Há dias, no jantar de aniversário de uma amiga minha, perguntaram-me como é que, tendo quatro filhos, eu consigo ter vida social. Respondi como sempre: que, de quinze em quinze dias, tenho 48 horas de “soltura”. Normalmente, brinco com isto de ser independente duas vezes por mês, vendendo o divórcio como a grande ferramenta de emancipação da maternidade – mas, na verdade, o humor apenas esconde aquela parte de mim que, precisamente nessas quatro noites mensais, se torna mais triste e apagada.

Aqueles dois fins-de-semana por mês em que os meus filhos vão para o pai são, na verdade, agridoces. Se, por um lado, eu posso fazer tudo aquilo que me é vedado nos restantes 26 dias do mês, por outro, parece que tudo em mim se torna mais vazio. Não é só a casa – sou eu mesma. Claro que aproveito para repor as energias, para dormir mais, para conviver, para me deitar com o nascer do sol, se for caso disso. Mas cada segundo de silêncio que se instala apenas serve para reforçar a dor de os ter longe. E para me fazer planear os dias que se seguem. Com eles e para eles.

Cinco anos depois desta nova forma de vida, é claro que já estou mais habituada. Ou mais conformada. Já percebi que dois dias passam num estalar de dedos e que o reencontro é sempre marcado por uma dança mágica de braços e corpos pequenos que se atiram a mim. Eles contam-me as novidades da ausência, querem saber o que fiz longe deles, e lá voltamos à nossa rotina (felizmente longa!) que nos faz esquecer destes afastamentos temporários.

Até que chegam as férias de verão. Três meses em que estamos ainda mais tempo juntos. Três meses em que eu grito para porem o som da televisão mais baixo, em que eu reclamo da desarrumação, em que eu suplico para - por amor de todos os santos - me deixarem trabalhar neste emprego que também é a casa deles. Em que interrompo as minhas escritas, totalmente frustrada, para que os mais novos vejam vídeos. “Dos melhores golos do mundo, mãe!” E em que penso que aquele próximo fim-de-semana com o pai me vai saber pela vida.

Acontece que os meses de verão implicam uma ausência maior que os habituais dois fins-de-semana por mês. Há ali uma altura em que o pai dos meus filhos, felizmente, os aproveita durante toda uma semana. Sete dias. 168 horas. Isto pode parecer um milagre vindo dos céus, possibilitando-me uma semana inteira de paz, sossego e boa vida. Pode haver até quem imagine que, durante este período, eu me transformo na mais boémia das pessoas, fazendo da minha casa um recinto de festas e raves dignas do mais piroso filme de adolescentes. Mas a verdade é que eu fico perdida. Tão perdida como se, de repente, me tivessem arrancado do meu conforto para me atirarem para o meio de uma tribo azteca em pleno momento de sacrifício sanguinário.

É então habitual que, no dia em que os entrego ao pai para que partam nesta aventura anual, eu simule um sorriso discreto. E digo discreto porque dura pouco. Ao jeito do que provoca o mais exímio ator profissional, os meus lábios começam num tremelicar hesitante que rapidamente dá lugar a um choro compulsivo. Eles sorriem, reconhecendo este lado exageradamente emotivo da mãe, e prometem que me vão telefonar todos os dias. Pedem-me “um cabelo, para estar sempre contigo”. Levam a minha almofada ou a minha t-shirt preferida para sentirem o meu cheiro. E cada gesto destes origina mais lágrimas, mais choro, mais roupa derramada por uma dor que não é só exagerada. Que chega a ser estúpida.

(São só sete dias, dizem-me. Mas eu sinto como sendo sempre muito tempo.)

Ontem foi o dia de os meus filhos partirem para a maior ausência deste ano. Ontem foi o dia em que simulei – tão mal! - o tal sorriso discreto, em que os enchi de recomendações, em que lhes disse que os amo mais que à vida, em que, ao vê-los já no fim da estrada, chorei como uma triste descompensada.

Mas ontem foi também o dia em que, ao vê-los partir, soltei uma sonora gargalhada.

- Bom, se ser mãe é ser assim, ainda bem que eu nasci homem.

(Tomás. 8 anos. E um sentido de humor acutilante.)

Alda Benamor