Alto e em forma, sedutor e generoso, nunca perde o contacto visual. Responde com liberdade, sem impor ou criar filtros. E há qualquer coisa de tímido nele que desfaz com empatia espontânea, como um miúdo. Encantador. Quando estivemos com ele, perguntámos-lhe porque é que tantas pessoas, de gerações e de quadrantes tão diferentes, o aplaudem. E percebemos! "Sou uma pessoa normal", assegura o cantor.

"Tenho a sorte de fazer o que tanto gosto e de, ainda por cima, as pessoas que transformaram a minha vida me darem, todos os dias, provas de amor", referiu o intérprete de êxitos como "Sonhos de menino" à Prevenir em fevereiro de 2015. (Re)veja a galeria de imagens da produção que fez para a revista que recuperamos no dia em que estreia nos cinemas "Tony", o documentário de Jorge Pelicano que revisita a sua vida.

Em 30 anos de carreira, o que lhe ensinaram as tantas mulheres para quem canta?

Ensinaram-me que são, sem dúvida, mais fortes e mais corajosas do que os homens. Uma mulher cai muito mais dificilmente do que um homem.

Há milhares de pessoas que o seguem concerto após concerto, pessoas de quadrantes muito distintos. Como explica que haja tanta gente a gostar de si?

Não sei explicar. Provavelmente vêem em mim algo que eu próprio não vejo…

Sente-o como uma responsabilidade?

Não, encaro-o como a vida que queria e que tenho a sorte de ter. Tenho a sorte de fazer o que tanto gosto e de, ainda por cima, as pessoas que transformaram a minha vida me darem, todos os dias, provas de amor, na rua. E isso acontece até mesmo com pessoas que podem nem gostar da minha música! Cruzo-me com muita gente que me  diz "Olha, eu não sou fã do que fazes como profissional mas gosto de ti"… É fantástico! E eu gosto dessa sinceridade…

Como se consegue criar laços de empatia com os outros, mesmo com os que são diferentes de nós?

Há coisas que não se fabricam e para essa empatia, de que fala, não há uma receita. Tenho respeito sincero por qualquer pessoa, por toda a gente. Isso para mim, claramente, é o meu ponto de partida...

E demonstra disponibilidade...

Sim, mas essa disponibilidade tem de ser verdadeira. Sou uma pessoa normal e vivo a minha vida de forma normal. Nunca adormeço a pensar que sou uma pessoa famosa nem acordo a pensar nisso e nem vivo a pensar nisso. Simplesmente, vivo a minha vida.

Claro que a minha profissão me condiciona e também me formatou de certa maneira porque, sendo uma figura pública, também tenho deveres. Porque há mais luz sobre mim do que sobre uma pessoa desconhecida, acho que tenho de ser um exemplo bonito para a sociedade.

Foi, várias vezes, embaixador da luta contra o cancro da mama. Porquê?

É a causa em que me sinto mais feliz a defender. Primeiro, porque é uma homenagem que faço às mulheres, uma homenagem que lhes é devida. Dão-me tanto que é meu dever retribuir.

Contribuo com muito prazer para uma causa complicada, dolorosa, mas o dia em que estou presente [na Corrida Sempre Mulher] é uma festa. Juntam-se cerca de 15.000 mulheres, facto pelo qual, em parte, também sou responsável e isso deixa-me muito feliz. Já estive noites sem dormir para estar presente de manhã.

Tem apoiado ações contra a esclerose múltipla, doença que atingiu um dos seus amigos, o Ricardo Landum, que é também compositor de muitos dos seus êxitos…

É uma doença terrível. Já apoiei a causa e estarei cá para continuar a fazê-lo. Cheguei a fazer um espetáculo a favor da SPEM e se me voltarem a convidar para dar a cara claro que volto a aceitar. Toca-me de perto porque atingiu uma pessoa que colabora comigo há 25 anos e que eu vi, no espaço de seis meses, degradar-se fisicamente. A criatividade, graças a Deus, mantém-se. E o que o mantém forte são, sem dúvida, a fé, as canções e os amigos…

Voltando às mulheres... Há uma muito especial, a sua filha, Sara. Que valores lhe tem passado para que cresça com uma autoestima forte?

