Acredito no tempo certo das coisas. Quanto mais não seja porque, acontecendo, não faz sentido contestá-las. Eu, pelo menos, tenho esta tremenda capacidade de adaptação, que me faz aceitar cada novo caminho como uma oportunidade. Ou uma aprendizagem.

E foi por acreditar desde sempre no tempo certo das coisas, que não perdi o chão quando recebi a confirmação da minha primeira gravidez. Eu não perdi, mas as pessoas que me rodeavam tiveram um choque imenso. Afinal, eu era a Alda de 26 anos que adorava viver a vida com a máxima independência e liberdade, e que tinha uma profissão e um estilo de vida que em nada pareciam conjugar com as responsabilidades da maternidade.

Recordo-me que, para comunicar a notícia ao meu grupo de amigos mais próximo, organizei um jantar. Se qualquer motivo revelado, apenas porque sim. O jantar decorreu normalmente, entre confidências, partilhas e gargalhadas, e ninguém pareceu ter estranhado o fato de eu não ter tocado no copo de vinho e de ter comido a minha refeição num piscar de olhos. No final da noite, e quando já todos nos preparávamos para ir embora, eu informei: “ah, é verdade, tenho uma coisa para vos contar. Estou grávida!”. Palavra de honra que nunca mais esqueci os segundos que se seguiram. O silêncio castrador, os olhos arregalados, o choque instalado na cara daquelas pessoas que me conheciam desde sempre. E que, derivado precisamente desse conhecimento longínquo, fez com que a pergunta fosse inevitável: “Tu? Mas como?”.

Claro que me prontifiquei a explicar o “como”, não se fosse dar o caso de alguma daquelas almas ser ainda literalmente virgem nesta coisa da reprodução humana, mas o que os meus amigos queriam saber era como é que eu – logo eu! – podia estar grávida. Para eles, eu seria a última a ter filhos, o que muito provavelmente apenas aconteceria quando já estivesse perto da menopausa e depois de ter conhecido o mundo e planetas vizinhos.

Mas, pronto, lá estava eu grávida e pronta a levar a minha maternidade do mesmo modo como, até então, eu tinha levado a vida: com a máxima intensidade. Acontece que eu sabia tanto de bebés como de aritmética e só a ideia de mudar uma fralda me soava (ou cheirava!) a tarefa de alta engenharia biomédica. Resolvi então munir-me daquelas que me pareciam ser a última salvação à face do planeta terra: os livros de puericultura. E foi aí que eu descobri um extraordinário mundo novo, a que me dediquei com um afinco quase vital.

A minha gravidez foi, então, vivida com a “altíssima” confiança que aquelas bíblias nos oferecem. De tal forma que eu me sentia uma autêntica especialista no que a gestações e partos dizia respeito. Tecnicamente, nada me falhava.

Cheguei ao dia do meu primeiro parto com uma calma controlada. Ou seja, eu sabia o B-A-BA da coisa e todo o processo me parecia relativamente percetível e ultrapassável. Decidi então que ia abdicar da epidural. E fui controlando as dores, os nervos e o CTG como gente grande. Sozinha numa sala ao fundo do corredor, ouvia as restantes parturientes gemer e gritar como se lhes estivessem a arrancar o fígado por uma borbulha da testa, mas achava que eu ia ser diferente. Afinal, os livros diziam que aquelas dores eram normais e que a respiração e a meditação as permitiam controlar. Por isso, eu respirei “como deve de ser”, meditei profundamente (ainda que naquela posição altamente pornográfica) e rezei a Deuses que eu nem sabia que existiam. Mas, ali ao chegar aos oito dedos de dilatação, naquele ponto em que já tinha pedido suplício a todo o alfabeto de deuses e arcanjos, ouvi uns passos no corredor. E supliquei:

- Pode ajudar-me? Pode, por favor, fazer-me o toque que eu acho que já devo estar quase a ter a bebé?

Vi então uma cabeça branca a espreitar pela porta da minha sala, e reparei numa boca desdentada que se apressou a informar-me:

- Ah, eu não sei fazer isso… eu só vim fazer a limpeza, menina!

Todos temos momentos de profunda mudança na vida, correto? Um dos meus deu-se naquele instante. Sorri à senhora das limpezas e, logo a seguir, comecei a murmurar as palavras que mais me vinham à cabeça: todos os palavrões que nunca seria capaz de proferir em frente aos meus pais. Mas todos, sem exceção.

Foi assim que nasceu a minha primeira filha. Comigo a gemer baixinho, a rir às gargalhadas (sim, os nervos dão-me para rir…) e a dizer todas as asneiras “mais cabeludas” que eu conhecia. Claro que, mal me puseram a minha filha nos braços, cumpri três requisitos: admirá-la, dizer que a amava profundamente, e pedir desculpa pelo manancial de palavras novas que ela tinha conhecido na sua viagem ao direção ao meu colo.

Podia ser coisa para me pesar na consciência, não se desse o fato de, recentemente, ter descoberto um estudo da Keel University, em Inglaterra, que comprova que dizer asneiras alivia fortemente as dores. (informação que, lamentavelmente, as editoras ainda não parecem ter atualizado nos livros de maternidade e puericultura.)

Alda Benamor

 

Licenciada e consultora em Comunicação Empresarial, é mãe de quatro crianças. Os filhos dizem-lhe que é a melhor do mundo, mas que não conhecem mais nenhuma mãe que seja assim “tão extrovertida”. Ela reconhece o papel, assumindo que isso afasta, por enquanto, potenciais genros e noras que queiram aparecer para jantar.