Limitei-me a cumprir todas as regras que vinham nos livros de puericultura: garantir as rotinas diárias, cansar o mais possível as crianças no final do dia, dar o banhinho calmante sempre antes da hora de dormir. Se isto resultou? Não. Aliás, resultou com os meus filhos gémeos que, mal nasceram, lá se devem ter apercebido que, já com duas irmãs ainda pequenas, o melhor seria fazerem-se à vida e facilitar as noites à mãe já esgotada.

Na verdade, passei uns maravilhosos 16 meses de olhos abertos. Quando a minha filha mais velha passou a dormir noites longas, com um ano de vida, apareceu a sua irmã, que – com a vida e energia que ainda hoje a caraterizam – lá deve ter achado que dormir só é bom quando se chega à terceira idade. Eu bem podia cansá-la, encher-lhe a barriga, colocar música relaxante, cantar ou embalá-la no meu colo, que o máximo que conseguia era um choro esganiçado mal o seu corpo tocava nos lençóis.

(Foram meses maravilhosos…)

Mas isto da maternidade – pelo menos para mim – é quase como aquela paixão avassaladora que nos invade quando parece que conhecemos o homem dos nossos sonhos. Tudo é lindo, maravilhoso e perfeito e, como tal, lá vamos desvalorizando os defeitos de quem temos ao nosso lado, acreditando que se trata de uma personalidade circunstancial que, com o tempo, desparecerá. É a tal coisa do “eu consigo mudá-lo”. Neste caso, tratava-se da minha esperança (gigantesca!) de que esta minha filha acabasse por mudar e percebesse que dormir é coisa que, assim de vez em quando, o corpo precisa.

Podia agora revelar que o quase ano e meio que passei a dormir uma média de três horas por noite foi vivido com total facilidade. Mas não foi – e tenho a certeza de que o pai dos meus filhos depressa se apressaria a recordar-me do agradabilíssimo feitio e “carinho” com que eu lhe respondia quando, depois de ter dormido uma noite serena e prolongada, ele me brindava com um simples “bom dia”.

Foi realmente difícil. Eu trabalhava, tinha duas bebés e uma vida para cuidar, e o meu corpo, a dado momento, cedeu. Foi aí que voltei a fumar (na impossibilidade de começar a beber - o que, convenhamos, abonaria muito pouco a favor de uma mulher que se pretendia séria, profissional e, claro, maternal). Emagreci a olhos vistos, ganhei dezenas de cabelos brancos e comecei a ler todos os livros de autoajuda que me apareciam à frente. Visse eu de manhã numa qualquer livraria um manual que insinuasse ensinar-me a ser mais paciente e equilibrada, que à noite eu já o tinha devorado. Nenhum deles resultou.

Até que um dia, sem que nada o fizesse adivinhar, a minha filha não me chamou de noite. Dormiu um sono tranquilo, pacífico e pesado até ao nascer do dia. E nunca mais me acordou de madrugada. Nem com pesadelos, lençóis molhados ou pedidos para ir para a minha cama.

(Mas isto demorou 16 meses a acontecer, senhores. Repito: de-za-sseis-me-ses!)

Desde então que tenho sonos santos. Os meus filhos dão-me noites maravilhosas e, normalmente, deixam-me dormir até que eu possa ou me apeteça. Acordam, arranjam-se e prepararam o pequeno-almoço, que depois tomam enquanto a televisão os injeta com os bonecos matinais. Antipedagógico, mas altamente satisfatório.

Acontece que há exceções. Há manhãs (madrugadas) em que os meus filhos mais novos resolvem discutir, ou partir alguma coisa, ou simplesmente brindar-me com um abraço enorme que rapidamente me traz de volta à realidade. Ou, então, é a mais velha que cai e parte um osso, ou a do meio que resolve despertar-me com um amabilíssimo “faltam poucos meses para fazeres 40 anos, hã?”.

Mas hoje foi diferente. Hoje despertei a descobrir um talento que desconhecia nos meus filhos gémeos. Eles, que são dotadíssimos a nível motor, adoram tudo o que esteja relacionado com desporto, mas abominam (ou fingiam abominar) qualquer coisa que se prenda com as artes. No entanto, às seis e meia da manhã, acordei com uma música de fundo que me fez levantar e, pé ante pé, aproximar-me do quarto deles. Foi aí que os vi, ensaiando uma coreografia enquanto se vestiam, entoando alegremente a (sua) música do momento:

“I’m sexy and I know it”.

Digamos, então, que as más noites são como as luas: têm fases. Esta minha atual revela-se especialmente surpreendente.

Alda Benamor