Luís Borges partilhou uma história que escreveu para a revista GQ, no seu blogue. Um acontecimento verídico, que deixou os fãs a pensar sobre a forma como as prostitutas são tratadas na nossa sociedade.

Tudo se terá passado no prédio do modelo, o qual não conseguiu ficar indiferente à situação que o marcou intensamente.

"Talvez se não tivesse sido confrontado com esta situação, não estaria agora a escrever este texto. É mais fácil não parar para pensar e apenas julgar os outros. É mais fácil não olhar para as desgraças dos outros. É mais fácil não perceber que assim como a Luísa, existem milhares de mulheres que se sujeitam à prostituição. O difícil é ajudar realmente", confessou.

A história foi de tal forma marcante que o próprio companheiro do modelo, Eduardo Beauté mostrou-se muito orgulhoso do companheiro:

"É por atitudes espontâneas como esta, que a cada dia que passa te amo mais", escreveu no seu Facebook.

Leia a história na íntegra:

"A história que vos conto é verídica, chocante e mais do que isso é uma realidade camuflada, que passa por baixo dos nossos olhos, que preferimos ignorar ou que enfrentamos com o preconceito.

“Era um dia normal, estava em casa quando começo a ouvir os berros de desespero de uma senhora. "Devolve-me a carteira"- gritava sem parar. No primeiro momento achei que seria uma mera discussão entre um casal. Espreitei pelo olho mágico da porta na expectativa de tentar perceber o que se passava e foi aí que vi alguém a descer as escadas a correr. Abri a porta e fui atrás dela, porque o seu pedido de socorro não parava de ecoar. Saiu pela porta de serviço do prédio e correu rapidamente até ao estacionamento da parte detrás. Quando lá cheguei tentei perceber o que se passava. Outro vizinho fez o mesmo na tentativa de ajudar e perceber quem foi o ladrão da carteira.

Perguntei se morava ali, ao qual me respondeu que não ! Se o homem que a tinha roubado morava no prédio ?! A resposta foi negativa. Estava visivelmente perturbada e mal conseguia falar. Eu continuava sem perceber o real motivo de toda esta situação, percebia que ficar sem a carteira já é desesperante o suficiente, mas havia algo mais.

Voltei a insistir nas minhas questões e quis saber porque estava ali no prédio. Foi aí que me disse: "Fui com um senhor fazer um serviço. Faço isto para sustentar as minhas filhas".

Fiquei sem fala, sem reação e sem resposta perante tudo aquilo. São aquelas coisas que sabemos que acontecem, mas ouvir a tristeza naquelas palavras fez-me sentir um vazio e um sentimento de impotência perante o que estava a acontecer aquela pobre mulher mesmo à minha frente. Quem vende o próprio corpo e se sujeita a situações como esta só pode estar em total desespero.

O homem fugiu com a mala apanhou-a na Rua Artilharia 1.Ela nunca o tinha visto antes, segundo o que me contou era um senhor bem parecido, com fato, gravata e camisa branca, e que devia ter os seus 48 anos. Levou-a até ao parque e começaram tudo ali, mas ele interrompeu e disse para subirem, como se morasse naquele prédio. Disse-lhe que ela não precisava de levar a carteira, que a podia deixar no carro. Ela nem desconfiou. Entraram no prédio quando uma vizinha saiu para passear o cão. Subiram até ao último andar e foi aí que ele disse para ficarem nas escadas de serviço para acabarem o que começaram no carro mesmo ali.

Depois ele simplesmente começou a descer as escadas e nunca mais conseguiu apanha-lo.

O prédio tem câmaras de vigilância, o que até podia ajudar. Mas para isso ela teria que fazer uma queixa na PSP para conseguirem a identidade do ladrão.

Disse-me que tinha vergonha de ir até à esquadra vestida daquela maneira e dizer que era uma prostituta! Senti mais um murro no estômago.

As pessoas julgam facilmente e ela seria sempre vítima disso! Disse-lhe que não tinha que ter vergonha do que fazia, era um trabalho, e que se o fazia como forma de sustentar as 3 filhas que tinha em casa, não tinha que ter vergonha disso. Vi nos olhos dela a vergonha, o pânico, o medo e a revolta por ter sido enganada daquela maneira e ainda ter que apresentar queixa na queixa. A somar a isso como voltaria assim vestida para casa? A roupa que vestia por cima, como forma de camuflar, tinha ficado na mala.

Prontifiquei-me a ir com ela até à esquadra, não quis que o fizesse sozinha e não ia conseguir voltar para casa a pensar no destino daquela mulher.

Pelo caminho contou-me que a mãe tinha falecido depois de a trazer de Cabo Verde, que era mãe de 3 filhas e que tinha 45 anos. Perguntei-lhe se tinha dinheiro na carteira e disse-me que só tinha 25€ do serviço que tinha feito ao homem que a roubou. Senti mais um murro no estômago! Não tinha noção desta realidade, perder a dignidade portão pouco? Como conseguiam? Onde estava o seu amor próprio? Será que estas mulheres ainda o têm?

A lei da sobrevivência é assustadora, faz-nos perder os limites, a dignidade e tudo o que for preciso. Vale tudo quando estão em causa três filhas para criar. Como julgar uma mãe que tem de cuidar dos seus filhos? Se o podia fazer de outra forma? Talvez, mas ninguém sabe as circunstâncias e acima de tudo acredito que ninguém faria isto por gosto.

Cheguei à PSP e falei com o agente, contei-lhe o sucedido e ele agradeceu. Despedi-me da Luísa, era este o nome dela, senti que tinha feito o que estava ao meu alcance. A Luísa deu-me um abraço e agradeceu.

Subi a rua até minha casa com o sentimento de dever cumprido, mas angustiado com o que podia acontecer à Luísa", terminou.