Acabou de receber a confirmação de que o restaurante “Costes” mantém a sua estrela Michelin, o galardão mais ambicionado por todos os chefes de cozinha. Qual é a sensação?

Em 2010 fomos o primeiro restaurante da Hungria a receber uma estrela Michelin e temos conseguido mantê-la, o que muito nos orgulha. Acima de tudo, tenho a sensação de “dever cumprido”. A partir do momento em que fazemos parte desse pequeno grupo de chefs galardoados com a estrela Michelin, um dos grandes objetivos é, no mínimo, manter o mesmo nível do ano anterior. Ficámos todos muito felizes no restaurante.
 
Como é que festejou este novo triunfo?

Fazendo aquilo que sabemos fazer - cozinhar! Foi um dia de trabalho igual aos outros, não houve festejos especiais.

A estrela Michelin é a ambição máxima para um chef?

Não lhe chamaria a ambição máxima. Para mim, pelo menos, há muitas coisas que vêm antes. Mas é claro que é sempre bom ver o nosso trabalho reconhecido, independentemente daquilo que fazemos na vida. E, para nós, cozinheiros, o guia Michelin é sem dúvida o de maior prestígio.
 
Sabemos que no “Costes” tem recebido algumas estrelas internacionais, como foi o caso do casal Jolie/Pitt. Existe uma responsabilidade maior quando sabe que na mesa estão pessoas famosas?

Jolie/Pitt, Anthony Hopkins, Jeremy Irons, Ernie Ecclestone... É verdade que ao longo destes últimos cinco anos temos tido a visita de algumas pessoas famosas, mas não fazemos distinções e tentamos servir toda a gente o melhor possível. Para mim, todos os clientes são tratados da mesma maneira e faço questão que tanto a cozinha como o serviço de sala partilhem essa mesma ideia.
 
Acha que o facto de um restaurante ter uma estrela Michelin aumenta a procura, ou, de alguma forma, os clientes podem sentir-se constrangidos, por acharem que é muito caro, por exemplo?

É impossível negar o efeito que a estrela Michelin teve no movimento do “Costes”. Na noite antes de sair o Guia, em 2010, servimos 20 jantares e no dia seguinte, depois da atribuição da estrela, passámos a três meses de lista de espera... Podemos ser um pouco mais caros que a maioria dos restaurantes na Hungria, mas isso deve-se ao facto de termos um maior número de pessoas a trabalhar e à qualidade do material e dos produtos que utilizamos na cozinha. Os nossos clientes são maioritariamente estrangeiros. Os húngaros que vêm até nós vêm numa data mais especial e talvez uma vez por ano, quando querem celebrar algo. A Hungria está a passar uma fase economicamente difícil e a cultura de vir jantar a este tipo de sítios ainda está agora a começar.

Continua firme no “Costes” ou pensa num regresso às origens?

Saí de Portugal em 1999. À medida que o tempo passa o desejo de voltar vai sendo cada vez maior. Gostava muito de poder voltar a Portugal mas de momento a minha vida passa por Budapeste e pelo “Costes”. A vida dá muitas voltas e tenho a certeza de que mais cedo ou mais tarde essa oportunidade de poder voltar “a casa” vai surgir.

 Como é o seu dia-a-dia? Quantas horas passa entre o restaurante e a organização de tudo o que diz respeito a uma cozinha?

O restaurante está fechado às segundas e terças-feiras. De quarta a domingo só fazemos jantares e, por isso, normalmente começamos a trabalhar por volta do meio dia, exceto à quarta-feira, em que começamos às nove horas. Gosto de chegar um pouco antes do resto da equipa, pois necessito de silêncio para poder organizar o dia, que normalmente começa no mercado local, situado mesmo ao lado do restaurante e que me inspira bastante. Gosto de ir lá tomar café e ver o que há de novo antes de começar a trabalhar. Nunca chego a casa antes da meia noite.
 
Sobra tempo para o resto?

Por vezes não e fácil, mas acho que é tudo uma questão de equilíbrio. Estou nesta profissão por escolha própria e sei desde o primeiro dia o difícil que é. Como diz o ditado, “quem corre por gosto não cansa” e eu faço sem dúvida nenhuma aquilo que gosto. Considero-me uma pessoa com bastante sorte nesse aspeto, pois descobri aquela que acho que é a minha vocação.
 
Tanto quanto sabemos, descobriu a cozinha um bocadinho por acaso, durante o curso de hotelaria, em Londres. Antes disso o que é que sabia fazer na cozinha?
 
Apenas o necessário para não passar fome, sabia muito pouco mesmo. Uma ou outra pasta, fritar uns ovos ou umas batatas e pouco mais. Até ter ido para Londres estudar não tinha consciência do prazer e da experiência que uma boa refeição pode causar. Felizmente hoje em dia vejo as coisas de outra maneira e já sei cozinhar um pouco melhor (risos).
 
Sabe-se que recebe flor de sal portuguesa, mas desconhecemos se já conseguiu ou não o fornecedor de queijo e azeite que procurava. Para além disso, que notas portuguesas se encontram nos seus pratos?

É bastante complicado em termos logísticos conseguir receber em Budapeste produtos portugueses com regularidade. Não sei se na minha cozinha se encontram ou não notas portuguesas e, sinceramente, essa não e uma das minhas maiores preocupações. Deve-se talvez ao facto de nunca ter cozinhado antes de emigrar ou de ter descoberto a paixão pela cozinha “cá fora”.
 
E já agora, quando vem a Portugal o que é que não dispensa comer?

Peixe e marisco.
 
Se de repente alguém lhe pedisse para confecionar um prato típico português, acha que seria capaz? Imagine uma chanfana ou uma caldeirada, por exemplo.

É uma pergunta bastante interessante. Até tentar não sei... Acho que sim, que conseguiria fazer algo, mas provavelmente só depois de deitar uma vista de olhos a alguma receita para ter a certeza do que me estava a ser pedido. Não estou muito familiarizado com a tradição culinária portuguesa.
 
Quais são os pratos de maior sucesso no Costes? A carta foi toda criada por si? É pessoa para aceitar sugestões da tua equipa ou prefere que "não pensem"?

Mudamos a carta com bastante frequência. No mínimo quatro vezes por ano, de acordo com os produtos da época, e quase nunca repetimos pratos anteriores. Por isso, é difícil dizer quais são os pratos de maior ou menor sucesso. É uma carta sempre muito pensada e, sendo eu quem toma as decisões e tem a última palavra, considero que a cozinha a este nível é “um jogo de equipa”. A opinião de todos os que trabalham comigo é bastante importante. Uma das coisas mais bonitas desta profissão é isso mesmo, o estarmos sempre a aprender. Demorei algum tempo a perceber que por melhor que penses que és, por mais energia e vontade que tenhas, sozinho não vais a nenhum lado. Um dos segredos para ser um bom chef, para além da capacidade de liderança, é saber delegar. Para mim é muito importante que as pessoas que trabalham comigo sintam que estão a crescer também.

(Entrevista de Graça Martins)