Os valores que sempre passei a todos os meus filhos. O respeito, o trabalho, a honestidade e olhar para as pessoas por aquilo que elas são e não pelo seu estatuto social. A minha filha gosta de cantar e canta bem. Quando falamos sobre o assunto, digo-lhe que a única maneira de conseguir vencer é através do trabalho.

Tem de o conseguir sozinha?

Ninguém consegue sozinho. Mas tem de trabalhar para isso, porque ninguém vai cantar por ela, como ninguém vai cantar por mim ou pôr as pedras que o pedreiro coloca.

Numa entrevista que deu à TVI, assumiu, com naturalidade, que é "uma pessoa frágil". Não é muito comum um homem assumir essa vulnerabilidade…

Penso que os artistas são muito assim, frágeis. Recebemos tantos mimos e tanta coisa bonita do público. Esse privilégio, de certa forma, fragiliza-nos porque acabamos por ser quase, vou caricaturar, uma flor de estufa. Quando vem uma ventania, lá vai a flor. A minha vida, globalmente, tem sido privilegiada.

As dificuldades pelas quais passei são as dificuldades de milhões de pessoas. Tive uma vida dentro de uma certa pobreza, mas, mesmo nesses moldes, muito feliz. Nunca fui vítima de nada.

E nunca foi reticente em falar sobre as suas raízes nem sobre o passado…

Um dia, num restaurante em Paris, disse ao Manuel Luís Goucha que trabalhara numa fábrica de enchidos durante 10 anos e ele perguntou-me se eu era capaz de dizer isso na televisão. Eu respondi "Mas porque é que não diria?". Para se construir uma carreira, seja ela de carpinteiro ou cantor, temos de ser honestos. Porque não se constrói uma carreira, a longo prazo, baseada numa imagem fabricada.

Qual foi o lado positivo das dificuldades dos anos iniciais da sua carreira? Para que serviram?

Para crescer pouco a pouco. Foram anos muito importantes. Uma carreira mais facilmente será sólida se for crescendo do que se resultar de um boom. Nessa altura, não sabia que ia ter este sucesso, mas esses anos permitiram-me ir solidificando a minha carreira e mantiveram-me com os pés no chão. Quando assim é, e o sucesso acontece, não há um deslumbramento tão grande. Mas ninguém escolhe como vai acontecer. Eu não escolhi...

Continua a espantar-se com o que construiu?

Ainda hoje continuo a agradecer, principalmente nesta altura em se vive um período difícil em todo o mundo.

E a sua imagem? Gosta mais dela hoje do que há 10 anos?

Há 10 anos tinha menos barriga... [risos] Para ser sincero, não tenho resposta! Tive momentos muito bons há 10 anos e tenho momentos muito bons hoje. As rugas não me incomodam. Estou a envelhecer, mas acho que estou bem...

Tem cuidados para se manter saudável, em boa forma?

Tenho a sorte de ter uma boa genética. Nunca fiz dieta e há pratos a que não consigo resistir, mas já tento controlar algumas coisas, como o colesterol. Há alimentos que evito, como a carne de porco. Cada vez mais, prefiro ingredientes biológicos, carnes brancas e vou à praça porque não gosto de tomate que sabe a plástico.

Sei que gosta de cozinhar. O quê?

Tudo, mas os meus pratos preferidos são feitos no forno. Experimente fazer frango com mostarda de Dijon e ervas de Provença, sem sal. Agora ando a fazer tartes, de maçã, de limão e de pera, a partir de receitas que procuro na internet. Cozinhar descontrai-me muito.

Em entrevista ao Daniel Oliveira [jornalista da SIC, autor e apresentador do programa de entrevistas "Alta definição"], contou que felicidade, na sua infância, era sinónimo de comer. Hoje, felicidade é…

Encontrarmos o aquário onde somos felizes. É, por exemplo, o Natal na casa dos meus pais, com coisas muito simples. Muito humildes…

Já encontrou o seu aquário?

O ser humano é um eterno insatisfeito, mas gosto da vida que tenho. Tenho uma enorme paixão pelo que faço.

Texto: Nazaré Tocha com Carlos Ramos (fotografia)