se tudo tivesse corrido dentro da normalidade, estaria agora grávida de 39 semanas. É possível que tivesse ido hoje ao hospital para ver nascer aquele bebé. Mas a natureza seguiu caminho de outra forma e é isso que me resta fazer também: fechar o ciclo e seguir em frente.

 

Lénia Rufino

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