A Betweien desafiou Diogo Piçarra para reinterpretar poemas do Fernando Pessoa. Em conversa exclusiva com o Fama ao Minuto, o artista revelou que ao "início não quis aceitar o convite porque achava que era uma grande responsabilidade" e temia "ser alvo de crítica de muitos professores de português" por mexer com uma personalidade tão importante.

No entanto, sentiu que "seria uma atitude muito nobre" incentivar os jovens a ler ou ver com outros olhos o escritor português, por isso, decidiu aceitar e assim nasceu o livro 'Diogo Piçarra em Pessoa'. Desde então, tem vindo a apresentar esta iniciativa em escolas de todo o país.

Como foi o processo de criação deste projeto?

"Escolhi 20 poemas de Fernando Pessoa, reinterpretei-os à minha maneira, inventei os meus heterónimos e deixei folhas em branco para os alunos ou professores puderem também escolher os seus poemas ou inventarem os seus heterónimos. Depois tive de musicar dois dos poemas, que apresento nas escolas. Ou seja, as apresentações nas escolas são uma parte da apresentação do livro, [depois há] a parte musical onde canto as duas músicas e [por último há] uma peça de teatro. [Aí] tem um rapaz que faz de mim, Diogo Piçarra, e outro que faz de Fernando Pessoa, [fazendo assim] um diálogo intemporal que é muito engraçado e divertido".

Gostas de Fernando Pessoa?

"Sempre gostei, mas percebo parte daquela atitude dos mais jovens de não gostarem. Não quer dizer que não gostam, eles se calhar não percebem ou não têm experiência de vida suficiente para compreender o que Pessoa escrevia. Ele era um poeta super inteligente e demasiado avançado para a altura em que escrevia. Estamos a falar de quase inícios do século XX. Para os mais jovens, se calhar, não existe experiência de vida suficiente para compreenderem-no. Eu agora gosto ainda mais de Fernando Pessoa porque já cresci, já vivi um pouco mais. Depois deste projeto consegui gostar mais [desta personalidade histórica]. Tenho outros escritores preferidos, um dele é o José Saramago, e tenho pena de não o ter conhecido em vida e ainda não ter feito um projeto como este para José Saramago. No entanto, sempre gostei de Fernando Pessoa e espero incutir este gosto aos mais jovens, ou tentar meter na cabeça deles que o Fernando Pessoa não é nenhum bicho, é apenas um senhor igual a nós. Uma pessoa com medos, receios, sonhos e vontades. É esse o obejetivo ao apresentar este projeto nas escolas".

Nas escolas, como tem sido a receção e a reação dos mais jovens a esta iniciativa?

"Tem sido muito boa. Parece quase um concerto. Eu vou apenas apresentar um livro, mas a atitude dos mais jovens é surreal. Correria, gritos… É surpreendente porque eu estou apenas a apresentar um livro, mas eles encaram-me ainda como músico. Mas também é bom para mim porque não só vêm o Fernando Pessoa com outros olhos, como também me vêm a mim com outros olhos. Não é apenas o artista, o Diogo Piçarra o músico, mas também o Diogo escritor, o Diogo humano. É muito importante este projeto para mim, como pessoa".

Já houve algum momento surpreendente em alguma apresentação?

"Já aconteceu numa escola aproveitarem o momento em que estava a cantar uma das músicas que fiz para Fernando Pessoa e um dos alunos pediu em namoro uma colega. Foi lindíssimo. Estranho, mas ao mesmo tempo especial e romântico. Depois todo aquele ambiente dos poemas, a música, a peça de teatro, proporcionou a isso e espero que ainda estejam juntos. Cada apresentação é especial, é sempre diferente. Nunca se está à espera do que vai acontecer".

Pretendes dar continuidade a esta iniciativa?

"Claro! Espero conseguir fazer ainda mais músicas do livro. Mas como escritor, espero ainda poder fazer mais projetos como este, ou escrever livros apenas meus. Tudo o que é poemas, escrita, literatura é imortal e intemporal. Por isso, tanto eu daqui a 20 anos posso estar nas escolas a apresentar este livro como outra pessoa pode pegar neste projeto e fazer a sua própria reinterpretação. Espero que este projeto continue. Seja Diogo Piçarra em Pessoa, seja João em Pessoa, seja o que for. Ou então, pegar noutros escritores. Espero que alguém consiga pegar noutro escritor ou noutro poeta e consiga reinterpretá-lo à sua maneira".

De que forma este projeto tem importância na tua carreira musical?

"De certa maneira, acho que algumas pessoas podem respeitar-me mais como escritor e compositor do que como músico. É importante também ter essa visão de mim porque eu não sou apenas a cara de um programa. Aquela cara laroca como artista ou ídolo. Sou também a pessoa que passa meses a escrever a letra de uma música, a escrever um poema. Espero que este projeto tenha esse impacto, não só nos mais jovens, mas também em todas as pessoas que se envolvem. Seja professor ou encarregados de educação, que me vejam não apenas como um artista, mas também como um escritor, aquela pessoa que se fecha, com sentimentos, e que passa horas a escolher as palavras certas".

Recorde-se que, além de 'Diogo Piçarra em Pessoa', existe ainda outras temáticas que estão a ser abordadas por outros artistas: 'Mariana Num Mundo Igual' e 'O Planeta Limpo do Filipe Pinto'. Estes três projetos são independentes mas todos direcionados para causas. Segundo o que Filipe Pinto explicou ao Fama ao Minuto, o seu projeto foi quase o ponto de partida para expandir as outras temáticas, como a igualdade de género e a questão de Fernando Pessoa. Após ter apresentado a sua ideia à Betweien, em 2013, a empresa decidiu ir mais além e, no ano passado, desafiou a atriz Mariana Monteiro e o cantor Diogo Piçarra a criarem o seu próprio projeto que tem um cariz de sensibilização.